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VOLUME V – TOMO XV

CAPÍTULO 3 CONCEITOS DE GUERRA

3.2. TIPOLOGIAS BÉLICAS

3.2.3. Guerra contra os infiéis

Faz-se necessário aqui ressaltar uma distinção entre aquelas guerras travadas entre cristãos e aquelas travadas contra os “Infiéis”.

338 VIEIRA, A. Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão da

Exortação Primeira: Em véspera do Espírito Santo: Pregado na Capela interior do Colégio. Vol. II; tomo V, p. 387. Sermão de número 66 da tabela.

339 VIEIRA, A. Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão do Espírito

Santo: Pregado na cidade de São Luís do Maranhão, na igreja da Companhia de Jesus, em ocasião que partia ao rio das Amazonas uma grande missão dos mesmos religiosos. Vol. II, tomo V, p. 409. Sermão de número 67 da tabela.

340 Ibid, p. 409. 341 Ibid, p. 409.

Uma vez que “a lei de guerra aplicava-se com todo o rigor, exclusivamente aos povos pagãos, por exemplo, na escravidão dos prisioneiros de guerra, vedada para prisioneiros cristãos”342. Portanto, a classificação do inimigo como “infiel” ou cristão provou não ser um mero detalhe, pois acarretava grandes conseqüências. Compreender o que esta distinção representava é importante para entender um pouco mais sobre a “mentalidade” medieval343. Afinal, neste cenário de forte intolerância religiosa, que caracterizou a Idade Média, o “Infiel” passou a ser um inimigo desejado344. Para a Igreja medieval, os “outros”, ou seja, aqueles que não eram cristãos, caiam em uma categoria judicial diferente. “Contra o herege, o infiel e os pagãos”, “não existia a necessidade de ser previamente atacado pelo inimigo”345. Na realidade, o “infiel” representava Satanás enquanto os cristãos representavam Deus, em uma batalha celestial que tinha expressão na terra. Por isso é importante notar que a guerra contra o infiel era sempre envolta e vestida por tecidos religiosos. Contudo, esta esta concepção dita medieval irá extrapolar os limites da periodização estando presente

342 HÖFFNER, J. Colonização e Evangelho: ética da colonização espanhola no

século de ouro. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Presença Edições, 1977, p. 64.

343 ALBURQUEQUE, R. As represálias: estudo de história do direito português

(sécs. XV-XVI). Vol. I. Lisboa: Ed. do A., 1972, p. 108. “Por último, a regra de início formulada, recebia nova forma com a exclusão da servidão nas guerras entre cristãos. Era o receituário tradicional – porquanto também Bártolo, Aretinus e Francisco Arias estabeleceram essas delimitações com maior ou menos clareza e amplitude, como o fariam Cabedo e Bento Gil tendo este último apresentado igualmente uma noção de guerra pública nos moldes tradicionais e o comum da doutrina”.

344 HÖFFNER, Op. Cit., 1977, p. 58. Ressalta-se que “Tomás de Vio Caetano

(1469-1534) foi o primeiro a usar uma nova divisão, muito repetida no século XVI, graças ao seu aspeto de formulação atualizada. Caetano resume os infiéis em três categorias: pagãos, judeus e hereges. E explica: um primeiro grupo de infiéis está, de direito e de fato, sujeito aos príncipes cristãos, tais os judeus, hereges e mouros. ‘Igreja e Estado podem promulgar leis contra eles, em benefício do nome cristão ou para piedosas finalidades.’ Outros infiéis deveriam, por direito, estar sob o domínio cristão, mas de fato, são independentes, assim os infiéis em territórios outroura cristãos e perdidos atualmente. ‘Esses não são apenas infiéis, mas inimigos dos cristãos.’ O terceiro grupo não nos está subordinado, nem de direito, nem de fato: os aborígines de países que nunca fizeram parte do Império Romano. ‘Nenhum rei, nenhum imperador e nem mesmo a Igreja romana podem fazer guerra contra eles”.

também nos discursos da modernidades, como os do Padre António Vieira, por exemplo.

