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Mapa 01: Amazônia Legal

16 De 1964 a 2004, no estado do Pará foram assassinados 792 trabalhadores, lideranças sindicais, religiosas e políticas (TRECCANI, no prelo) Segundo o Ministério de Política Fundiária e

1.7 GURUPÁ: O CENTRO ESPACIAL DA PESQUISA

Esta pesquisa poderia ser realizada levando-se em consideração todas as diferentes situações existentes na Amazônia. Se correria o risco, porém, de não vincular-se a uma realidade espacial concreta e se trabalhar em cima de generalidades. Preferiu-se escolher um dos municípios mais antigos do Pará,57para poder servir de base a estudos desenvolvidos ao redor de experiências concretas.

O município de Gurupá situa-se na Microrregião de Portel, no estado do Pará, e Mesorregião do Marajó, área mais popularmente conhecida como “Região das ilhas”. A cidade pouco difere das demais cidades ribeirinhas espalhadas pela Amazônia, que, apesar de ser corredor de passagem utilizado secularmente,

57 Durante anos o forte de Gurupá representou o baluarte erguido pelos portugueses para deter o avanço dos "estrangeiros” ao longo do rio Amazonas: holandeses, ingleses, irlandeses e franceses.

permanecem marcadas pelo isolamento secular e ausência de políticas públicas apropriadas. No seu território, o rio Amazonas se divide para dar origem a dois canais: um em direção ao sul e outro ao norte da ilha de Joanes, a atual Marajó. Em sua passagem por Gurupá, Herdon e Gibbon (1991, p. 396) ficaram impressionados pelo fenômeno da maré apesar da cidade: “[...] se encontrar a quase quinhentas milhas do mar”. Todos os viajantes, antigos e modernos, encantaram-se, ou até assustaram-se com a majestade do rio. Bates (1979, p. 98), que passou por Gurupá em 03 de outubro de 1849, apresenta assim esta região: “O canal formava um braço muito pitoresco, fluindo do sudeste para o nordeste e apresentando nas suas duas extremidades um horizonte composto unicamente de água e céu”.

A região é rica de rios, igarapés que formam um verdadeiro: “[...] tortuoso labirinto de ilhas e canais sem conta [...]”, que desafia a atenção de quem queira elaborar um mapa detalhado da região (LA CONDAIME, 1992, p. 98). Para Herdon e Gibbon (1991, p. 397), o estuário do Amazonas deveria ser chamado de: “Bahia das mil ilhas, já que está dividida em inúmeros canais [...]. Com um vapor se demoraria um ano, trabalhando sem parar, para fazer o mapa hidrográfico do estuário”. No município, existem dezenas de ilhas com diferentes tamanhos: algumas são tão minúsculas que sequer têm nome, outras têm grandes dimensões (a ilha Grande, por exemplo, tem cerca de 400 mil ha). Todas elas são recortadas por igarapés, furos e canais, que formam um verdadeiro labirinto.

Em Gurupá continuam a ser os rios e não as estradas que ditam o ritmo da vida, não tendo conhecido as profundas modificações que aconteceram em muitos outros municípios do Estado a partir de 1960. A sede municipal localiza-se na margem direita do Rio Amazonas, a uma altitude de 20 metros acima do nível do mar nas coordenadas geográficas 1.24' 10'' de latitude sul e 51.38' 45'' de longitude Oeste de Greenwich (FERREIRA, 2003) e dista cerca de 353 km em linha reta de Belém, podendo ser alcançada por via fluvial ou aérea58. Os números relativos ao tempo de viagem, não variam conforme a maré, o tipo de embarcação, mas também ao tempo de espera, pois nem sempre se cumpre os horários. Continua a se repetir hoje o que Giovanni Gallo (1997, p. 25) escreveu a anos: “Viagem é sinônimo de espera. A gente espera a chegada do barco [dizem que ...], a saída dele (sai ao

meio dia, ás duas horas, para as três, desde as três em diante, se deus quiser). Até em Belém, chegando na alta madrugada, precisa esperar,antes de saltar”.

