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Guerra como factor explicativo?

No documento UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE (páginas 36-41)

3.3 Hegemonia da Frelimo em Manjacaze

3.3.1 Guerra como factor explicativo?

A guerra que assolou o país entre 1976 à 1992 deixou marcas profundas em quase todo o país. Mais do que agressão estrangeira, foi a maneira como a Frelimo pensou a nação moçambicana em moldes desenvolvimentistas, isto é, a negação da existência social das populações rurais, a construção do homem novo e o projecto das aldeias comunais que alimentaram a guerra, que permitiu que a guerra se alastrasse por quase todo país (Geffray, 1991).

É que os novos dirigentes, no auge da luta pela independência não foram capazes de perceber o “mal-entendido” que se instalava entre eles e as populações rurais. Estes últimos aclamavam-nos enquanto libertadores contra o colonialismo português e não como seus legítimos representantes. Senão vejamos, nos primeiros anos aderem massivamente ao projecto do novo poder mas, como com a implantação do Estado pós-colonial, rapidamente nota-se um súbito recrudescimento da luta dos representantes do novo poder contra as autoridades sociais e linhagísticas locais o que mudou o cenário pois, o que eles não sabiam é que estas autoridades “... representavam para as populações rurais qualquer coisa de muito diferente dos agentes do poder colonial e que a sua autoridade não

provinha essencialmente das funções que os portugueses lhes teriam eventualmente atribuído” (idem). Era algo anterior e provinha dos seus ancestrais comuns, daí que a manutenção do seu prestígio político e social“...não provinha só da sua riqueza ou poder económico, mas igualmente, do respeito, da obediência às ordens pelos seus súbditos, e, acima de tudo, da ideia mítica de que a «nação» vive por ele, como o corpo vive da cabeça” Junod (1944 citado por Lourenço, 1998, p. 83). Por isso que para estas populações recusar os seus líderes linhagísticos era o mesmo que negar a sua existência social e tudo que isso envolvia.

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O poder colonial apercebeu-se muito cedo disso e no sul do país, particularmente em Manjacaze, os chefes tradicionais estavam integrados na hierarquia político-administrativa como chefes de povoação, chefes de terras e régulos, subordinados aos comandantes militares, e por último, ao Governador, estes últimos impostos pelo poder colonial (idem). Garantia-se assim, simultaneamente a sobrevivência, prestígio e poder dos chefes perante seus súbditos, através de benesses e remuneração e, com a ajuda destes o governo colonial conseguia exercer o seu poder formal perante a população colonizada, facto que não aconteceu com o novo poder, embora estes, na tentativa de adaptar-se, tenham se tornado elo de ligação entre o poder formal e as populações rurais, mas sem o mesmo prestígio.

É junto destes líderes renegados que a RENAMO vai buscar apoio para tentar implantar-se nas várias regiões do país. A RENAMO, que já tinha um controle territorial considerável, não trouxe novidade quanto à sua administração, visto que optou por agir de forma similar à máquina colonial, respeitando os líderes linhagísticos sem deixar de lado o modelo da hierarquia administrativa da FRELIMO. Porém este mimetismo não foi eficaz visto que as “... tais estruturas estavam completamente privadas de meios: a RENAMO operava em condições que faziam com que as áreas do

governo parecessem prósperas (...) pouco tinha a oferecer em termos de benefícios materiais...” (Chichava, 2009, p. 97). Na verdade este controlava apenas o território, sobretudo a área rural, mas não o Estado, factor crucial para manter os chefes locais aliados à eles.

Concretamente em Manjacaze, a implantação da Renamo é resultado da destruição da base de Gorongosa pelas forças governamentais, o que dispersou as tropas para o sul. Estes chegaram ao distrito em 1982 e criaram a base de Macuácua. Para tal, foi preponderante o apoio do régulo Fumane, que mediante a promessa de restituição do poder retirado pelo governo da FRELIMO, aliou-se à Renamo, passando a população a trabalhar para eles de forma rotativa (Muianga, 1995, p. 60). Mas esta não foi a única base, pois mais tarde montaram a base de Guambene e Nhanale, o que intensificou os ataques não só nas zonas rurais, mas também na vila sede como demonstra a citação abaixo:

“...de repente hoje vinham os homens de Macuácua atacam, quando voltávamos dia seguinte, de madrugada estavam a entrar os homens de Guambe (...) e a outra base era aqui em Chibuto, no Nhanale. Então está imaginar o que acontecia aqui?... a forma como atacavam aqui era diferente dos outros sítios... aqui eram cruéis (...) qualquer homem ou mulher era usado para carregar o que roubavam nas lojas antes de queimarem... se reclamassem (...) diziam „pelo menos não vais

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morrer de doença‟ e era morto...” (Entrevista Senhora T., Vila Manjacaze, 09 de Outubro de 2014).

Importa realçar que, se por um lado o exército actuava mais nas zonas rurais, como forma de obrigar a população dispersa para aderir ao projecto das aldeias comunais,por outro a Renamo intensificava seus ataques às cidades para obrigar a população à regressar ao campo, sua principal fonte de manuntenção. Ambos lutavam para controlar o povo. Assim muitos fugiam para a vila ou para grandes cidades, procurando proteção governamental, acreditando que lá estariam protegidos, o que mostrou-se insustentável porque “... lá também era terrível, pior o [ataque] de dia 10 ou 12 de Agosto, este foi pior de todos...” (Entrevista, Senhor V., Macuacua, 11 de Outubro de 2014).