Importante notar também que se usou aqui a expressão “infiel”. A escolha da palavra foi proposital, sendo o objetivo o de mostrar exatamente a intolerância recíproca que existia entre cristãos e muçulmanos. O termo foi bastante utilizado nos documentos e fontes da Cristandade medieval para assinalar não só muçulmanos como também hereges, pagãos e às vezes judeus. Exatamente pelo termo abarcar conotações políticas e jurídicas, para além das religiosas, se optou por utilizá-lo assim como ele se encontra em seu contexto original. Portanto, ao fazer uso da palavra infiel, pretende-se primeiramente referir-se ao muçulmano, partindo das fontes escritas pelos cristãos da Idade Média. Toda a intolerância e preconceito embutida neste termo serão mantidas a fim de expô-las e não de as condenarem ou aprová-las.

Neste sentido, quando se encontram nos documentos referências às guerras contra os infiéis, sabe-se que estas representavam mais do que domínio de forças. As guerras contra os infiéis, principalmente contra os da fé islâmica, despertavam na imaginação medieval uma série de simbologia religiosa346. Assim, eles, os infiéis, formavam o inimigo por excelência, por assim dizer, o maior de todos a serem combatidos de forma implacável. Contra os infiéis tudo era permitido, e ilimitado.

Fazendo uso dessa classificação, Papa Urbano VI categoriza o “Mourro d Ultrra Mar” em um relato extraído Crónica dos Sete Primeiros Reis347, onde o herdeiro de São Pedro pede o auxílio do rei D. Afonso III (1248-1279) contra os “comtra os dictos jnfieys”. O monarca português vivia em confilito constante contra os contigentes muçulmanos pelo controle da Península Ibérica, e seu sucesso militar em “persegujr a terra d Afriqua com gramde frota de naujos, fazemdolhe gram dapno e estraguo” gerou comoção na cristandade. A “fama de seus boms feytos” chegou aos ouvidos do Papa, que imediatamente pediu que seus ministros levassem uma proposta a D. Afonso III. Se o monarca português aceitasse “tomar a Cruz de Jesu Christo” contra os infiéis, formando uma aliança militar, o Papa lhe concederia “remjsão de seus pecados”. Afonso III aceitou a proposta, afinal, como bom cristão o rei deveria impedir os muçulmanos “que tinham a Casa Santa em doesto da fee Christãa”. Contudo, o monarca

346 Igualmente, os inimigos da fé protestante, pejorativamente chamados de

hereges irão desencadear sentimentos similares aos católicos durante o período colonial.

impôs uma condicional a de que “elRey de França per pesoa pasase o mar” com ele contra os infiéis. As guerras contra os infiéis possuíam conotações jurídicas e religiosas que se diferenciavam em muito de outras classificações bélicas. Neste caso específico, vemos o envolvimento da Sua Santidade e a troca de remissões de pecados por alianças militares.

Séculos adiante, veremos a ampliação do conceito de infiel aplicado aos protestantes e escravos oriundos das diversas conquistas lusitanas. Esta aplicação, ou apropriação, vai de encontro às concepções da longa duração, onde permanências herdadas, que partem de uma visão cosmológica medieval, estruturam novos elementos conforme seu surgimento histórico.

Com efeito, imbuído ao patriotismo lusitano e no “ser portguês”, estava implícito o brio de uma luta transcendente contra os inimigos do Catolicismo, os infiéis, tal como comprovava a própria história do Reino. O “ser português” não só partia deste orgulho, como também deste dever de luta. Os escritos vieirianos nos dá pistas desta longa tradição, desta herança medieval, e reporta:

E tal é, e foi sempre desde o nascimento de Portugal em reino, a antipatia dos seus reis, e antes de terem este título, dos que Deus ia preparando para o serem; porque já então tinha semeado e infundido neles esta natural aversão e sobrenaturais espíritos contra Mouros e Turcos como de homens contra homens, mas como de cristãos e professores da fé e lei divina, contra a canalha brurtal dos infames seguidores da ímpia e blasfema cegueira maometana348.

348 VIEIRA, A. Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Discurso

Apologético: Oferecido secretamente à rainha nossa senhora para alívio das suas saudades, depois do falecimento do príncipe D. João, primogênito de SS. Majestade. Vol. V, tomo XV, p. 72. Sermão de número 198 da tabela. Completa o texto: “Foi concebido o reino de Portugal, antes de o ser no conde D. Henrique; e estando ainda em embrião, já estava animado com os espíritos da conquista de Jerusalém, para onde Henrique caminhava desde França, para onde foi de Portugal por general do socorro que el-rei D. Afonso de Leão seu sogro mandou ao papa Urbano II, pelo qual foi eleito em um dos doze capitãos em que se repartiu o peso de todas as armas católicas. Nasceu o mesmo reino nos Campos de Ourique entre os braços armados de el-rei D. Afonso o primeiro, e ali com tantos impulsos dos mesmos espíritos, como se viu na prodigiosa vitória contra os imensos exércitos dos cinco reis mouros. Tornou Miramolim a

inundar o reino com quatrocentos mil cavalos, e quinhentos mil infantes contra el-rei D. Sancho I , que também foram desbaratados, repartindo.se a vitória entre a espada de Deus e a de Sancho, o qual não contente de ter vencido a Mafoma em Portugal, o mandou vencer fora do reino pelo seu mestre de Avis na batalha de Alarcos. Contra D. Afonso II se aquartelaram em Elvas com numerosos exércitos os dous reis mouros de Sevilha e Xaém; porém com os espíritos do primeiro Afonso, que viviam no valeroso neto, ele não só venceu em batalha campal aos dous reis mouros; mas entrando com as armas vencedoras por suas próprias terras, pôs a ferro e a fogo toda Andaluzia. El-rei D. Sancho II, posto que infamado de pouco cuidadoso, não se descuidou daquela obrigação, que nos reis portugueses parece maior ainda que a de cuidar dos vassalos; e fez tal guerra aos Mouros, que recuperou de sua tirania o reino dos Algarves. Tornaram sobre ele as armas da Mourama, e logo viram sobre si a el-rei D. Afonso III, que não só as desalojou dali, e das relíquias que ainda conservavam em alguns lugares de Portugal, mas os foi conquistando nas suas fronteiras, em que lhe ganhou vilas e castelos. El-rei D. Dinis, posto que ocupado em pacificar as outras coroas de Espanha, e também a sua, ajudou poderosamente a el-rei D. Fernando de Castela na intentada conquista contra os Mouros de Granada. Em socorro destes passou el-rei de Marrocos com as forças de toda África, reinando já em Portugal D. Afonso IV, o qual em pessoa marchou logo a Sevilha, onde duvidando-se da batalha pela multidão imensa dos bárbaros, ele só a aconselhou, e foi o primeiro que a venceu. Em el-rei D. Pedro e D. Fernando parece que estiveram um pouco adormecidos estes espíritos, por não haver já mouros que conquistar ao perto; mas ressucitaram tão ardentes e generosos em el-rei D. João o I, que indo-os buscar em África, lhe tirou das mãos em um dia, e sujeitou à sua coroa a famosa cidade de Ceuta. Sustentou-a poderosamente el-rei D. Duarte; e logo el-rei D Afonso V, chamado o Africano, tendo já tomado Alcácer aos Mouros, com maior e mais arriscado empenho se fez senhor de Tânger.

Prosseguiu as mesmas empresas el-rei D. João o II por mar e por terra, ganhando praças interiores, e fundando fortalezas; e pondo já os pés sobre o mar para passar a África em pessoa, bastou a fama desta resolução para conseguir o fim dela. El-rei D. Manuel conquistou muitas cidades africanas, e fez tributárias outras, mas com os olhos em Jerusalém, e na extinção total da seita maometana, representou por seus embaixadores aos sumos pontífices que se fizesse a guerra ao Turco juntamente por ambos os mares, e que ele tomaria à sua conta toda a do mar Roxo, e para a do Mediterrâneo concorreria com trinta galeões. D. João o III ajudou a guerra de Tunes com a pessoa de seu irmão o infante D. Luís, e competente armada: e posto que não continuou a conquista da Mourama vizinha foi para mais estender, e apertar a remota. El-rei D. Sebastião, solicitado do papa Pio V que casasse em França, prometeu que aceitaria o casamento, se el- rei cristianíssimo lhe desse por dote entrar com ele em liga contra o Turco: finalmente só, e sem sucessor, se embarcou para África, onde provou com a