Gurupá faz divisa com cinco municípios do estado do Pará – Almeirim, Porto de Moz, Melgaço, Breves e Afuá e, ao norte, com o município de Mazagão, estado do Amapá. Segundo o IBGE (BRASIL. Instituto, 2005), a sua área total é de 9.309 km². A Tabela 01 apresenta a evolução populacional entre 1970 e 2000.

Tabela 01: Gurupá - Habitantes de 1970 a 2000

Ano Sexo Situação do domicílio

1970 1980 1991 2000 % % % % Total 13.971 100 15.583 100 18.969 100 23.098 100 Urbana 1.291 9,24 2.325 14,92 3.561 18,77 6.593 28,54 Total Rural 12.680 90,76 13.258 85,08 15.408 81,23 16.505 71,46 Total 7.179 100 8.045 100 9.927 100 12.202 100 Urbana 648 9,03 1.168 14,52 1.811 18,24 3.299 27,04 Homens Rural 6.531 90,97 6.877 85,48 8.116 81,76 8.903 72,96 Total 6.792 100 7.538 100 9.042 100 10.896 100,00 Urbana 643 9,47 1.157 15,35 1.750 19,35 3.294 30,23 Mulheres Rural 6.149 90,53 6.381 84,65 7.292 80,65 7.602 69,77 Fonte: Dados do IBGE, adaptados pelo autor.

E, a se comparar os dados dos censos dos últimos 30 anos, se percebe como a população total aumentou passando de 13.971 habitantes em 1970, para 23.098 em 2000. Em 2004, a população alcançou 25.285 habitantes.

1.291 2.325 3.561 6.593 12.680 13.258 15.408 16.505 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000 18.000 1970 1980 1991 2000 Urbana Rural

Gráfico 01: Gurupá - evolução da população urbana e rural em números Fonte: IBGE; pesquisa feita pelo autor.

Diferentemente da média nacional, Gurupá tem mais homens (52,83%) que mulheres (47,17%). A população rural (71,46%) continua muito maior que a urbana (28,54%). Ao longo dos anos, porém esta diferença vem caindo constantemente, como mostra o gráfico abaixo:

90,76 85,08 81,23 71,46 28,54 18,77 14,92 9,24 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 1970 1980 1991 2000 Rural Urbana

Gráfico 02: Gurupá - evolução da população rural e urbana em porcentagem Fonte: IBGE; pesquisa feita pelo autor.

Os dados do IBGE mostram que, só nas mesorregiões do Marajó, nordeste paraense, à sudoeste a população rural mantém sua prevalência em relação á urbana, enquanto nas mesorregiões metropolitana de Belém, o baixo Amazonas, sudeste Óbidos e Santarém, prevalece a urbana.

Tabela 02: Brasil População Urbana e Rural (1970-2000)

1970 1980 1991 2000 % % % Total 93.134.846 100 119.011.052 100 146.825.475 100 169.872.856 100 Urbana 52.097.260 55,94 80.437.327 67,59 110.990.990 75,59 137.925.238 81,19 Brasil Rural 41.037.586 44,06 38.573.725 32,41 35.834.485 24,41 31.947.618 18,81 Total 2.166.998 100 3.403.498 100 4.950.060 100 6.195.965 167 Urbana 1.021.195 47,12 1.666.993 48,98 2.596.388 52,45 4.122.101 66,53 Pará Rural 1.145.803 52,88 1.736.505 51,02 2.353.672 47,55 2.073.864 33,47 Total 13.971 100 15.583 100 18.969 100 23.098 28,54 Urbana 1.291 9,24 2.325 14,92 3.561 18,77 6.593 28,54 Gurupá - PA Rural 12.680 90,76 13.258 85,08 15.408 81,23 16.505 71,46 Fonte: IBGE; pesquisa feita pelo autor.

No que diz respeito às meso e microrregiões, possivelmente devido às grandes mudanças acontecidas nos últimos anos, o IBGE apresenta em seu site só os dados

a partir de 1991 não sendo possível determinar as modificações anteriores. Por isso optou-se para comparar os dados relativos ao processo de urbanização do Brasil, do Pará e de Gurupá. 66,53 81,19 75,59 67,59 55,94 47,12 48,98 52,45 28,54 18,77 14,92 9,24 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 1970 1980 1991 2000

Urbana BR Urbana PA Urbana GUR

Gráfico 03: Brasil, Pará e Gurupá - evolução da população urbana em porcentagem. Fonte: IBGE; pesquisa feita pelo autor.

