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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Curso de Licenciatura em Ciência Política

Abstenção e Engajamento Político no Distrito de Manjacaze: Análise a partir das eleições gerais de 2014

Supervisor: Prof. Dr. João C. G. Pereira Supervisanda: Carmen Donalde Fumo Co- Supervisor: Prof. Dr. Luis Brito

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Carmen Donalde Fumo

Abstenção e Engajamento político no Distrito de Manjacaze: Análise a partir das eleições gerais de 2014

Monografia a ser apresentada ao Departamento de Ciência Politica e Administração Pública da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, como requisito parcial para a obtenção de grau de Licenciatura em Ciência política.

Mesa de Júri Presidente_______________________________________ Supervisor ______________________________________ Co- Supervisor___________________________________ Oponente _______________________________________ Maputo, Dezembro de 2015

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i

ÍNDICE

DECLARAÇÃO DE HONRA ... iii

EPÍGRAFE ... iv

DEDICATÓRIA ... v

AGRADECIMENTOS ... vi

LISTA DE ABREVIATURAS ... vii

LISTA DE GRÁFICOS ... viii

RESUMO ... x I. Introdução ... 1 1.1. Metodologia ... 4 1.2. Justificação do Estudo ... 5 II Revisão da Literatura ... 6 2.1. Democracia e Eleições ... 6 2.2. Comportamento Eleitoral ………..………..………..8. 2.2.1. Modelo Sociológico…...……….……….8 2.2.2 Modelo Psico-sociológico ...9

2.2.2.3 Modelo de Escolhas Racionais ...10

2.2.2.4 Modelo de Sinnott ...12

III. Comportamento Eleitoral em Manjacaze ...15

3.1. Localização Geográfica, Demografia e Aspectos Socioeconómicos do distrito de Manjacaze ….15 3.2. Origem e História Política de Manjacaze 19 3.3 Hegemonia da Frelimo em Manjacaze ... 23

3.3.1. Guerra como factor explicativo? ... 24

3.4. Abstenção em Manjacaze... 29

3.4.1.Como explicar a Abstenção dum Eleitorado “fiel” ao Partido no Poder? ... 31

3.4.1.1.Distâncias em relação às mesas de votação ... 31

3.4.1.2. Má formação dos MMV's e desorganização do processo ... 33

3.4.1.3. Desilusão com o Governo da Frelimo ... 34

3.4.1.4. Inutilidade do Voto ... 35

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ii CONCLUSÃO ... 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 41 ANEXOS ... 44

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iii

DECLARAÇÃO DE HONRA

Eu, Carmen Donalde Fumo declaro por minha honra que esta monografia nunca foi apresentada na sua essência ou parcialmente para obtenção de qualquer grau académico e que ela constitui o resultado de uma investigação pessoal, estando indicadas no texto a bibliografia por mim utilizada.

A Licencianda

________________________________________ Carmen Donalde Fumo

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iv

EPÍGRAFE

O Analfabeto Político

“ O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não

fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

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v

DEDICATÓRIA

Ao meu Pai, Julião Mundau Fumo, à minha Mãe, Rosita Menias Tembe (em memória), aos meus meus irmãos, em especial Leosvildo Maxaquene Fumo (em memória) e sobrinhos Yunara, Állyckson, Fernando, Télvio, Ibrahimo, Anísio, Érica, Anelka, Shamima e Jamila, que este trabalho vos inspire na carreira estudantil.

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vi

AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são dirigidos primeiramente Àquele que me deu o sopro da vida: Deus. Pois reconheço que só cheguei ao fim desta etapa, porque Ele fortaleceu e restaurou minhas forças diariamente, a Ele meu muito obrigado.

À minha família, em especial meu herói vivo, meu Pai Julião Fumo que tanto o amo, que sempre me ensinou que só com luta, derrotas e coragem de levantar nos tornaremos vencedores. Este trabalho dedico à Si. À minha irmã Marcelina Fumo por ter confiado sempre em mim.

Estendo-os aos Professores Luis De Brito e João C. G. Pereira por terem aceitado orientar-me. Pela paciência e confiança dispensada, o meu muito obrigado. Agradecimento especial vai ao Egídio Chaimite pela ideia de mudar o objecto de estudo para Manjacaze e pelas incansáveis leituras e correcções, o meu muito obrigado. Aos Professores Salvador Forquilha, pelo tempo dispensado nas leituras e correcções, Wim Neeleman e António Francisco pelas contribuições na análise dos dados quantitativos e a Rosemina Aly pelos últimos detalhes, muito obrigada.

Ao Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) pelo estágio, garantindo o acesso aos diversos materiais e as viagens para o trabalho de campo. Muito obrigada pelo profundo aprendizado. Aos demais professores que em conjunto contribuíram para a minha formação, particularmente o Prof. Domingos do Rosário que semeou em mim o gosto pelas questões eleitorais, na cadeira de Estudos Eleitorais.

Aos meus amigos e colegas, em especial ao grupo das “Espertizes” Madime, Muchabje e Mauaie (pelas lutas, brincadeiras, dificuldades, noites e madrugadas em branco e perseverança), afinal vocês foram o meu suporte sempre que me faltava força, obrigada pela paciência. Agradecimentos também ao Terenciano, aos funcionários e pessoal de limpeza, meus amigos que tanto me ajudaram quando precisei. São eles, Ângela, Deolinda, Mangue, Celeste, Dulce, Cristina, Aires, Denise, Bia entre outros. Muito obrigada.

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vii

LISTA DE ABREVIATURAS

AGP- Acordos Gerais de Paz AR -Assembleia da República

BPPM - Boletim sobre o Processo Político em Moçambique CE – Cartografia Eleitoral

CDE - Comissão Distrital de Eleições CNE - Comissão Nacional de Eleições CIP – Centro de Integridade Pública

DFID - Department for International Development FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos INE - Instituto Nacional de Estatística

MAE - Ministério de Administração Estatal MDM - Movimento Democrático de Moçambique MMV - Membro de Mesa de Voto

OGE - Órgãos de Gestão Eleitoral

RENAMO - Resistência Nacional Moçambicana

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuíção dos votos válidos no distrito de Manjacaze ...23 Gráfico 2: Influência da Abstenção Oficial sobre os resultados da Frelimo...29 Gráfico 3: Influência da Abstenção Real sobre os resultados da Frelimo...30

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LISTA DE TABELAS

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x

RESUMO

O estudo é sobre o comportamento eleitoral em Manjacaze, distrito situado na província de Gaza, principal bastião da Frelimo. Este, mostra que o engajamento dos eleitores daquele distrito em relação à Frelimo pode ser explicado com base em questões históricas, em parte fundadas nas dinâmicas da luta pela independência nacional e da posterior guerra civil que opôs o seu Governo à guerrilha da Renamo, sem contudo se negligenciar o forte controlo político exercido pela liderança local. A abstençao eleitoral é resultante em parte da percepção dos eleitores sobre a inutilidade do seu voto e da certeza antecipada da vitória do partido no poder.

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1

I. Introdução

Desde a adopção da democracia multipartidária em Moçambique no início da década de 1990, e da consequente realização regular de eleições presidenciais e legislativas, o ambiente político-eleitoral do país tem sido marcadamente tenso. As campanhas eleitorais são muitas vezes manchadas por episódios de violência, destruição de panfletos e emissão de discursos belicistas, evocando parte das feridas da guerra. Acusações de fraude são também omnipresentes e, no fim de cada processo de votação, os resultados são sempre contestados pela Renamo e por parte dos partidos da oposição. As desconfianças e as controvérsias sobre a composição dos órgãos eleitorais têm igualmente contribuído para a prevalência das tensões político-eleitorais no país1.