Estando, pois, concretizada a tarefa de historiar a luta portuguesa contra os infiéis, Vieira conclui que “que este natural e hereditário espírito dos reis portugueses, tão singular entre todos os príncipes cristãos” foi “continuado por mais de quinhentos anos em tantas batalhas contra Maometanos e tão favorecido do Céu em tantas vitórias”, comprovando, portanto, com a própria historiografia do Reino, que tratava-se de “um manifesto sinal de serem eles os destinaos por Deus para últimos vingadores das injúrias de sua igreja e que para sempre tirem do Mundo e acabem este maior perseguidor e tirano da cristandade.”349

No entanto, é importante notar que a amplificação do conceito de infiél e sua aplicação à outros povos de forma general e indiscriminada, não significava que cada uma dessas categorias não acarretassem significados e simbolos próprios, especialmente para o estudado Vieira. O jesuíta estava ciente das diferenças de cada uma das religiões, mas não negava também o que algumas delas tinham em comum.

Entre os judeus e os cristãos-novos, por exemplo, permaneceu um debate importante na modernidade, principalmente nos territórios portugueses, um debate que influenciou muito António Vieira, uma vez

vida, quanto maior era o seu zelo de conquistar aqueles inimigos da Fé, que todos os outros respeitos.

Nesta morte se sepultaram com o Reino as empresas africanas: mas assim como o Reino ressuscitou na restituição de el-rei D. João o IV, assim nele renasceram também os mesmos espíritos: porque no meio de tantas guerra poupava e ia fazendo tesouro para ter (como comunicou a um seu confidente) com que fabricar armada, e passar contra o Turco. Com estes gloriosos intentos atravessados no peito acabou a vida aquele memorável rei, dos quais porém deixou por herdeiro ao príncipe, hoje rei D. Pedro II nosso senhor, que Deus guarde, tão ardentemente inclinado a esta guerra sagrada, como já se tem começado a ver no socorro que mandou contra o sítio de Orão, e nas duplicadas armadas a sitiar a barra de Argel, e correr e infestar aquelas costas, para que os seus marinheiros e soldados tão práticos do Oceano, as reconheçam e sondem, e as proas de seus galeões se ensinem a entrar as portas, e cortar as ondas do Mediterrâneo, até o tempo meditado de chegar ao cabo dele, e aparecer formidável lá com sua real presença. A mesma ofereceu Sua Majestade para a presente guerra do Turco ao santíssimo e valerosíssimo promotor dela Inocêncio Undécimo nosso senhor, sendo o seu socorro, posto que desigual à grandeza do seu ânimo, o primeiro e mais pronto que apareceu em Roma”.

349 VIEIRA, A. Obras Completas. Sermões, op. cit., 1959. Discurso

Apologético: Oferecido secretamente à rainha nossa senhora para alívio das suas saudades, depois do falecimento do príncipe D. João, primogênito de SS. Majestade. Vol. V, tomo XV, p. 72. Sermão de número 198 da tabela.

que suas posições controversas sobre esta categoria acarretariam, eventualmente, em acusações pela Santa Inquisição350. Porém, no tocante aos judeus, Vieira, em seus discursos, dá pistas de como ele compreendia, ou melhor, englobava estes em sua visão cosmológica. Para ele, quando “Cristo expirou, rasgou-se o véu do Templo, em sinal de que também a Sinagoga expirava, e se acabava a monarquia hebréia”, pois “romperem-se as cortinas dos seus mistérios, e rasgarem-se os véus de seus segredos”, para o jesuíta, este acontecimento era um claro sinal “que de se acabar um império, uma monarquia”351. No entanto, diferentemente dos protestantes, escravos (africanos ou americanos), e dos já mencionados muçulmanos, os judeus para Vieira contabilizava como um inimigo, por assim dizer, mais próximo. Pois este reluzia uma raiz em comum com os cristãos. Na realidade, os cristãos são herdeiros de uma memória hebraica:

Cousa maravilhosa é, que o morgado de Abraão se continuasse sem quebra até Cristo, correndo neste intervalo dous mil e trezentos anos. Não morriam estes homens? Morriam; mas como cada um tinha outro que lhe sucedesse, sendo os herdeiros mortais, fizeram imortal a herança. Sem estes reféns da