Todavia, para a maioria da população aqui sofreu-se mais do que em outros locais, por ser o berço das lideranças da Frelimo. É por conta desse sofrimento que eles reiteram seu apoio a este partido, que no tempo da guerra lutou em seu favor, bem como a repulsa em relação à RENAMO e tudo que é visto como oposição ao partido no poder, facto que intensifica a intolerância à presença de sedes, membros, simpatizantes e qualquer material de outros partidos“...todos aqui somos a Frelimo, somos a Frelimo nós (...) não entra mais ninguém aqui, só Frelimo (...) Nós vamos as casas e

todos já sabem como votar e em quem votar, Filipe Jacinto Nyussi, nosso candidato (...)” (idem). Aliás, a figura abaixo pode demonstrar:

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As condições de pobreza da maioria da população, o analfabetismo, a falta de informação entre outros fazem com que os líderes locais sejam os principais vectores de informação. Porém, provavelmente devido à sua cor partidária sejam susceptíveis de influenciar o voto à favor do partido no poder, o que pode reduzir o interesse em outros partidos, como evidência o trecho à seguir “ aqui no campo só fomos apresentados único presidente que é da Frelimo, os outros nem falam deles e não são apresentados e fica difícil porque eles [população] não tem acesso à informação” (Entrevista Homem, 22 anos, 14 de Marco de 2015). Esta falta de informação em parte beneficia o partido no poder, que acaba sendo eleito por uma população que vota mesmo sem saber o que está a escolher: “... não os conheço, eles é que sabem, mesmo para votarmos o secretário é que nos leva lá, não sabemos nada nós (Entrevista Senhora, 29 anos, Vila Manjacaze, 16 de Marco de 2015).

Assim, a nova realidade política do país, isto é, o multipartidarismo, parece ainda não se fazer sentir para os mais velhos. Segundo nossa entrevistada “( ...) para o multipartidarismo entrar aqui, só depois da nossa geração que viveu a guerra de verdade morrer, só assim porque eu nunca vou votar nesses (...) mesmo que o projecto seja reconstruir a cidade para que as crianças não saibam o que passamos de verdade...” (Entrevista Senhora T., Vila Manjacaze, 09 de Outubro de 2014). Este sentimento de pertença, carregado dum simbolismo histórico e político não é só partilhado entre a população mais velha, mas é transmitido pelas lideranças do partido no poder para os mais novos e confirmado pelos destroços ao longo do distrito.

Por isso, para o nosso entrevistado de Macuácua, é este santuário sagrado que dá o poder dos heróis aos candidatos eleitos, daí que tinha a certeza que seria o primeiro local que Nyusi visitaria“ (...) sempre há-de vir ser baptizado pelo poder que Gaza tem com seus heróis (...) desde Ngungunhane (...) aqui somos nós que damos poder, mesmo Guebuza veio aqui (...) agradecer-nos pessoalmente. Nunca nos

esquecem, porque sabem que esta terra contribuiu para libertar nosso país” (Entrevista Senhor V., Macuacua, 11 de Outubro de 2014) facto este confirmado posteriormente13.

Mas, não se pode assumir a guerra como único factor capaz de explicar o forte engajamento à favor da Frelimo, mas esta deve ser compreendida dentro de um contexto específico, o path

dependent ou dependence. Segundo esta perspectiva, as forças activas não produzem os mesmos

resultados em todos lugares, mas são alteradas pelas propriedades de cada contexto local, o que acaba criando uma desigualdade na divisão do poder pelos diferentes grupos sociais e políticos.

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http://ambicanos.blogspot.com/2015/04/Filipe-Nyusi-inicia-presidencia-aberta.html. (Moçambique Terra Queimada). Acedido ao 10 de Dezembro de 2015, 13:55h.

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Por isso, quando aliado à interesses políticos, garantir a manutenção destas propriedades herdadas no passado torna-se fundamental pois, o seu abandono envolveria um risco eleitoral ao grupo privilegiado (Hall e Taylor, 2003, p. 201).

Por isso, para Manjacaze, manter vivas as lembranças da guerra, através dos vários vestígios, como as ruínas, valas comuns, transmissão das histórias de guerra aos mais novos e, justificar a pobreza, o desemprego, as baixas taxas de alfabetização, o fraco acesso à informação, a falta de hospitais, através da guerra permite isentar o partido no poder de suas reais responsabilidades e reduzir as possibilidades de sanções eleitorais.

Ruínas da guerra em plena av. S. Machel. Salas de aulas de uma escola na Vila.

Assim, parece que há mais benefícios eleitorais ao partido no poder usar a guerra como capital político, divulgada para uma população maioritariamente pouco alfabetizada e dependente das lideranças locais, e com pouca capacidade de influenciar a incrementação dos pré-requisitos da democracia. Enquanto isto não acontece, a história da guerra continuará a ser um “calcanhar de

Aquiles” para toda a oposição, neste distrito que prefere votar na abstenção a pensar numa

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No documento UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE (páginas 36-41)

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