É neste ambiente de tensão político-eleitoral, mas também militar, que, a 15 de Outubro de 2014, se realizaram as quintas eleições gerais da história do país. Com efeito, pouco antes, a 05 de Setembro de 2014, o Governo e a Renamo assinaram um acordo visando pôr termo a cerca de ano e meio de confrontos militares, cujo epicentro era a região de Muxúngue, na província central de Sofala2. Com o “acordo de cessação das hostilidades”, a já decadente imagem da Renamo e do seu líder saíram fortificadas, o que aumentou as expectativas de parte considerável da sociedade civil, académicos e analistas (nacionais e internacionais) com relação as suas performances eleitorais. Consideravam alguns que a Renamo e Afonso Dhlakama iriam no mínimo melhorar a prestação dos pleitos anteriores e, dada a semelhança que estabeleciam entre o ambiente político eleitoral de 2014 e o de 1994, aventavam a hipótese da participação dos dois pleitos situar-se a níveis equiparáveis.

De facto, a Renamo melhorou o seu desempenho eleitoral, passando dos anteriores 51 deputados para 89, e Dhlakama obteve 36,6% dos votos, contra os 16,5% de 2009. Os níveis de abstenção também melhoraram, situando-se nos 51%, contra os 55% de 2009, mas ainda bastante aquém do recorde de 1994, que foi de 12%3

. Esta situação justifica a necessidade de realização de mais

1 Vide Pereira e Nhanale (2014).

2 Para uma melhor compreensão do contexto em que as eleições gerais de 2014 decorreram, ver os Relatórios n°s1

e 3 do Projecto “O Eleitor Evanescente: Análise da participação/ Abstenção em Moçambique”, nomeadamente Brito

et all (2015, 2014) e Brito (2014).

3 De referir que, das nove eleições ocorridas no país, cinco gerais e quatro locais, apenas as de 1994 e 1999 tiveram

uma participação acima de 50%, com 88% e 66% respectivamente. Já nas municipais, apesar da tendência crescente de participação, esta foi sempre inferior aos 50%: se nas primeiras eleições autárquicas realizadas em 1998 apenas 15% dos eleitores recenceados votaram, nas eleições de 2003 a participação subiu para 24%. Já em 2008 a participação foi de 45% e, finalmente, em 2013, atingiu os 49%.

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2

estudos com vista a uma melhor compreensão das razões para a prevalência dos elevados índices de abstenção eleitoral em Moçambique.

Os poucos estudos sobre o fenómeno no país destacam o impacto de questões organizacionais, em parte associadas à fraqueza das campanhas de educação cívica (Pereira e Nhanale, 2014), a frustração dos cidadãos com relação ao desempenho do Governo, a fraca confiança nos órgãos de gestão dos processos eleitorais (Comissão Nacional de Eleições – CNE - e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral – STAE), a percepção sobre a inutilidade do voto, o medo, etc. (Brito, 1995; Mazula et al., 2006). Alguns argumentam que a abstenção penaliza mais a Renamo, dado que, segundo estes, ela tende a ser mais intensa nas zonas onde este partido é mais influente (Brito et al., 2005). Porém, os resultados dos últimos escrutínios demonstram que o fenómeno não só afecta regiões de influência da Renamo como também tem sido intensa em parte das que apoiam a Frelimo4.

Tal é o caso do círculo eleitoral de Gaza, um dos principais “bastiões” deste partido, e coincidentemente, da participação eleitoral. É nesta província que se localiza o distrito de Manjacaze, que nos últimos processos eleitorais tem apresentado níveis de abstenção próximos dos das médias nacionais, distanciando-se sobremaneira da média provincial.

Nas eleicões de 1994 Manjacaze e Gaza tiveram uma taxa de abstenção de cerca de 10%, enquanto outro distrito da província – Chigubo – obteve o recorde provincial de 18%, contra os 12% de média nacional. Entretanto, nas eleições subsequentes a situação inverteu-se, sobretudo a a partir de 2004, quando as taxas de abstenção de Manjacaze ultrapassaram significativamente as de Chigubo, seguindo as tendências nacionais e, por vezes, aproximando-se destas últimas. Se, naquele ano a abstenção em Manjacaze situou-se nos 64%, Chigubo registou 56%, para depois, em 2009, registarem 41% e 31% respectivamente. No último escrutínio, onde em Manjacaze a abstenção foi de 49%5

, a média nacional foi de 51%, contra os 45% de Gaza e 32% de Chigubo.

Como explicar esta tendência de elevados índices de abstenção em Manjacaze, um distrito com forte influência da Frelimo? Paralelamente, que factores contribuem para a manutenção do engajamento eleitoral à favor deste partido em Manjacaze?

4 Para mais informação vide Brito et al. (2015) 5 Hanlon (2014).

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3

Este trabalho orienta-se por dois pressupostos: o primeiro é de que a abstenção seja resultante da percepção dos eleitores sobre a inutilidade do seu voto, o que pode estar associado ao facto destes considerarem que, independentemente da sua participação, o partido no poder e os seus candidatos sagram-se sempre vencedores. O segundo, é de que o apoio à Frelimo funda-se em questões históricas, em parte radicadas nas dinâmicas da luta pela independência nacional e da posterior guerra civil, que opôs o seu Governo à guerrilha da Renamo.

Assim, pretende-se analisar os factores que explicam as altas taxas de abstenção eleitoral no distrito de Manjacaze, e simultaneamente, apresentar as razões do forte engajamento da população deste distrito para com a Frelimo. Começa-se por apresentar a metodologia usada para o alcanse desses objectivos, seguida pela justificação do estudo, para depois, na segunda parte, centrar-se na revisão da literatura, com enfoque na questão da relação entre democracia e eleições e nos modelos de comportamento eleitoral, nomeadamente o sociológico, o psicosociológico, o racional e o de Sinnott.

De seguida, na terceira parte, apresenta-se os resultados da pesquisa, começando por uma breve descrição das caracteristicas sócio-demográficas e económicas do distrito de Manjacaze, passando pela sua história política. Depois incide-se na questão do engajamento político, seguida pela análise dos factores da abstenção em Manjacaze e, por fim, a conclusão e as referências bibliográficas e os anexos.

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4

1.1. Metodologia

Este é um estudo essencialmente qualitativo. Na sua fase exploratória, começou-se pela revisão de livros, artigos científicos e de jornais, monografias, teses e diversos boletins sobre processos eleitorais. Pretendia-se aprofundar o conhecimento sobre a questão da participação e abstenção eleitoral de forma a definir a poblemática, os objectivos e formular as hipóteses iniciais do trabalho. De seguida foram desenvolvidas conversas e entrevistas com docentes e investigadores que trabalham e/ou trabalharam sobre eleições em Moçambique. Nesta fase também se revisitou um conjunto de informação quantitativa, com especial enfoque nos resultados eleitorais e nos dados sócio-demograficos e económicos disponibilizados pelos Órgãos de Gestão Eleitoral e pelo Instituto Nacional de Estatistica (INE), respectivamente.

De seguida, no âmbito do projecto sobre a abstenção eleitoral em Moçambique6, em que a candidata está envolvida, visitou-se o distrito. A primeira foi de 07-17 de Outubro de 2014, onde, através da observação participante, conversas informais e com base na técnica de bola de neve, procurou-se aceder á toda informação possível sobre o fenómeno da abstenção e do engajamento político no distrito de Manjacaze7. Com estas técnicas pretendia-se ultrapassar um conjunto de dificuldades na realização de pesquisas sobre questões políticas em Moçambique, sobretudo as que incidem na análise do comportamento eleitoral, entre as quais se destaca a excessiva burocracia no acesso à documentação central para o estudo e as frequentes respostas

“politicamente correctas” por parte dos entrevistados, o que está associado, em parte, aos

receios de represálias por parte destes últimos.

As conversas e entrevistas decorreram tanto com as lideranças locais, dirigentes dos Órgãos de Gestão Eleitoral, membros das mesas de voto, dos partidos políticos, professores, como com cidadãos comuns, entre abstencionistas e votantes. No total foram entrevistados 34 cidadãos8 de ambos sexos, parte dos quais residentes nas zonas mais periféricas do distrito de Manjacaze, comosão o caso de Madender e Memo em Macuácua e Ponjoane em Chibonzane.

