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CAPITULO II – ELEMENTOS DE HISTÓRIA REGIONAL E DE GURUPÁ

Fotos 01-02: Objetos encontrados em Carrazedo em 2000 e 2003.

Fonte: Royer (2003, p. 339), e arquivo pessoal.

Ao descrever o processo de escravização dos diferentes povos indígenas, Wagley evidenciou como sua falta de unidade e sua grande dispersão espacial dificultaram sobremaneira a conquista do território por parte dos portugueses, mas ao mesmo tempo não permitiram formas de resistência organizada a este avanço ininterrupto dos colonizadores.

Nos séculos XVI e XVII a luta pelo controle do território amazônico envolveu diferentes povos europeus: espanhóis, portugueses, ingleses, holandeses e irlandeses que durante décadas tentaram se apoderar das riquezas existentes na região. Krautler (1997, p. 1) destaca como a luta entre os europeus e os índios foi absolutamente desigual: “Nesta guerra, os índios encontraram-se, desde o início, em desvantagem: arcos e flechas contra armas de fogo”.

Ainda hoje existem dúvidas sobre qual europeu teria chegado primeiro na Amazônia. Reis (1993a, p. 31) afirma que o francês Jean Cousin teria atingido o litoral brasileiro entre o nordeste e o delta do Amazonas ainda em 1488. A segunda expedição européia a alcançar o rio Amazonas aconteceu em janeiro de 1500 e foi chefiada pelo explorador espanhol Vicente Yáñez Pinzón, que tinha sido o capitão da caravela Nina na expedição de Cristóvão Colombo (SANTA ROSA, 1922, p. 68). Impressionado com a imensidão de água do rio, Pinzón o denominou de Santa Maria de la Mar Dulce. Considerando que os espanhóis navegaram cerca de 130-

160 km rio acima, no canal principal atingiram possivelmente o território onde atualmente localiza-se Gurupá. Já nesta expedição os espanhóis capturaram e levaram cativos 36 índios (potiguar). Este episódio mostra como, desde o começo, o contato dos europeus com a região baseou-se no saque de sua gente e suas riquezas.

Algumas décadas mais tarde o espanhol Francisco Orellana75, navegando rio abaixo a partir do Peru, desceu o Coca, o Napo e seguiu pelas águas do Maranon, Solimões e Amazonas, também passou pelo mesmo território, chegando até a foz em 24 de agosto 1542 conseguindo, pela primeira vez, percorrer a Amazônia de oeste a leste. Em seus relatos o cronista da expedição, Frei Gaspar de Carvajal faz referencia a vários combates acontecidos contra os povos indígenas que moravam na região das ilhas do baixo Amazonas. Para Azevedo (1999, p. 214): ”Os exageros da narrativa eram muitos, e, por isso, adequados a exaltar imaginações cobiçosas”. Também a expedição chefiada por Dom Pedro de Ursúa e integrada 370 espanhóis e 2000 nativos andinos que, em julho de 1561, desceu o rio em busca do mítico El Dorado, passou neste lugar.

Os relatos da descoberta do rio Amazonas feitos pelos cronistas da época eram recheados de mitos que se espalharam por toda a Europa: do El Dourado (país onde até os telhados das casas eram de ouro), da lagoa (berço de todos os rios latino-americanos) e das amazonas (mulheres guerreiras)76. A região era

apresentada como um novo paraíso onde: “non ibi aestus, non ibi frigus” (onde não há calor nem frio) e que alguns autores (apud HOORNAERT, 1992, p. 49), consideravam a “terra de São Tomé, onde a humanidade vai renascer na felicidade e na paz”.

Se o rio São Francisco pode ser considerado o rio da “integração nacional” no que diz respeito à região nordeste, o Amazonas o é, a maior razão, na região norte. Segundo Abreu (1883, p. 8):

Estende-se este magnífico caudal dentro do território Brazileiro na extensão de 3.283 kilometros, e a sua superfície é avaliada em cerca de 24.400

75 Conforme o relato de Leal (1991, p. 66) esta expedição contou com: ”[...] trezentos e quarenta soldados espanhóis, mais de quatro mil indígenas carregadores, abundantes armamentos e munições, quatro mil cabeças, entre ovelhas e porcos – para a manutenção do pessoal – e muitas centenas dos terríveis cães de caça”. Todos os índios saídos de Quito teriam morrido durante os primeiros cinco meses da expedição.

76 A estes mitos se pode acrescentar a lenda do Preste João das Índias, que teria erguido no Oriente (outros diziam na Etiópia) um Reino Cristão riquíssimo em ouro e especiarias, que incentivou muitos europeus a ir a sua procura.

kilometros quadrados, sendo a variação do nível de suas águas nas épocas de enchentes, de 16 metros sobre o nível ordinário [...]. Não é, porém, limitado o curso do Amazonas navegável a grandes navios, à fronteira brasileira, ainda além d´ella é francamente navegável por espaço de 1800 kilometros (sic).

O Amazonas e os inúmeros rios navegáveis que constituem sua bacia foram durante séculos as vias de comunicação que permitiram a "conquista" da terra. Monteiro (1980, p. 150) confirma esta consideração escrevendo:

A ocupação das terras da Amazônia sempre se fez através dos rios, furos e igarapés, únicos meios de acesso durante séculos e únicos meios de escoamento da produção e trânsito do comércio, salvo raríssimas exceções de pequenas ferrovias e estradas de penetração. Assim mesmo ligando sempre um rio a outro rio.

A tentativa espanhola de se apoderar do vale é confirmada pelos atos reais de concessão aos diferentes conquistadores de terras localizadas na Amazônia. O primeiro descobridor, Pinzón, tinha sido nomeando governador das terras que ele tinha descoberto: desde o cabo de Santo Agostinho até o rio Orenoco..Apesar dos

ibéricos terem tido a primazia na chegada à Amazônia, não foram eles, porém, que começaram a exploração da região.

A falta de uma ocupação mais efetiva da região por parte dos ibéricos, possibilitou a outros povos europeus atividades de reconhecimento do lugar e o escambo com os indígenas. Desde o começo a região foi integrada aos mercados internacionais para fornecer produtos de origem extrativa vegetal e animal. No entendimento de Holanda (1976a, p. 258), os ingleses e holandeses já em 1596 começaram a estabelecer feitorias na região77. Reis (1993a, p. 26) apresenta a motivação que os levava a esta empreitada: “Os ingleses e holandeses, tomando a dianteira aos portugueses e espanhóis, tinham chegado ao vale, nos fins do século XVI, para a empresa mercantil”. Nesta empreitada contavam com o apoio e proteção não só de suas respectivas coroas, mas, sobretudo com o financiamento dos grandes comerciantes e da nobreza. Em suas incursões subiram o Amazonas chegando até o rio Tapajós.

O mesmo autor noticia que entre 1599 e 1600 os holandeses tinham construído duas pequenas fortificações de madeira na margem direita do rio Xingu: Orange (também conhecida como Materu) e Nassau (também chamada Gomoarou, próximo à atual cidade de Porto de Moz) e uma ao longo do baixo Amazonas: Gurupá. Informação esta confirmada por Azevedo (1893, p. 229): “Assim é que,

desde o ano de 1600, os ambiciosos mercadores de Flessinga cuidavam de estabelecer plantações, nas margens do grande rio, e as expedições sahidas d´esse porto levantaram os fortes de Orange e Nassau, que só em 1625 foram acommetidos e arrasados pelos portugueses (sic)”.

Este fato ficou registrado no obelisco de Gurupá, como mostra a foto: