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CAPITULO II – ELEMENTOS DE HISTÓRIA REGIONAL E DE GURUPÁ

Foto 05: Obelisco do forte placa com a referência aos holandeses

Fonte: Sérgio Queiroz – Arquivo Fase Programa Amazônia NDL (Gurupá).

O atual território de Gurupá desempenhou um papel fundamental neste avanço da ocupação pelos europeus, constituindo-se num dos povoados mais antigos da região. Iniciando sua trajetória colonial como uma feitoria holandesa, cedeu lugar a um forte inicialmente construído em madeira e depois em pedra, como baluarte do domínio ibérico e foi, durante algumas décadas, um elemento fundamental na consolidação da conquista portuguesa. Sua conquista transcendeu aquela de um simples um depósito comercial ou de uma estrutura que garantia a defesa militar da região, para ganhar, numa visão geopolítica mais ampla, a dimensão da base de apoio à ocupação da bacia amazônica. Gurupá, na primeira metade do século XVII era a “ponta de lança” e a retaguarda da expansão portuguesa. Ao analisar os documentos históricos da época90 se percebe o importante papel que o forte de

Santo Antonio desempenhou neste período, constituindo-se numa referência histórica regional nunca mais alcançada posteriormente.

90 Os dois livros de Reis (1993a e 1993b) e o de Saragoça (2000) são de fundamental importância nesta análise, pois reproduzem em seus apêndices numerosos documentos (cartas, relatórios, alvarás, regimentos, etc.), da época colonial colocando os leitores em contato direto com os escritos do tempo.

Vários autores destacam o papel exercido por Gurupá neste tempo. O padre João Daniel (2004a, p. 58), depois de ter alertado os viajantes sobre a dificuldade da navegação perto Gurupá, destacava este papel de controle:

Pouco acima da foz tem o Xingu um arrecife de pedra, que quase o atravessa de uma a outra banda; mas só se conhece na vazante do rio, a ainda então dá boa passagem aos navegantes, se os pilotos são acautelados. Tem na sua boca a fortaleza do Gurupá, a mais celebre de todo o Amazonas, a quão vão registrar-se todos os navegantes do rio.

Abreu (1998, p. 120-121) afirma que: “A fortaleza de Gurupá, estabelecida no local de um antigo forte holandês, no começo do delta amazônico, excelente posto de observação para todos os movimentos da margem esquerda, obra avançada e complemento precioso do forte do Presepe na margem direita”.

Para Viana (1905, p. 234): “Esta fortificação devia ficar definitivamente estabelecida e subsistir durante todo o período da história colonial. Seu papel na luta contra os holandeses e ingleses tornou-se importante, uma vez que ficou sendo a base das operações”. E, segundo Bettendorf (1990, p. 29): “[...] a fortaleza de taipa de pilão e pedregulho [é] uma das mais antigas do estado”. Efetivamente este forte foi o terceiro construído pelos portugueses no Pará depois de Belém (1612) e Cametá (1620)91. Para Reis (1993b, p. 12-13), Gurupá adquiriu uma importância

fundamental no começo de ocupação da região sendo um ponto de controle e pouso para a conquista da mesma, isso garantia uma relativa autonomia ao capitão local92: Assim, em 1623, encontramos como posto avançado da penetração o fortim de Gurupá que, por sua importância, seria sede de capitania régia, com Capitão-Mor de nomeação de S. Magestade o Rei de Portugal, capitão-mór que possui regimento próprio, que lhe assegurava certas prerrogativas, inclusive uma autonomia singular no quadro político-militar da região. Fundação ligada ao ciclo da empresa contra concorrentes holandeses e ingleses, Gurupá serviu igualmente de posto fiscal, de ponto de apoio aos sertanistas e missionários que subiam e desciam o rio, ao mesmo tempo que protegeu no nascedouro, um pequeno burgo, onde se localizaram os religiosos da Companhia de Jesus e da Província da Piedade, os quais