6 O projecto de investigação “O Eleitor Evanescente: Análise da participação/abstenção eleitoral em Moçambique”,

desenvolvido pelo IESE.

7

Usou-se também o material colhido no período da administraçcao de inquérito (03-18 de Marçode 2015), isto é, para ultrapassar as limitações desta técnica, cada inquiridor colocava no verso do inquérito toda informação importante.

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1.2. Justificação do Estudo

O interesse em estudar o fenómeno da abstenção eleitoral deve-se aos seguintes factores: primeiro porque, durante a sua formação, a candidata constactou haver um número relativamente reduzido de estudos sobre a temática em Moçambique, sobretudo nos principais bastiões da Frelimo como é o caso da província de Gaza, o que contrasta com abundância verificada em inúmeros países do continente africano e do mundo. O segundo factor está associado a oportunidade que a candidata teve de, a partir do projecto em que se encontra inserida, poder aceder com relativa facilidade a diverso material para o estudo, incluindo contactos e financiamento para o trabalho de campo.

A escolha do distrito de Manjacaze deve-se também ao segundo factor que motivou a candidata a realizar o estudo sobre a abstenção e engajamento político, nomeadamente a incidência de parte do projecto naquele local, dado o facto de este registar níveis de participação tendencialmente decrescentes, isso num dos principais bastiões da Frelimo e, coincidentemente, da participação eleitoral. A este último factor, acresce-se o facto de a candidata dominar uma das línguas faladas naquele distrito- changana- o que contribuiu significativamente para a sua fácil integração e percepçãodos conteúdos debatidos nas entrevistas.

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6

II

Revisão da Literatura

Nesta parte, procura-se apresentar a literatura central para a elaboração do trabalho. Começa-se pela questão da ligação entre eleições e democracia, para depois abordar-se os modelos de comportamento eleitoral, dando-se maior enfoque à matriz de Sinnot, que é a que orienta a presente pesquisa.

2.1. Democracia e Eleições

Actualmente, as eleições, entendidas como mecanismos de designação de governantes com recurso ao voto estão fortemente vinculadas à democracia (Nay, 2011). Alguns autores defendem uma concepção minimalista da democracia, resumindo-a às eleições (Przeworski, 1999; Schumpeter, 1947). Para Schumpeter (1947, p. 249), por exemplo, a democracia é um “sistema através do qual os cidadãos adquirem o poder de decisão, num contexto de eleições competitivas e com recurso ao voto”. Na mesma linha, Przeworski (1999) define democracia como sendo “ (...) um regime político em que as regras do jogo são definidas através de eleições livres e contestadas”.

Dahl (2005, p. 25) também se refere à importância do voto, mas, no lugar da democracia, o autor se concentra no que designa por poliarquia: “regimes relativamente democratizados, ou seja, dotados de

carácter inclusivo e aberto à contestação pública”. Nesta perspectiva, Dahl destaca três elementos centrais das poliarquias: a oposição (contestação organizada por meio de eleições regulares, livres e transparentes), a participação (direito ao voto por parte de todos cidadãos adultos) e as liberdades cívicas. Assim, a poliarquia inclui não somente o direito e liberdade de voto e contestação mas também a liberdade de expressão, associação e informação.

O conceito de poliarquia de Dahl aproxima-se do que Bobbio (1998) designa por democracia substancial: um sistema que, para além das eleições, insere uma dimensão igualitária, não só jurídica mas também social e económica. Isto permite que todos sejam iguais perante a lei, o poder dos governantes seja limitado, haja uma prestação de contas Horizontal (instituições independentes) e Vertical (entre governantes e governados) e um pluralismo político, religioso que respeite os direitos das minorias. E Lipset (1959, p. 71) acrescenta que para as sociedades

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complexas, estes sistemas políticos não só devem eleger os governantes, mas também fornecer oportunidades regulares para mudanças dos governantes oficiais, através do voto.

Com o advento da “terceira onda de democratização” Huntington (1993), desenvolveu-se uma corrente de análise dos processos de passagem de um regime político para outro, designada por transitologia. De acordo com O’Donnel et al. (1986), principais precursores da transitologia, o processo de democratização obedece a uma sequência de três estágios: a abertura ou liberalização, onde o regime autoritário começa a se desintegrar, abrindo espaço para a emergência de um novo sistema, instituído por via de eleições nacionais. A realização das eleições marca o início da segunda etapa – a transição, a qual se integra igualmente a aprovação de uma nova ordem constitucional. A rotinização das eleições, a adopção de reformas institucionais e o reforço da sociedade civil, são parte dos elementos que caracterizam a terceira e última etapa do processo de democratização – a consolidação.

Como se pode notar, para a transitologia, se as eleições são o marco da transição, elas são igualmente fundamentais na etapa posterior, a consolidação. Para os defensores desta corrente, as eleições não só garantem a legitimidade dos governantes mas também alargam e reforçam a participação política e a accountablility dos governos para com os cidadãos. Entretanto, para outros autores, esta ênfase na importância das eleições no processo de democratização é problemática, dado que paraos transitólogos“ (…) a democracia resume-se em eleições” (Carother, 2002, p. 7), assemelhando-se aos minimalistas.

Para os críticos da transitologia, em certos contextos, como os de África, por exemplo, as eleições são meros instrumentos de controlo político por parte das elites no poder, que institucionalizam os mecanismos formais de participação e competição, sem, no entanto, permitir que os mesmos sejam efectivos (Lindberg, 2006). Segundo Adebanwi e Obadare (2011); Andrade (2005); Blondel et al. (1998), nestes contextos, as eleições não são incompatíveis com a prevalência de práticas anti-democráticas, na medida em que o eleitorado “vota mas não escolhe” e as decisões políticas resultam de um consenso do selectorate9

ou do que Carother (2002) designa de “falácia eleitoralista”, regimes em que os anteriores líderes autoritários ainda detém o poder de decisão, podendo manipular as eleições a seu favor através de fraudes ou coalizões

9 Selectorate pode ser entendido como um grupo restricto de pessoas, que toma decisões em nome duma maioria,

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8

políticas, impedindo que haja num futuro próximo uma alternância política. E para Schimitter e Karl (1991, p. 82) sistemas em que há tanta certeza em relação ao vencedor e as políticas que se irá adoptar, não pode ser considerado democrático. Paralelamente, o fenómeno da abstenção eleitoral pode aumentar, pois ao dar-se maior privilégio às eleições:

“ (...) ignora-se o grau desejável das eleições multipartidárias (se são sempre competitivas e incertas nos resultados), se talvés excluam uma porção significativa da população, do seu direito de contestar o poder ou avançar e defender seus interesses, ou talvés deixe importantes arenas de

tomada de decisão fora do controlo das autoridades eleitas” Karl (1990, citado por Diamond (1997).

Assim, entende-se por abstenção “(...) a diferença entre o conjunto de cidadãos que exerceram o seu direito de voto e o número de inscritos no Recenseamento Eleitoral” (Freire, 2000, p. 116). Esta definição corresponde à oficialmente publicada, que é por si problemática. É por isso que traz-se aqui o conceito de abstenção Real, que para além da abstenção oficial inclui os votos brancos e nulos (politicamente inválidos e sem poder de eleição) e é calculada não sobre o número de eleitores inscritos, mas sim sobre o número dos potenciais eleitores.

Se a primeira definição que é pouco abrangente, já levanta dúvidas quanto às eleições africanas, se podem ou não ser consideradas um mecanismo fiável ou fonte de legitimidade popular dos governos eleitos, o uso da segunda concepção talvez confirme que não são. E porque a abstenção é analisada por diferentes correntes sobre o comportamento eleitoral, é sobre elas que o trabalho se concentra de seguida.