Nesse período, enquanto no Brasil a população urbana aumentou 145,13, aquela do Pará 141,19, nestas três décadas a população urbana de Gurupá aumentou 308,87%.

Apesar de seu Produto Interno Bruto – PIB ter aumentado entre 1999 e 2002 passando de R$ 31.042,00 para R$ 40.960,00, sua participação no PIB estadual diminuiu de 0,19% para 0,16%. No mesmo período, a renda per capita passou de R$ 1.352,00, para R$ 1.682,00, muito abaixo da renda estadual que passou de R$ 2.710,00 para R$ 3.887,00 (BRASIL. Instituto, 1999-2002). O IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) é 0,631 – alcançando níveis de IDH semelhantes a países como Namíbia (0,627) ou ilhas Salomão (0,632), permanecendo bem abaixo da média do IDH do Brasil (0,777) e até mesmo do estado do Pará (0,723).

Um dos graves problemas que se constata na região é a ausência do Estado nos seus diferentes níveis. A não ser a atuação da prefeitura, que garante as políticas de educação e saúde, não é percebível uma ação concreta de a estas populações. Na cidade a principal atividade econômica é o setor de serviços. A

prefeitura municipal é a principal fonte de empregos (colocar o número de funcionários por secretaria). Em segundo lugar vêm os estabelecimentos comerciais. Esta foi também a constatação do relatório da FASE (FEDERAÇÃO, 2001, p. 38):

O vazio da intervenção do Estado nestas regiões - onde a conservação e manejo sustentável das florestas tropicais e a redução da pobreza são partes constituintes da gestão ambiental para o desenvolvimento local -, contrapõe-se aos Tratados e Convenções internacionais, como a da Biodiversidade Biológica e das Mudanças Climáticas, especialmente na construção e execução de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo que atendam as demandas reprimidas desta sociedade.

A média de anos de estudo no município é de 1,29, enquanto no Brasil gira em torno de 5,8 por habitante. Gurupá dispõe de menos de 1 leito hospitalar para cada mil habitantes59e de apenas 1 médico para cada dez mil habitantes60.

Para Diegues (2002, p. 150): “O clima é do tipo Equatorial com uma pluviosidade anual de 2.000mm. Há um período seco bem marcado que se estende de 1 a 4 meses. A temperatura média é 26°C sendo pe quena a variação da amplitude anual”. Suas características são: amplitude térmica mínima, temperatura média em torno de 27º C, mínima superior a 18º C e máxima de 36º C, umidade elevada e alta pluviosidade nos seis primeiros meses do ano.

Os solos dos municípios são representados pelo latossolo amarelo distrófico textura média e textura argilosa, concrecionários lateríticos indiscriminados textura indiscriminada; glei eutrófico textura argilosa e solos aluviais eutróficos e distróficos textura indiscriminada. A vegetação do município de Gurupá é representada pela Floresta densa de planície aluvial, que se localiza na ilha Grande de Gurupá e demais ilhas. Ainda, há pequenas formações aluviais campestres na ilha de Gurupá. Na porção norte do município, a floresta é do subtipo densa em relevo aplainado. Ainda de acordo com Diegues (2002), também ocorrem florestas de palmáceas, onde predominam os buritizeiros (Mauritia sp. Mart.), nos trechos deprimidos e inundados pela água das chuvas.

A estrutura geológica do município de Gurupá corresponde à mesma da ilha de Marajó. É representada, dominantemente, por sedimentos aluvionares inconsolidados, de idade quaternária, em toda a ilha de Gurupá e congêneres; e restos de sedimentos terciários da Formação Barreiras, localizados ao sul do Município. A acompanhar-se essa estruturação, o relevo é inexpressivo,

59 Note-se que, é quatro o número recomendado pela Organização Mundial de Saúde – OMS. 60 A OMS recomenda dez.

representado, em suas formas, pelos baixos terraços e várzeas, que morfoestruturalmente, se inserem na unidade da Planície Amazônia.