91 Em “Conheça um pouco dos 143 municípios paraenses”, no site http://www.pa.gov.br/

conhecaopara (acesso em 05/01/2005) é apresentado um breve resumo histórico dos municípios paraenses. Consultando as informações nele contidas, se pode traçar a seguinte ordem de fundação dos núcleos urbanos mais antigos do Pará: Vigia (06/01/1616); Belém (12/01/1616); Cametá (1620); Bragança (1634) e Gurupá (1639). A data relativa a Gurupá é aquela na qual o lugar é elevado a condição de vila. Desde 1623, porém, o forte de Santo Antônio já era um ponto de apoio às pretensões portuguesas no Pará, conforme se viu nas palavras de Muniz (1927, p. 8). Bruno (1966, p. 62) confirma que Gurupá foi o terceiro núcleo primitivo da região. A analisa-se as datas de fundação das 38 vilas apresentadas por Muniz (1973, p. 55-56), se chega a mesma conclusão.

92 Esta informação é confirmada por Saragoça (2000, p. 82): “A sua fortaleza [...] desempenhou um papel muito importante, pois funcionou como casa-forte, onde se fazia o registro de todas as embarcações que subiam o Amazonas e onde se fiscalizava a carga das mesmas”.

erigiram convento e hospital que acolheu sertanistas, missionários, gentio e funcionários civis e militares. A significação de Gurupá, no movimento de dilatação da fronteira, era evidente.

O mesmo autor (REIS, 1959, p. 21) destaca como: “O Presépio e o fortim de Santo Antonio de Gurupá, este já no interior amazônico, garantiam a margem direita do delta”. A margem esquerda será garantida posteriormente com a construção do fortim do Paru. Seu forte permitia um controle eficaz contra as possíveis invasões estrangeiras.

Em várias ocasiões Berredo (1749, p. 265 e 267) utiliza a expressão “nossa fronteira de Mariocay”. Calmon (1963, p. 555) confirma que o forte de Gurupá era: “a

posição portuguesa mais ocidental da América [...]. Para Reis (1979, p. 14), os lusos

se fixaram em Gurupá: “utilizando-a como uma cabeça-de-ponte para as incursões que tivessem de realizar sobre o oeste desconhecido e tentador. O reduto do

Gurupá está para o devassamento do Amazonas como o colégio de São Paulo para

o do Teitê-Paraná (grifos de Girolamo D. Treccani)”. Em outra obra o mesmo autor afirma (1989, p. 55): “O fortim de Gurupá, erigido entre os Mariocay em substituição e um holandês, ficou como o ponto mais avançado da conquista na primeira década. Ainda Reis (1993b, p. 13) confirma a importância de Gurupá neste momento histórico: “A significação de Gurupá, no movimento de dilatação da fronteira, era evidente”, por isso sua conquista e defesa foram tão cuidadosamente perseguidas. Apesar de não conseguir impedir o comércio ilegal, o Forte de Gurupá garantiu a presença portuguesa no rio Amazonas consolidando a conquista da região.

Galvão (1955, p. 21-22) atesta que enquanto as demais localidades paraenses (Caeté, Cabo Norte Marajó, Xingu, etc.) foram cedidas como capitanias, Gurupá teve uma relativa autonomia: “Itá [Gurupá], a pequena vila que então se fundou, recebeu o privilégio de uma legislação especial e não demorou a ocupar lugar de preeminência na administração da província”. Muniz (1927, p. 12) informa que: “O forte de Santo Antonio de Gurupá desde 1623 [estava] sujeito aos capitães-mores do Grão Pará, que lhe proveram o commando até 1633, passando deste ano em deante a ser a nomeação feita por El-Rei, com o título de capitão-mor de Gurupá (sic)”. Holanda (1976a, p. 267) afirma: “Gurupá ficou constituindo uma capitania para o Rei. Tinha capitão-mor, de nomeação régia, com regimento especial, mas funcionou mais como registro de embarcações que subiam e desciam o Amazonas nas operações mercantis”. Também Leite (1949, p. 295) apresenta a mesma

informação, mas a relativiza, pois: “[...] se deverem registrar ou não as canoas na Fortaleza de Gurupá, foi objeto de legislação precária”.