2.2. Comportamento Eleitoral

Para Bobbio (1998, p. 189) comportamento eleitoral “ é o processo de formação e de expressão das preferências individuais em ordem às alternativas políticas sujeitas à crítica do voto”. Para a sua análise desenvolveram-se vários modelos, umas focando-se no indivíduo e outras em colectividades. Começamos pelo Modelo Sociológico, que se enquadra no segundo grupo.

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2.2.1. Modelo Sociológico

Foi inicialmente desenvolvido na década de 1940, por uma equipa composta por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, da Universidade de Colúmbia, sendo por isso também conhecido como

“Modelo de Colúmbia”. Os estudos foram iniciados durante o escrutínio de 1944 nos Estados

Unidos de América, baseadas em entrevistas repetidas a um painel de eleitores, resultando no livro “The People‟s Choice”. Entre outros aspectos, os autores mostraram que a intenção de voto pouco mudava durante a campanha e os eleitores tendiam a votar no partido que melhor reflectisse os interesses de grupo (Lazarsfeld et al., 1948; Telles, et al., 2009).

O principal argumento deste modelo é de que as estruturas sociais jogam um papel determinante para a construção das preferências partidárias e o comportamento eleitoral está condicionado pelos interesses dos grupos, entre os quais a religião, a classe e a posição social. Neste sentido o voto individual é o reflexo da posição económica e social do grupo onde o votante se encontra inserido.

Outros autores, como, por exemplo, Lipset e Rokkan (1967) sustentam que as clivagens sociais acima mencionadas são mais aplicáveis ao Ocidente e, para África, acrescenta-se dois outros factores são cruciais: a identidade, considerada dinâmica e situacional, e a pertença étnica, que é tida como primordial e estática Thomsson (2000, citado por Pereira, 2008).

Deste modo, para o modelo sociológico, a abstenção é “ (...) produto de uma insuficiente integração política, aliada à uma fraca inserção social” (Subileau, 1997, p. 247), sendo maior quanto mais o grupo não sentir suas aspirações reflectidas na agenda político-partidária.

A crítica feita a este modelo esta associada ao facto de, este estar aparentemente preocupado em compreender a taxa do voto e não a própria decisão que o indivíduo toma ao votar. Os críticos sustentam ainda que, ao enfatizar a continuidade e a estabilidade, o modelo sociológico não é capaz de explicar o comportamento desviante de alguns eleitores em relação ao padrão do grupo, isso porque um eleitor vota em outro partido ou simplesmente não vota e nem porque as clivagens são mais importantes num país que no outro (Pereira, 2008). É por estas e outras razões

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10

que outros autores desenvolveram um novo modelo que, contrariamente ao modelo sociológico, focado no grupo, coloca o indivíduo no centro: o modelo psico-Sociológico.

2.2.2 Modelo Psico-Sociológico

Este é também conhecido como modelo de Michigan e surge em 1960 com a emblemática obra

“The American Voter”, da autoria de Campbell, Converse, Miller e Stokes. Estes investigadores

procuravam responder as limitacões do modelo sociológico, sobretudo o facto de aquele não conseguir explicar as variações a cada eleição:

“Nós assumimos que muitos dos eventos ou condições que incidem directamente sobre o comportamento são percebidos em uma forma ou outra pela prioridade individual para determinado comportamento e que muitos comportamentos consistem na reacção à essas percepções” (Campbell et al., 1960, p. 27).

A ideia central desta teoria é de que as predisposições psicológicas a longo prazo podem estar associadas a identificação partidária10. Esta, pode ser herdada na família ou na socialização, mas só uma pequena parte da informação colhida pode tornar-se uma condição relevante, capaz de influenciar as suas acções na sociedade. Assim, quanto mais inclusivo for o sistema, maior será o envolvimento político dos cidadãos e a sua propensão para votar (idem): caso o sistema seja excludente e o eleitor se encontre ligeiramente fatigado e com baixa motivação, aliado à uma indiferença geral em relação às questões políticas, pode conduzir à uma abstenção eleitoral (ibdem, 1960).

Para estes autores, o indivíduo é visto como unidade de análise, detentor de toda informação, o que o torna socialmente diferente dos outros indivíduos, mas porque está inserido num grupo homogéneo, estes “ tendem a ter mesmos comportamentos políticos, e por consequência, votam na mesma direcção” (Do Rosário, 2009, p. 26).

Este modelo é também objecto de críticas e, a principal das quais é de que este também não é capaz de explicar o comportamento desviante de eleitores do mesmo grupo social, pois pauta

10 Este conceito trazido pela primeira vez por Campbell, Converse e Stokes (1960), pode ser compreendido como

algo adquirido através da família, reforçado por meio da adesão à grupos sociais politicamente uniformizados e confirmado ao longo da vida pelos hábitos eleitorais (Pereira, 2008).

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mais pela estabilidade do voto. Desta forma surge um outro modelo: o racional, que toma a racionalidade e a economia como bases de análise.

2.2.3 Modelo de Escolhas Racionais

A obra de Down (1957)“An Economic Theory of Democracy”, que marca o surgimento do modelo económico, é anterior ao Modelo de Michigan, mas só a partir dos anos de 1960 é que começa a ganhar relevância. Com foco nos fins políticos e económicos de cada indivíduo e grupos, este modelo vai emprestar da Teoria Económica Tradicional a ideia de consumidor racional de Homo Economicus, que vai chamar de Homo Políticus.

Segundo os defensores do modelo económico, o governo no poder equipara-se à uma empresa privada e o eleitor a um consumidor dos serviços prestados. O Governo precisa ter uma estratégia política que garanta que os eleitores se apercebam dos benefícios de suas actividades, para as terem em consideração no dia de votação, caso contrário tomariam decisões irracionais, isto porque para eles “o cidadão age racionalmente na política (...), cada cidadão vai depositar o seu voto no partido que ele acredita que irá providenciar mais benefícios do que qualquer outro” (Down, 1957, p. 36).

Mas o eleitor sabe que nenhum partido irá fazer o que promete, por isso no intervalo, entre duas eleições, cinge-se apenas às plataformas ou promessas oferecidas, comparando as actuais actividades do partido no poder e o que poderia receber do partido na oposição, caso estivesse no poder (idem). Desta forma, as decisões são feitas com base em dois tipos de análises: retrospectiva e prospectiva. No primeiro tipo, o eleitor vota com base nos ganhos de acções passadas do que nas propostas políticas vindouras (Key, 1967), enquanto no segundo os eleitores olham mais para o futuro do que para o passado, privilegiando as promessas e programas apresentados pelos candidatos (Down, 1957; Achen, 1982; Pereira, 2008).

É na busca de utilidade do seu voto consciente, que o eleitor vai direccioná-lo ao partido que conseguir convencê-lo de que irá satisfazer suas aspirações, podendo depositar numa dada eleição e alterar na seguinte. Neste caso a abstenção ocorre se o eleitor acreditar que as “... (1) mudanças políticas que irão ocorrer caso a oposição seja eleita não terão nenhum efeito sobre seus ganhos, ou se (2) estas mudanças talvez possam afectar os seus ganhos, mas a probabilidade de aumentar é exactamente igual à

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probabilidade de ele perder (...)” (Down, 1957, p. 43). Esta atitude resulta da incerteza em relação aos benefícios desta mudança, caso o seu cálculo das expectativas seja igual à zero.

Porém, como as outras abordagens, esta também tem suas limitacões. A mais importante das quais, é de que ela é incapaz de delimitar a fronteira entre a racionalidade e irracionalidade política na hora do voto, dado que sugere que a decisão do voto é baseado na avaliação do desempenho.

Como se pode notar, estes três modelos, considerados clássicos, procuram explicar tanto os factores que conduzem os eleitores a exercerem o seu direito de voto assim como a se absterem dos processos eleitorais, mas todos tem suas limitações. A limitação que lhes é comum é o facto de serem mutuamente excludentes, o que Sinnott (2003) procura ultrapassar ao propor um novo modelo.