O principal acidente hidrográfico é o rio Amazonas que subdivide em dois grandes canais: o Canal do Norte e o Canal de Gurupá, que circundam a ilha Grande do Gurupá e formam diversas ilhas: Ilha dos Macacos, do Pombo, Urucuricaia, Cujuba, São Salvador, Urutaí, dos Porquinhos e outros menores, e furos como: Urucuricaia, Macacos, Cujuba, Grande Aruãs, do Moura e outros menores. Destacam-se, ainda, o rio Pucumi, o rio Marajó e o rio Camutá, estes na margem direita do Canal do Gurupá, bem como os rios Mojoi, Tauari e Baquiá Preto que nascem na ilha de Gurupá. De topografia inexpressiva e homogênea, o município possui referência de cota na sede municipal, de aproximadamente 20 metros (FASE, 2003).

Mapa 02: Localização geográfica do município de Gurupá no Brasil: Fonte: Fase Gurupá, 2002.

O núcleo urbano parece ter sido atentamente planejado tendo a figura de um xadrez com ruas retas e perpendiculares entre si. Apesar de terem nomes ‘oficiais’ ligados a nomes de homens famosos e santos, o povo continua a chamar as ruas paralelas ao rio com o nome de “primeira”, “segunda”, “terceira” etc. A atual

ocupação desordenada, sobretudo das áreas de periféricas, está fazendo perder à cidade sua configuração original. Nas décadas de quarenta e cinqüenta os principais comércios localizavam-se ao longo da primeira rua, quanto mais as ruas distanciavam-se da beira as ‘casas’ de taipa ou madeira cobertas com telhas de barro davam lugar à barracos cobertos por folhas de palmeiras. A sede municipal não conseguia ser o centro comercial de todo o interior, pois muito dessa atividade era realizada diretamente entre os barracões do interior e as casas aviadoras em Belém. Precisamente, apenas quem morava na zona rural localizada não muito longe da cidade se dirigia à ela de 15 em 15 dias, para o ‘dia do comércio’ ou ‘quinzena’, quando se efetuava as compras necessárias.

No interior, as famílias moram na beira dos igarapés, em casas afastadas entre si de duzentos a trezentos metros. Normalmente, os filhos casados moram perto de seus pais. Apesar disso, não são só as relações de sangue que têm valor, como mostrou Wagley (1957, p. 55):

Conquanto os laços de família freqüentemente constituíam um fator importante para determinar a moradia das pessoas de um bairro e para assegurar a assistência recíproca entre os habitantes, tais bairros não são grupos de famílias, como não são grupos sociais de clã. A residência em comum, a amizade e o “parentesco espiritual” entre padrinho e afiliado constituem vínculos tão fortes quanto os de parentesco real entre esses vizinhos.

A escolha do lugar a ser estudado não foi aleatória, mas por representar um protótipo regional (WAGLEY, 1957, p. 44-45): “[...] por ser Itá61 uma comunidade pobre, sem qualquer indústria ou predicado natural e sem qualquer característica distinta, o estudo dessa aldeia focaliza exatamente o elemento comum a todos

os problemas básicos da região” (grifos de Girolamo D. Treccani). Trata-se, assim,

de analisar uma experiência paradigmática que ajude a interpretar uma realidade que extrapola os estreitos limites de um município, para se tornar referencia para toda uma região.

A população da Amazônia, já na segunda metade da década de quarenta, tinha acesso aos mais modernos meios de comunicação e poderia adquirir artigos industriais produzidos em outros lugares do mundo, mas sua maneira de produzir e seus instrumentos de trabalho pouco diferiam daqueles utilizados pelos aborígines. Sua produção dependia em grande parte da flutuação dos preços estabelecidos no

61 Apesar de Wagley (1957) utilizar sempre a denominação “Itá”, na realidade a descrição que ele faz do lugar nos leva a afirmar com toda segurança que se trata da cidade paraense de Gurupá.

mercado internacional, mas sua técnica de trabalho era ainda primitiva. Segundo Wagley (1957, p. 18), a região podia ser considerada como “[...] retrógrada e subdesenvolvida [...]”, a melhoria das condições de vida não precisaria, porém, de novos avanços tecnológicos, mas sim poderia se dar através da difusão dos conhecimentos técnicos existentes62.