350 FRANCO, J. E.;TAVARES, C. C. Jesuítas e Inquisição: cumplicidades e confrontações. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007, p. 34. Algo ainda não mencionado mas que vale ressaltar é a participação da Companhia de Jesus na implantação da Santa Inquisição. Sobre este assunto destaca-se que “Porém, no quadro da mentalidade do tempo e dos jogos de poder e de influência a que a Companhia de Jesus não poderia ser alheia, sob pena de hipotecar sua implantação e afirmação no seio das sociedades católicas, foi, de fato, chamado a colaborar com uma insituição que se tornou cada vez mais dominante na regulação das relações sociais, na nomalização das vivências e manifestações religioso-culturais e na domesticação dos costumes e da mentalidade. Num estudo mais descomprometido ideologicamente, o historiador jesuíta John W. O’Malley dá conta dessa inapagável cumplicidade, salientando que o próprio Inácio de Loyola ofereceu seu apoio a D. João III, a fim de alcançar a desejada confirmação papal para a implantação do Tribunal da Inquisição em Portugal”.

351 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, op. cit., 1959. Sermão do Esposo da

Mãe de Deus S. José: Pregado na Capela Real, em dia dos anos de El-Rei D. João IV. Vol. II, tomo VI, p. 398. Sermão de número 81 na tabela.

mortalidade, se o herdeiro é um só, tão arriscada tem a herança como a vida352

Tanto era verdade que Cristo “representava em sua Pessoa os dous povos, de que o mesmo gênero humano se compunha—o judaico, e o gentílico”, porém, no momento de sua crucificação, “Deus naquela hora deixava e lançava de si o povo judaico, por isso Cristo, enquanto representava o mesmo povo, se lamentava de se ver deixado”353. O tão esperado Messias já estava, mas “os judeus (que agora não cansam) de esperar” 354, negam a Sua vinda. Vieira chega até mesmo a considerar

cristãos os judeus da antiguidade bíblica “Ninguém repare em eu lhes chamar cristãos”, adverte Vieira no “Sermão da Epifania”355.

Já “[o] herege, como inimigo doméstico,(que) das palavras de Cristo forma armas contra o mesmo Cristo”356, eram para Vieira desprezáveis. Este desprezo vem de longa data desde os primórdios da união entre Igreja e Estado357. Os hereges deturpavam, ou distorciam as doutrinas católicas, ao mesmo tempo em que juravam sua fidelidade em

352 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão de Acção de

Graças. Vol. V, tomo XV, p. 177. Sermão de número 199 na tabela.

353 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão do Rosário:

Sermão Primeiro: Com o SS. Sacramento Expsosto. Vol. IV, tomo X, p. 271. Sermão de número 135 da tabela.

354 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, op. cit., 1959. Sermão do Santíssimo

Sacramento: Pregado em Santa Engrácia, no Ano de 1645. Vol. II, tomo VI, p. 89. Sermão de número 72 da tabela.

355 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão da Epifania:

Pregado na Capela Real no Ano de 1662. Vol. I, tomo II, p. 17. Sermão de número 12 da tabela.

356 VIEIRA, Obras Completas. Sermões, Op. Cit., 1959. Sermão do Santíssimo

Sacramento: Pregado em Santa Engrácia, no Ano de 1645. Vol. II, tomo VI, p. 99. Sermão de número 72 da tabela.

357 Cf. HÖFFNER, J. Op. Cit., 1977, p.51: “Os imperadores romanos, tornados

cristãos, trouxeram, cientes ou não cientes, as antigas idéias da onipotência estatal romana, para o seio do “Imperium”, agora tornado cristão. A heresia, considerada crime contra a religião do Estado, passou a ser punida pelos tribunais seculares. Isto vem comprovar cabalmente que a perseguição aos hereges não se fundamentava na fé cristã, mas na estrutura política total e universal da Idade Média. Estruturas parecidas, em todos os tempos, apelarão a medidas semelhantes contra os que discordam em seu modo de pensar, pouco importando em que espécie de cosmovisão se baseie a totalidade. Já explicamos que o papado medieval também alimentava pretensões quanto à estruturação política do ‘Orbis christianus’”.

Cristo. De acordo com Santo Agostinho, até as dissenções dos hereges serviam para firmar a fé católica358. É claro que para Santo Agostinho as circunstâncias eram outras, mas sua teoria têm ressonância com os esforços do Vieira, que sempre buscou provar cabalmente, através do Evangelho, os erros heréticos dos protestantes. No entanto, sua obra sermonística mostra pouca tolerância por parte do pregador para com os