2.2.4 Modelo de Sinnott

Recentemente desenvolvida, esta matriz condensa as contribuições dos anteriores modelos na explicação do comportamento eleitoral. Este modelo iniciou com os de trabalhos de Aldrich (1993), Franklin (1996) e Blais 2000), que usaram as assumpções do modelo racional como base de análise. Embora o modelo seja atribuído à Sinnott, este reconhece os avanços dados por estes autores na concepção da sua matriz.

A contribuição de Aldrich (1993) esta no facto deste acreditar que, porque as decisões de votar ou não são muitas vezes feitas à margem, a partir do momento que os custos e benefícios sofrem alguma mudança, a decisão dos cidadãos também irá alterar. Blair (2000) encorpara aspectos dos modelos Sociológico e Psicológico, dando importância a um conjunto de factores endógenos, a que chama de recursos, e a outros exógenos que designa de mobilização. O autor denomina estes factores de interpretações psicológicas e sociológicas.

Mas para Franklin (1996) os recursos e a mobilização são importantes, no entanto são insuficientes daí, ter incluído um novo elemento, que é o desejo de afectar o curso das decisões políticas. A este último factor o autor denominou de “motivação instrumental”, pois, segundo ele, abrange aspectos adicionais de participação política (Sinnott, 2003, p. 3).

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Entretanto, embora os três autores tenham dado significantes avanços na análise do comportamento eleitoral, injectando inputs para a concepção do modelo de Sinnot, não foram capazes de abandonar o carácter excludente e competitivo nos seus argumentos. Franklin reconhecia esta limitação e sustentava que o problema de competição e exclusão entre as abordagens ocorre particularmente porque umas tomam países como unidades de análise e outras tomam os indivíduos, ou seja, enquanto uns usam dados agregados, outros usam dados de nível individual, isto porque todos estão preocupados em classificar os factores e não integrá-los numa grelha mais abrangente (idem).

O trabalho desenvolvido por Blondel et al (1998) também contribuíu significativamente para a posterior elaboração da matriz de Sinnot. Na sua obra “People and Parliament in the European

Union: Democracy, Participation and Legitimacy”, ao autores agregarem os factores que

afectam a afluência às urnas em facilitação e mobilização, mostrando que a abstenção pode ser voluntária se for resultante de uma baixa mobilização, isto é, o indivíduo decide não ir votar, e circunstancial caso derive de uma menor facilitação, isto é, por motivos de força maior.

O mérito de Sinnott resulta da distinção que faz aos termos Facilitação e Mobilização e como estes incidem sobre o comportamento eleitoral. Para o autor, a Facilitação é “ (...) qualquer

processo ou variável que torne o escrutínio mais fácil” e a Mobilização refere-se a “ (...) qualquer processo ou variável que providencie um incentivo para o voto”. E, estes dois termos

(Facilitação e Mobilização) incidem sobre os níveis das Instituições/organizações e do Indivíduo (Sinnott, 2003). Nota-se aqui os subsídios retirados do modelo Sociológico (influência dos grupos de pertença), Psicossociológico (percepções colhidas pelo indivíduo) e Modelo Racional (noção de custos e benefícios no acto de votar). Esta explicação pode ser encontrada de forma resumida no quadro abaixo:

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Tabela 1: Matriz Tipológica de Sinnott (2003)

Natureza dos

Efeitos

Localização das Variáveis

Facilitação Institucional Individual

 Características da regulação na eleição e de processos de comunicação política que tornem a votação facilitada (infra-estruturas de participação política e comunicação política). Ex.:, Má formação dos mmv’s, mês de seca e fome.

 Características dos eleitores que tornem a votação mais fácil (aspectos relacionados às eleições e circunstâncias pessoais).

Ex.: Distâncias, Enchentes nas mesas, e desinteresse pela política.

Mobilização  Características do sistema

político e processos políticos que fornecem incentivos para o voto (instituições políticas e campanhas políticas).

Ex.: Campanha exclusiva da Frelimo e mobilização compulsiva da Frelimo (controle político).

 Aspectos da percepção política dos indivíduos que fornecem incentivos para o voto (atitudes políticas e preferências).

Ex.: Desilusão com a governação, Comem sozinhos,.

Fonte: Adaptado com base em SINNOTT (2003).

Assim, o facto do modelo de Sinnott ser mais abragente e inclusivo, destacando as virtudes dos anteriores modelos e os sistematizando, ultrapassando as suas principais limitações, explica a sua opção para a orientação do presente trabalho.

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III. Comportamento Eleitoral em Manjacaze

Com base no modelo de Sinnot, de seguida centramo-nos na análise do comportamento eleitoral no distrito de Manjacaze, com maior incidência na questão da abstenção. Começamos por apresentar as características gerais do distrito, da sua história política, para depois abordar a questão do engajamento político e da abstenção eleitoral e seus factores.

3.1. Localização Geográfica, Demografia e Aspectos Socioeconómicos do distrito de Manjacaze

O Distrito de Mandlakazi ou Manjacaze situa-se ao Sul de Moçambique, entre as latitudes de 24º 04’19’’ e 25º 00’00’’ Sul e entre as longitudes de 33º 56’ 17’’, ocupando uma superfície de 3.797 km, correspondentes a 4.8% da superfície total da província de Gaza. Tem como limites a Norte o Rio Uwaluezi, braço do Rio Changane que o limita com o Distrito de Chibuto; a Sul o Oceano Índico; a Oeste os Distritos de Chibuto e Xai-Xai e a Este os distritos de Inharrime, Panda e Zavala da Província de Inhambane (INE, 2013, p. 9).

Divide-se em sete (7) Postos Administrativos, à saber Chalala, Chibonzane, Chidenguele, Macuácua, Mazucane, Nguzene e Posto Sede (Manjacaze) onde localiza-se o Município e está subdividido em 19 Localidades.

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As projecções para ano de 2014 indicavam uma população de 179.847 habitantes, dos quais 81.522 homens e 98.324 mulheres (idem, p. 10). Em relação à população com idade para votar (18 - 66+) estimava-se em 80.562 habitantes, dos quais a CNE só registou um total de 66.581 eleitores, equivalente a 82.6 %. Assim, mais de 17% de eleitores que por vários motivos não se recenseou, não votou nestas eleições.

No que concerne à infra-estruturas, o distrito de Manjacaze dispõe de 316 km de estradas11 de terra batida rurais principais, secundárias e terciárias, com boa transitabilidade em períodos não chuvosos. Dispõe também de uma delegação da TDM, uma dos Correios de Moçambique, uma da Autoridade Tributária de Moçambique, algumas da Electricidade de Moçambique, uma loja da rede móvel Movitel e uma só instituição bancária – BIM.

Para além de debater-se com poucas agências de prestação de serviços, ainda há outros problemas na educação, acesso à água, transporte, luz, hospital, etc. Se por um lado este distrito foi por volta de 1931-32, a circunscrição mais escolarizada de Moçambique (9.7% da população), seguida pela vila de Inhambane com 7.1%, que tinha um número considerável de população branca e mista com certo interesse de ver os seus filhos com educação (Liesegang, 2012:16), o mesmo não se pode dizer do estado actual, que está muito desfavorável, mesmo em relação aos outros distritos da província de Gaza. A título de exemplo, para o ano de 1997, Manjacaze era o segundo pior distrito de Gaza em termos de alfabetização. Com um total de 53% de taxa de analfabetismo, dos quais 43% para homens e 60% mulheres, estava somente à frente de Xai-Xai com 52%, 40% (homens) e 61% (mulheres) respectivamente.

Hoje, possui 102 escolas públicas do EP1, 45 escolas públicas do EP2 e um total de 848 professores para 43.192 alunos. Tinha também 10 escolas do ESG1 (sete públicas e três privadas) e 5 escolas do ESG2 (duas públicas e três privadas), 193 professores para 8.165 alunos. Ao todo são 162 escolas, 1.041 professores e 51.357 alunos respectivamente. No EP1 e EP2 um professor está para uma média de 51 alunos, enquanto no ESG1 e ESG2 está para uma média de 42.3 alunos. No entanto, este número de escolas não significa que exista igual número de edifícios escolares no distrito, mas refere-se ao número de escolas que leccionam níveis de ensino, isto é, o mesmo edifício pode leccionar vários níveis de ensino (INE, 2013, p. 19).

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No que concerne ao acesso à electricidade, água e saúde, esta cobre uma pequena parcela da população. Com excepção de Manjakaze e Chidenguele, os outros Postos Admnistrativos não estavam iluminados. Segundo o INE, 2007), apenas 108 agregados tinha acesso à água potável, correspondente à 0.3%. O grosso da população, 21.301 (54.8%) usava poços de céu aberto e desprotegidos, seguida de 7.831 (20.2 %) para os poços com bomba e protegidos e 3.783 (9.7 %) nos fontenários. Outras fontes menos significativas são a água de chuva, as lagoas, rios e água canalizada fora de casa, entre outros.

Quanto à energia somente 1.052 (2.7 %) da população tem acesso a energia eléctrica, seguida de 28.108 (72.3 %) que usa petróleo, parafina ou querosene, e da lenha com 4.659 (12 %). A vela, gerador/placa solar, gás, bateria entre outros ocupam uma percentagem muito reduzida, que embora seja significativo, ainda está longe de ser considerado satisfatório.

Até ao ano de 2011, o distrito tinha vinte unidades sanitárias públicas distribuídas pelos sete postos administrativos. Destes, um era posto de saúde e os restantes eram centros, equipados com 180 camas gerais contra 109 para a maternidade, onde uma cama estava para 1.000 habitantes. Mas em 2012 o posto foi substituído por um hospital rural, contudo o número das camas reduziu para 175, correspondendo a -2.3 % (INE, 2013, p. 24).

No que diz respeito às principais actividades económicas, o trabalho migratório parece continuar sendo umas das principais actividades e um dos factores da abstenção eleitoral. Para (Liesegang, 2012, p. 15) já no período colonial, o trabalho migratório para a África do Sul tinha um peso muito significativo na economia deste distrito, tal como nos finais de séc. XIX. Mais adiante citando Lima (1970) o autor diz que já nos anos de 1950 esta região usava o caminho-de-ferro, construído por volta de 1910 para o escoamento de amendoim cultivado nesta zona arenosa e a madeira das serrações de Messassa e outras espécies da zona dos Macuácua.

O único produto introduzido com sucesso foi a castanha de caju, dado que a cultura do arroz fracassou. A comercialização do cajú arrancou nos anos de 1930, tornando-se no maior pomar cajuícola da província, com capacidade de produzir até 68.000 toneladas por ano. Porém, esta produção tem vindo a decrescer devido à infestação pelo oídio, envelhecimento das árvores e fraco cuidado fitossanitário dos pomares, chegando mesmo a não produzir nada nos últimos três anos, o que contribuiu de certa forma para o encerramento da fábrica de descasque da castanha

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de caju no distrito - a Procaju (PEDD, 2005, p. 14). A mandioca, a mafurra, o feijão nhemba são outros produtos desta região. Mas, por causa das calamidades naturais, tais como cheias e secas, o distrito torna-se vulnerável à fome, o que agudiza a pobreza no distrito.

Portanto, apesar das melhorias registadas, o distrito ainda carece de serviços básicos, tais como acesso à água, luz, transporte, educação, bem como a banca, comunicação de massas, acesso à informação entre outros, factores importantes para uma democracia estável. Mas nem sempre Manjacaze foi de todos o pior, pois já foi a circunscrição mais escolarizada do país, embora passasse para a segunda menos alfabetizada da província em 1997. Factores como, o encerramento da empresa do descasque do caju, as tentativas falhadas da cultura do arroz, a redução da exportação de alguns produtos, a vulnerabilidade às condições climáticas contribuem para a fome e pobreza no distrito. Vamos, de agora em diante passar a olhar para a história política deste distrito.

3.2. Origem e História Política de Manjacaze

As invasões Nguni ou Anguni ao Império de Gaza12 estão associadas ao nome de Mandlakazi ou Manjacaze. Comummente alia-se a origem deste nome à vitória de Mudungaz ou Ngungunhane sobre o Rei Xope na luta pela dominação da região dos Cambane e Xope, por volta do século XIX, dando ao distrito o nome de “mandla yangazi” que significa “mãos de sangue”, isto porque o povo desta região resistiu à dominação de Ngungunhane, mesmo sofrendo várias baixas.

Contudo, mesmo antes de Ngungunhane ser rei, há hipóteses de Manjakaze já ser uma capital, mas de carácter migrante, e só ter-se tornado fixa neste local, durante o reinado de Ngungunhane (Liesegang, 2012, p. 19; Rita-Ferreira, 1982, p. 186), tendo durado até à data de sua captura por Mouzinho de Albuquerque em Chaimite, a 28 de Dezembro de 1895 e levado para Açores onde veio a perder a vida em 1906.

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Teve três capitais, a primeira em Mussorize (Manica), a segunda foi fixada em 1839 na região de Tchaimity ou Chaimite, no vale do Limpopo e por fim em Manjakaze em 1884.

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Mas também é neste distrito que mais tarde nasce Eduardo Chivambo Mandlane, 20 de Junho de 1920. Considerado o arquitecto da unidade nacional e fundador da Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, tornou-se no primeiro presidente do movimento até a data de sua morte, a 03 de Fevereiro de 1969, na explosão de uma encomenda bomba.

Sucede-o Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique independente, que morre em 1986, vítima de acidente de aviação, sucedido por Joaquim Chissano. Quer Mondlane quer Samora e Chissano são oriundos de Gaza, concretamente de Manjacaze, Choqwé e Chibuto, respectivamente, o que faz com que esta província seja por alguns considerada como “Terra de

Heróis”.

O facto de Ngungunhane ter fixado a capital do seu reino e mais tarde ter nascido parte das lideranças do partido Frelimo, pode de certa forma contribuir para que Gaza no geral e Manjacaze em particular tenham um sentimento de pertença ao partido no poder, sendo frequente ouvir pessoas mais velhas do distrito dizerem que eles não se sentem parte integrante da Frelimo, mas sim eles “são a própria Frelimo”.

Depois da independência de Moçambique à 25 de Junho de 1975, a FRELIMO assumiu o poder e Samora Machel tornou-se no primeiro presidente negro do país, dirigindo um Partido-Estado que viria a se denominar “marxista-leninista” (Macagno, 2009). Mas, se é verdade que nos primeiros anos ninguém duvidava da legitimidade do poder dos dirigentes da Frelimo, cuja integridade e força moral e política impressionavam e seduziam os observadores, também não é menos verdade que esta construção da nação moderna nos moldes autoritários de negação de existência social das sociedades tradicionais e, feita de topo para a base, não tinha pernas para andar, porque era nada mais que a continuação da nação capitalista colonial, que tanto fora combatida e negada (Geffray, 1991, p. 14). Aliás, tal como diz Fry, 2005 citado por Macagno (2009, p. 21):

“...do ponto de vista estrutural, havia pouca diferença entre um estado capitalista autoritário, governado por um pequeno grupo de portugueses “esclarecidos” e de “assimilados”, e um estado socialista autoritário, governado por um partido de vanguarda igualmente diminuto e igualmente esclarecido”.

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Este grupo diminuto e esclarecido o qual Fry refere-se, e que podemos chamar de elites da FRELIMO, era maioritariamente composta por pessoas oriundas do sul de Moçambique que, de uma forma geral não se identificavam com as estruturas tradicionais e eram diferentes dos camponeses do Centro e Norte do país. Isto porque, contrariamente a estes últimos, estes tinham relativamente prosperado graças as rendas provenientes da cultura do algodão e sobretudo, das que provinham dos mineiros moçambicanos na África do Sul.