Levantamento realizado pela FASE (FEDERAÇÂO, 2004) mostra que cerca de 57,9% da superfície – em especial a localizada nas ilhas e nas beiras dos inúmeros rios, furos, paranás e igarapés. Nessa área, se faz sentir a influência da maré – está sob a jurisdição da GRPU PA-AP. Este é uma instituição pública subordinada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP, 23,8% ao ITERPA, precisamente as áreas de terra firme. Por sua vez, a rede hidrográfica ocupa 18.3% da superfície de Gurupá.

Como os demais municípios desta microrregião, o começo de sua ocupação por parte dos europeus teve como motor impulsionador o extrativismo de produtos animais e vegetais destinados aos mercados internacionais: cacau (Theobroma

cacao Linné), cravo (Caryophyllus aromaticus), canela (Cinnamomum zeylanicum Breyn), salsa (Petroselinum petroselinum), urucum (Bixa orellana, L. ), baunilha

(VaniIIa fragrans), sementes oleaginosas constituíam as "drogas do sertão", tão procuradas pelos europeus (ROYER, 2003)63. Após este ciclo, que perdurou até a primeira metade do século XIX, a região conheceu um forte declínio econômico devido, entre outros fatores, à desarticulação do sistema econômico e social com a Cabanagem, superado só em meados do século com a exploração da borracha, que teve em Gurupá um dos primeiros pólos produtivos.

Com o aumento da demanda por parte do mercado internacional e da exploração dos seringais do alto e médio Amazonas, cuja produtividade era maior,

62 E, para comprovar a situação de subdesenvolvimento desse município, Wagley (1957) utilizou vários indicadores: densidade demográfica (0,5 habitantes p/km² em 1941), analfabetismo (60%), mortalidade infantil, presença acentuada de vários tipos de doenças (tifo, malária), calorias diárias (2.000, contra as 2.400 necessárias), agricultura ‘primitiva’ (corte e queima). Esta situação impôs a Gurupá uma situação em que tinha menos de ½ % de área utilizada em todo o estado do Pará; também, tinha-se uma ausência de indústrias.

63 De um ponto de vista econômico, o a rentabilidade do comércio das "drogas do sertão", não pode ser comparado às riquezas geradas pelas colônias espanholas: ouro e prata. Mas se os portugueses não tiveram o mesmo êxito econômico, esta procura lhes permitiu, porém, a penetração, o conhecimento e a conquista de uma área imensa do vale amazônico garantindo-lhes a posse de uma área bem maior daquela prevista no Tratado de Tordesilhas. Este fato foi de crucial importância na consolidação do domínio português que foi consagrado no século XVIII pelos Tratados de Madri (1750) e Santo Idelfonso (1777), onde adotou-se o princípio: o “Ut possidetis”, para estabelecer os limites entre as possessões portuguesas e espanholas.

Gurupá voltou a condição de posto fiscal e local de abastecimento de lenha e mercadorias dos navios. O ciclo da borracha, denominado de ciclo do “ouro preto”64 favoreceu a chegada de migrantes nordestinos vítimas da seca que estabelecerem- se na região65sujeitando-se ao sistema do aviamento (ROYER, 2003)66.O fim deste ciclo levou ao surgimento daquela que SE poderia chamar de “agricultura familiar”, que segundo Vieira (2005, i. v.), é baseada na continuidade do extrativismo associado ao plantio de culturas temporárias aumentando a pressão sobre as áreas de várzea.

O atual ciclo econômico começou nos últimos trinta anos, com a instalação na região, de complexos industriais de transformação madeireira, sobretudo as produtoras de compensados e laminados, que tem como suporte capital internacional e nacional e que puderam contar, durante muitos anos, com uma farta concessão de incentivos fiscais (OLIVEIRA, 1991)67. Outros setores econômicos muito importantes no município, e na região inteira, são aqueles ligados à exploração do palmito de açaí (espécie) e às empresas pesqueiras. Desde a década iniciada em 1940, o Brasil é o maior produtor mundial de palmito em conserva. Com a significativa redução da produção dos estados do sul, especialmente de São Paulo e do Paraná, devido à exploração indiscriminada e predatória do palmito, várias empresas voltaram a sua atenção para a exploração dos açaizais amazônicos. Pelas pesquisas de Oliveira (1991), isso ocorreu a partir da década iniciada em 1970, dos que se localizam na região das ilhas.

