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À guisa de síntese

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1.2 As produções recentes sobre organização dos assentamentos: espaço social de conflitos e

1.2.4 À guisa de síntese

Algumas teses, especialmente as publicadas até a metade dos anos 2000, apresentam os assentamentos como cenários da mudança das relações no meio rural, reforçando o componente da “novidade” histórica, sublinhada pelos primeiros trabalhos especializados na temática. Tentando dar conta dessa perplexidade inicial que foi a da novidade, as teses reforçaram o componente do rompimento, da descontinuidade e da mudança. Enfrentaram a questão do que seriam essas novas unidades, investigadas mediante o uso explícito ou implícito de certos conceitos teóricos, arcabouços conceituais e debates, que lhes permitiram organizar seus dados conduzindo-os em direção a um esforço de caracterização que aglutinou pontos de vista em comum e definiu os próprios limites do campo de investigação sobre assentamentos rurais no Brasil.

Deram conta da perplexidade da novidade na medida em que situaram o universo das práticas sociais no assentamento, em meio às estruturas basilares do processo de reforma agrária, o que significa falar do mapeamento dos principais atores políticos, seus programas e ações. Não obstante, na dialética das pesquisas, em contato permanente com os eventos empíricos, introduziram um novo tipo de perplexidade: a do conflito. É assim que, as teses publicadas na segunda metade da década de 2000 tendem a reforçar as singularidades, as resistências e a multiplicidade das variáveis em disputa, com um olhar mais detido no universo das práticas cotidianas das famílias.

Atingindo certo grau de maturidade, é natural que alguns pontos do debate sobre assentamentos ganhem um caráter mais ou menos consensual, abrindo espaço para novas questões que emergem da dialética do cotidiano desses espaços. Se a tônica da primeira rodada de questões recai nos aspectos estruturais que caracterizam os assentamentos, na segunda rodada os autores buscam privilegiar questões relativamente secundárias, que têm a ver com temas vibrantes na atualidade da agenda política nacional do final da década de 1990. Na tese de Oliveira (2006, p. 119), a autora afirma sobre a questão de gênero e empoderamento no período do acampamento: “tratar de condições de excepcionalidade significa combinar um movimento histórico e privilegiado. Excepcional, no sentido de que as mulheres do acampamento foram assumindo lideranças e conquistando relações de poder, milenarmente assumidas pelos homens”.

Trata-se, portanto, de dois tempos das pesquisas sobre assentamentos – não necessariamente cronológicos – em que há centros de atração motivados por dois tipos de perplexidades. De um lado, a “perplexidade da novidade” conduziu as investigações em direção à caracterização dos assentamentos a partir das bases que deram sustentação à reforma agrária: o perfil ideológico dos atores políticos, quem são os assentados e as formas de organização interna. De outro, a “perplexidade do conflito”, ao mesmo tempo em que atesta o “fracasso” dos grandes projetos, passa a buscar novas possibilidades de emancipação nas entrelinhas da experiência vivida, reforçando, com isso, influências até então pouco

consideradas, como a mídia ou temas comuns à agenda dos movimentos sociais (gênero, agroecologia, identidade).

Percebeu-se que sobre as teses repercutem, mais ou menos, a pauta da política nacional em dois períodos: um primeiro que compreende as questões acumuladas no debate político durante os anos 1960 e 1970, especialmente no que se refere a questão agrária, luta de classe, da pobreza rural; em seguida, o momento em que mudanças da sociedade civil pós- 1988 inspiram temáticas como gênero, juventude, sustentabilidade, etc.

O panorama dessas análises serviu para observar aspectos comuns na abordagem de pesquisas acadêmicas em torno de fatores que conformam um campo analítico da interpretação dos conflitos nos assentamentos. Os pressupostos são de que os assentamentos rurais são, por excelência, um espaço de conflito, na medida em que: a) conta com o antecedente de uma memória de luta; b) reúne famílias com trajetórias de vida diversas, que se entrecruzam e convergem para composição de um modo de vida novo, tecido no contato cotidiano; c) esses contatos são mediados por uma série de significados não-coincidentes, introduzidos por atores sociais externos, portadores de projetos divergentes e, muitas vezes, concorrentes entre si, cuja orientação é “modelar” as relações sociais dentro do assentamento. O conflito é assim resultado da não-coincidência dos significados investidos pelos atores sociais no contato com as diferentes “heranças culturais” que as famílias carregam. A formação do espaço social do assentamento é, desse modo, marcada pelo tensionamento das relações internas em direção à composição de um cenário de “novidades” sociais e políticas tecidas no curso das experiências cotidianas.

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CAPÍTULO II

AÇÃO PÚBLICA, ASSOCIATIVISMO E PARTICIPAÇÃO

O surgimento das políticas públicas e sua institucionalização entre as competências típicas dos Estados-nacionais modernos têm uma estreita relação com o fim do paradigma liberal clássico de acesso e distribuição de oportunidades sociais. As crises cíclicas, pelas quais passou a economia de mercado, implicou em diversos pactos de ação pública para lidar com constrangimentos sociais gerados dentro da própria dinâmica capitalista.

Para se compreender a centralidade que o associativismo tem hoje enquanto principal interface entre setores camponeses e Estado, cumpre, nesta secção, percorrer às seguintes questões: que processos recentes a economia de mercado atravessou para se atualizar em relação às tensões promovidas pela sua própria dinâmica de acumulação/concentração e a pressão pela redistribuição de ativos econômicos? Como essas mudanças se desdobram na constituição de formas de ação pública, resultado do esforço de negociação entre atores públicos e privados? Que preferências se convergem para o associativismo e participação como tecnologia da ação pública?

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