São estes que de acordo com Brito (2010, p. 18), fora a adição dos três movimentos, os intelectuais e assimilados [do sul], vão ocupar cargos de direcção e os jovens de origem camponesa do centro e norte vão formar o grosso do exército da FRELIMO. E enfatizar a fusão dos três movimentos, era muito importante para este grupo se for entendido tal como o autor explica:

“...numa perspectiva de legitimação política e social: ao apresentar-se dessa maneira, a FRELIMO apropria-se ao mesmo tempo da „representação parcial‟ de cada um dos „movimentos‟ e aparece como o movimento da „unidade nacional‟. Não só isso lhe permite reivindicar-se como representante de todo o „povo moçambicano‟, como afirmar-se como depositária da legitimidade

nacional, por oposição ao„regionalismo‟ daqueles movimentos”.

Esta situação pode ter contribuído para o reforço dos antagonismos que, em parte, estariam por detrás da criação de uma base de apoio da RENAMO contra a visão da FRELIMO, facto que culminou em 1984 com a quase totalidade do território rural moçambicano no controle das forças da RENAMO e o país mergulhado na fome, miséria, pobreza e nudez (Chichava, 2007; Macagno, 2009).

Assim, supõem-se que é nas populações com ligações ao Estado e à FRELIMO que a RENAMO semeava terror, como forma de demonstrar que o poder que eles apoiavam era fraco e que o exército que os deveria proteger era incapaz. O mesmo pode ter acontecido em Manjacaze, onde ainda hoje há pessoas que contam a “crueldade” do ataque do dia 10 de Agosto de 1987, um ano depois do massacre de Homoíne, mostrando as ruínas das infra-estruturas destruídas e valas comuns, num total de três, duas das quais na vila e uma em Chidenguele, ao longo da estrada Nacional nº 1 como testemunho, o que pode ter feito com que esta região até hoje seja relativamente hostil à oposição, tal como evidenciam os dados colhidos no terreno.

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22 Vala comum do ataque do dia 10 de Agosto de 1987, situada na Vila Sede de Manjacaze.

Com o fim da guerra, introduz-se a nova Constituição em 1990, assinam-se os Acordos Gerais de Paz (AGP) ao 04 de Outubro de 1992 em Roma e, em 1994 realizam-se as primeiras eleições multipartidárias, marcando assim uma nova fase na vida política do país. No entanto, Moçambique como outros países da África subsaariana que alcançaram suas independências na Terceira Onda de Democratização, vem realizando eleições regularmente, mas em quase todas elas a abstenção participa com maior percentagem dos votos (Diamond, 1996; Geffray, 1991; Lourenço, 1998, p. 83), o que coloca um problema de legitimidade nas instituições e nos resultados daí resultantes, como veremos nos capítulos posteriores.

Em Manjacaze, a abstenção tem evoluído significativamente, o que, por hipótese, está associado à percepção dos eleitores sobre a inutilidade do seu voto, dado que, apesar da victoria da Frelimo em todos processos eleitorias, não se têm registado melhorias significativas na vida dos cidadãos eleitores de Manjacaze. Nesta perspectiva, antes de manter o foco nos factores da abstenção, importa analisar o que contribuiu para a prevalência do forte engajamento dos cidadãos de Manjacaze para com a Frelimo, não obstante a precariedade das condições de vida do distrito.

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3.3 Hegemonia da Frelimo em Manjacaze

Embora o nível de participação eleitoral em Manjacaze não se distancie muito do nacional, neste distrito há peculiaridades no que tange à forma como é feita a redistribuição dos votos. Contrariamente ao nível nacional, aqui o partido no poder recebe mais de 80%, enquanto toda oposição obtêm resultados muito abaixo do nível dos votos considerados inválidos, o que devido à forte intolerância não se pode descartar a hipótese de serem invalidados intencionalmente.

O gráfico abaixo mostra a forma como os eleitores do distrito de Manjacaze tem distribuído os seus votos ao longo das eleições gerais:

Gráfico 1: Distribuíção dos votos válidos no distrito de Manjacaze

0 10,000 20,000 30,000 40,000 50,000 1994 1999 2004 2009 2014 Frelimo Renamo Outros

Fonte: Adaptado com base nos resultados do CC, CNE/STAE e Cartografia Eleitoral.

A disposição dos votos evidencia uma Frelimo hegemónica em todos pleitos eleitorais, com resultados sempre acima dos 80%, e a Renamo e os outros partidos da oposição, com participação sempre marginal.

Os primeiros dois escrutínios foram os mais competitivos, com Joaquim Chissano e Afonso Dhakama como principais candidatos à presidência. Em 1994 a Frelimo obteve 80%, contra 3% da Renamo e 17% distribuído entre outros partidos da oposição. Em 1999, a Frelimo subiu para 85%, a Renamo aumentou para 5% e os outros reduziram para os 10%.

Em 2004, com a entrada de Armando Guebuza, apesar dos altos níveis de abstenção eleitoral (64%), a Frelimo conseguiu 92% dos votos, contra os 3% da Renamo e dos outros partidos

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juntos, que não passaram dos 5%. Este desempenho da Frelimo melhorou em 2009, quando arrecadou 96% dos votos, deixando 2% para a Renamo e 2% para os outros partidos da oposição.

Para o último escrutínio, embora tenha perdido 4% dos seus votos, manteve sua hegemonia estável, com 92% contra 4% da Renamo e 4% dos outros partidos, incluindo o MDM, que é actualmente a terceira maior força política em Moçambique.

3.3.1 Guerra como factor explicativo?

A guerra que assolou o país entre 1976 à 1992 deixou marcas profundas em quase todo o país. Mais do que agressão estrangeira, foi a maneira como a Frelimo pensou a nação moçambicana em moldes desenvolvimentistas, isto é, a negação da existência social das populações rurais, a construção do homem novo e o projecto das aldeias comunais que alimentaram a guerra, que permitiu que a guerra se alastrasse por quase todo país (Geffray, 1991).

É que os novos dirigentes, no auge da luta pela independência não foram capazes de perceber o “mal-entendido” que se instalava entre eles e as populações rurais. Estes últimos aclamavam-nos enquanto libertadores contra o colonialismo português e não como seus legítimos representantes. Senão vejamos, nos primeiros anos aderem massivamente ao projecto do novo poder mas, como com a implantação do Estado pós-colonial, rapidamente nota-se um súbito recrudescimento da luta dos representantes do novo poder contra as autoridades sociais e linhagísticas locais o que mudou o cenário pois, o que eles não sabiam é que estas autoridades “... representavam para as populações rurais qualquer coisa de muito diferente dos agentes do poder colonial e que a sua autoridade não

provinha essencialmente das funções que os portugueses lhes teriam eventualmente atribuído” (idem). Era algo anterior e provinha dos seus ancestrais comuns, daí que a manutenção do seu prestígio político e social“...não provinha só da sua riqueza ou poder económico, mas igualmente, do respeito, da obediência às ordens pelos seus súbditos, e, acima de tudo, da ideia mítica de que a «nação» vive por ele, como o corpo vive da cabeça” Junod (1944 citado por Lourenço, 1998, p. 83). Por isso que para estas populações recusar os seus líderes linhagísticos era o mesmo que negar a sua existência social e tudo que isso envolvia.

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O poder colonial apercebeu-se muito cedo disso e no sul do país, particularmente em Manjacaze, os chefes tradicionais estavam integrados na hierarquia político-administrativa como chefes de povoação, chefes de terras e régulos, subordinados aos comandantes militares, e por último, ao Governador, estes últimos impostos pelo poder colonial (idem). Garantia-se assim, simultaneamente a sobrevivência, prestígio e poder dos chefes perante seus súbditos, através de benesses e remuneração e, com a ajuda destes o governo colonial conseguia exercer o seu poder formal perante a população colonizada, facto que não aconteceu com o novo poder, embora estes, na tentativa de adaptar-se, tenham se tornado elo de ligação entre o poder formal e as populações rurais, mas sem o mesmo prestígio.