64 "Prova" do bem estar alcançado graças à época de ouro da borracha são alguns postes de iluminação à gás, importados da Inglaterra, que ornamentam algumas praças da cidade. A borracha que começou a ser exportada pelo porto de Belém em 1827, provinha das áreas vizinhas a Belém e da região das Ilhas. Estas áreas continuaram a manter um lugar de destaque até a manutenção da reserva de navegação fluvial aos navios nacionais movidos a vela, com a entrada de navios estrangeiros movidos a vapor, se permitiu a expansão da coleta até o rio Solimões deslocando para Manaus boa parte dos recursos.

65 A pesquisa preliminar de campo comprova como os moradores das comunidades de Fortaleza e São João do Jaburu, localizadas na região do Itatupã, são descendentes de cearenses que se estabeleceram na região na primeira década do século XX durante o período áureo da borracha. 66 A presença do aviamento nesta área permanece ainda hoje, apesar de apresentar características bastante diferentes, tanto que os comerciantes locais são ainda chamados de "patrões" e os produtores rurais de "fregueses".

67 A exploração da madeira é uma atividade econômica constante no município de Gurupá: desde o tempo dos índios (que a utilizavam para a construção de moradia, canoas, instrumentos de trabalho e demais utensílios de uso doméstico), passando pelos holandeses e portugueses que retiraram toras de várias espécies de madeira nobre para a confecção de móveis até chegar aos dias atuais. Na década de setenta, com a ajuda da SUDAM, várias madeireiras se instalaram na região. Tendo em Breves o pólo regional mais desenvolvido, toda Região das Ilhas continua sendo um dos principais centros exportadores para o mercado mundial.

Também, a pesca sempre foi uma atividade econômica importante neste município. Quando, porém, a partir de 1976, algumas empresas, graças aos incentivos fiscais, conseguiram construir uma frota pesqueira e começaram a avançar rumo ao estuário do rio Amazonas, originou-se um conflito de interesses entre duas modalidades de exploração dos recursos naturais: de um lado a pesca destinada ao autoconsumo das famílias camponesas, e, do outro, as geleiras68 que, usando redes de arrasto, capturam peixes de todos os tamanhos, jogando novamente no rio as espécies que não tem valor comercial ou os peixes pequenos (OLIVEIRA, 1991). Além de devastarem os estoques pesqueiros, as geleiras passavam por cima das redes dos pescadores, rasgando-as. O enfrentamento entre empresas e pescadores artesanais ocasionou a primeira "guerra" pelo controle dos recursos naturais na região69.

Outro conflito foi gerado pelo processo de concentração fundiária ocasionado pela entrada da Madeireira BRUMASA. Esta empresa madeireira, até 1975 já tinha adquirido 233.100 hectares, isto é 68,4% da área total dos imóveis locais cadastrados (OLIVEIRA, 1991, p. 173)70. Este ciclo, por seus desdobramentos disseminados nos dias atuais, será objeto de uma análise mais detalhada no curso do trabalho.

A partir do tempo colonial, a escolha de subordinar a economia amazônica aos interesses portugueses incorporando a região ao processo de expansão do capitalismo mercantil e tornando-a uma colônia de exploração fornecedora de produtos de exportação, demandou a introdução de novos institutos jurídicos. Dentre estes, tem-se o da propriedade particular, que destruiu os usos e costumes indígenas de uso e posse da terra. O enfrentamento entre a maneira tradicional de viver71 e a legislação estatal perdura até os dias de hoje.

68 Embarcações que transportam tanques cheios de pedaços de gelo onde são conservados os peixes e o camarão capturados.

69 Segundo Loureiro (apud Oliveira, 1991, p. 151): "As férteis águas estuarinas converteram-se num espaço econômico e político, onde se enfrentam, em condições desiguais e conflitantes, os pequenos pescadores e a pesca de frota industrial".

70 Em vários países do mundo se assistiu á apropriação das terras comunais que levou á expropriação dos camponeses e a mercantilização da terra. Este processo, que começou na