É junto destes líderes renegados que a RENAMO vai buscar apoio para tentar implantar-se nas várias regiões do país. A RENAMO, que já tinha um controle territorial considerável, não trouxe novidade quanto à sua administração, visto que optou por agir de forma similar à máquina colonial, respeitando os líderes linhagísticos sem deixar de lado o modelo da hierarquia administrativa da FRELIMO. Porém este mimetismo não foi eficaz visto que as “... tais estruturas estavam completamente privadas de meios: a RENAMO operava em condições que faziam com que as áreas do

governo parecessem prósperas (...) pouco tinha a oferecer em termos de benefícios materiais...” (Chichava, 2009, p. 97). Na verdade este controlava apenas o território, sobretudo a área rural, mas não o Estado, factor crucial para manter os chefes locais aliados à eles.

Concretamente em Manjacaze, a implantação da Renamo é resultado da destruição da base de Gorongosa pelas forças governamentais, o que dispersou as tropas para o sul. Estes chegaram ao distrito em 1982 e criaram a base de Macuácua. Para tal, foi preponderante o apoio do régulo Fumane, que mediante a promessa de restituição do poder retirado pelo governo da FRELIMO, aliou-se à Renamo, passando a população a trabalhar para eles de forma rotativa (Muianga, 1995, p. 60). Mas esta não foi a única base, pois mais tarde montaram a base de Guambene e Nhanale, o que intensificou os ataques não só nas zonas rurais, mas também na vila sede como demonstra a citação abaixo:

“...de repente hoje vinham os homens de Macuácua atacam, quando voltávamos dia seguinte, de madrugada estavam a entrar os homens de Guambe (...) e a outra base era aqui em Chibuto, no Nhanale. Então está imaginar o que acontecia aqui?... a forma como atacavam aqui era diferente dos outros sítios... aqui eram cruéis (...) qualquer homem ou mulher era usado para carregar o que roubavam nas lojas antes de queimarem... se reclamassem (...) diziam „pelo menos não vais

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morrer de doença‟ e era morto...” (Entrevista Senhora T., Vila Manjacaze, 09 de Outubro de 2014).

Importa realçar que, se por um lado o exército actuava mais nas zonas rurais, como forma de obrigar a população dispersa para aderir ao projecto das aldeias comunais,por outro a Renamo intensificava seus ataques às cidades para obrigar a população à regressar ao campo, sua principal fonte de manuntenção. Ambos lutavam para controlar o povo. Assim muitos fugiam para a vila ou para grandes cidades, procurando proteção governamental, acreditando que lá estariam protegidos, o que mostrou-se insustentável porque “... lá também era terrível, pior o [ataque] de dia 10 ou 12 de Agosto, este foi pior de todos...” (Entrevista, Senhor V., Macuacua, 11 de Outubro de 2014).

Todavia, para a maioria da população aqui sofreu-se mais do que em outros locais, por ser o berço das lideranças da Frelimo. É por conta desse sofrimento que eles reiteram seu apoio a este partido, que no tempo da guerra lutou em seu favor, bem como a repulsa em relação à RENAMO e tudo que é visto como oposição ao partido no poder, facto que intensifica a intolerância à presença de sedes, membros, simpatizantes e qualquer material de outros partidos“...todos aqui somos a Frelimo, somos a Frelimo nós (...) não entra mais ninguém aqui, só Frelimo (...) Nós vamos as casas e

todos já sabem como votar e em quem votar, Filipe Jacinto Nyussi, nosso candidato (...)” (idem). Aliás, a figura abaixo pode demonstrar:

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As condições de pobreza da maioria da população, o analfabetismo, a falta de informação entre outros fazem com que os líderes locais sejam os principais vectores de informação. Porém, provavelmente devido à sua cor partidária sejam susceptíveis de influenciar o voto à favor do partido no poder, o que pode reduzir o interesse em outros partidos, como evidência o trecho à seguir “ aqui no campo só fomos apresentados único presidente que é da Frelimo, os outros nem falam deles e não são apresentados e fica difícil porque eles [população] não tem acesso à informação” (Entrevista Homem, 22 anos, 14 de Marco de 2015). Esta falta de informação em parte beneficia o partido no poder, que acaba sendo eleito por uma população que vota mesmo sem saber o que está a escolher: “... não os conheço, eles é que sabem, mesmo para votarmos o secretário é que nos leva lá, não sabemos nada nós (Entrevista Senhora, 29 anos, Vila Manjacaze, 16 de Marco de 2015).

Assim, a nova realidade política do país, isto é, o multipartidarismo, parece ainda não se fazer sentir para os mais velhos. Segundo nossa entrevistada “( ...) para o multipartidarismo entrar aqui, só depois da nossa geração que viveu a guerra de verdade morrer, só assim porque eu nunca vou votar nesses (...) mesmo que o projecto seja reconstruir a cidade para que as crianças não saibam o que passamos de verdade...” (Entrevista Senhora T., Vila Manjacaze, 09 de Outubro de 2014). Este sentimento de pertença, carregado dum simbolismo histórico e político não é só partilhado entre a população mais velha, mas é transmitido pelas lideranças do partido no poder para os mais novos e confirmado pelos destroços ao longo do distrito.

Por isso, para o nosso entrevistado de Macuácua, é este santuário sagrado que dá o poder dos heróis aos candidatos eleitos, daí que tinha a certeza que seria o primeiro local que Nyusi visitaria“ (...) sempre há-de vir ser baptizado pelo poder que Gaza tem com seus heróis (...) desde Ngungunhane (...) aqui somos nós que damos poder, mesmo Guebuza veio aqui (...) agradecer-nos pessoalmente. Nunca nos

esquecem, porque sabem que esta terra contribuiu para libertar nosso país” (Entrevista Senhor V., Macuacua, 11 de Outubro de 2014) facto este confirmado posteriormente13.

Mas, não se pode assumir a guerra como único factor capaz de explicar o forte engajamento à favor da Frelimo, mas esta deve ser compreendida dentro de um contexto específico, o path

dependent ou dependence. Segundo esta perspectiva, as forças activas não produzem os mesmos

resultados em todos lugares, mas são alteradas pelas propriedades de cada contexto local, o que acaba criando uma desigualdade na divisão do poder pelos diferentes grupos sociais e políticos.

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http://ambicanos.blogspot.com/2015/04/Filipe-Nyusi-inicia-presidencia-aberta.html. (Moçambique Terra Queimada). Acedido ao 10 de Dezembro de 2015, 13:55h.

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Por isso, quando aliado à interesses políticos, garantir a manutenção destas propriedades herdadas no passado torna-se fundamental pois, o seu abandono envolveria um risco eleitoral ao grupo privilegiado (Hall e Taylor, 2003, p. 201).

Por isso, para Manjacaze, manter vivas as lembranças da guerra, através dos vários vestígios, como as ruínas, valas comuns, transmissão das histórias de guerra aos mais novos e, justificar a pobreza, o desemprego, as baixas taxas de alfabetização, o fraco acesso à informação, a falta de hospitais, através da guerra permite isentar o partido no poder de suas reais responsabilidades e reduzir as possibilidades de sanções eleitorais.

Ruínas da guerra em plena av. S. Machel. Salas de aulas de uma escola na Vila.

Assim, parece que há mais benefícios eleitorais ao partido no poder usar a guerra como capital político, divulgada para uma população maioritariamente pouco alfabetizada e dependente das lideranças locais, e com pouca capacidade de influenciar a incrementação dos pré-requisitos da democracia. Enquanto isto não acontece, a história da guerra continuará a ser um “calcanhar de

Aquiles” para toda a oposição, neste distrito que prefere votar na abstenção a pensar numa

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