As primeiras derrotas e a perda de um navio inglês que Bento Maciel conseguiu afundar logo em seguida, não puseram fim as pretensões dos holandeses, ingleses e franceses que se tinham estabelecido na região. Foram necessárias várias batalhas para consolidar o domínio português sobre todo o vale do rio Amazonas. Reis (1956, p. 35) calculou que: “Durou cerca de trinta anos essa primeira fase do esforço luso-brasileiro, visando o empossamento da Amazônia”. Em 1624, contando com o apoio dos índios Tucujú, os estrangeiros que tinham conseguido fugir e se esconder no mato, construíram um outro forte em Mandiutuba, próximo à foz do rio Xingu e outro perto de Gurupá. Saragoça (2000, p. 101) informa que: “Em 1625 o capitão holandês Oudaen (Osdan para Berredo e Baena) assaltou e incendiou o forte português, o qual foi reconstruído em 1629-30”93. Segundo

Varnhagem (1962, p. 253), Pedro Teixeira, a frente de cinqüenta soldados94, partiu

de Gurupá expulsando os holandeses e aprisionou o irlandês James Purcell. Estes fortes chegaram a ter mais de 200 batavos e irlandeses e também foram posteriormente destruídos por Pedro Teixeira.

No mapa publicado em 1625 pelo holandês Joannes de Laet, aparece a fortaleza de São Pedro de Corpappi, no local onde hoje se localiza Gurupá95. Para

Reis (1993a, p. 41): “Tanto os ingleses como os holandeses, apesar das lições, não esmoreciam nos desejos mercantis que os trazia ao vale [...]. Era um desafio, era também uma demonstração de que as terras e águas do vale entravam a ser consideradas como zonas de riquezas que não deviam ser abandonadas apesar da violenta ação dos luso-brasileiros já ali fixados”. Percebe-se como o controle português desta região, não foi fácil, pois em 1629 o capitão inglês Roger North, tentou ocupar o forte, tendo sido rechaçado por Pedro Teixeira. Durante algumas décadas este forte serviu de base de apoio para a luta contra os “estrangeiros”. Lá se refugiou, por exemplo, Pedro da Costa Favela, em 1629, quando não conseguiu

93 Braga (1915, p. 23) utiliza a grafia Osdam.

94 Enquanto Baena (1969, p. 16), diz que os portugueses estavam acompanhados de 1.000 índios, o Barão de Guajará (1895, p. 48-49) fala de trezentos. Este último destaca o papel de Frei Antonio da Merciana no papel de convencimento dos índios: “[...] por ter este missionário grande influência e auctoridade entre os índios, aos quaes convinha animar com a sua presença, tirando-lhe assim todo o pretexto de reluctância contra a guerra, que elle considerava como defensiva, em condições de receber seu apóio (sic)”.

95 O mesmo acontecerá com o mapa do Rio Amazonas publicado em 1646 por outro holandês: Robert Dudley, no qual aparece o forte de Corpap.

derrotar os holandeses do forte do Torrego, na ilha dos Tucujos, posteriormente arrasado por Pedro Teixeira numa expedição que teve Gurupá como ponto de reabastecimento. Para esta fortaleza voltaram as tropas esperando os dois navios que iriam auxiliar os holandeses, sendo estes rechaçados.

A Carta Régia de 19 de fevereiro de 1631 determinou que Manoel Guedes Aranha reconstruísse a fortaleza o que foi feito, nas palavras de Muniz (1927, p. 21):

[...] com muralhas de pedras, tiradas do barranco marginal do rio Amazonas, corresponde à frontaria da villa de Gurupá. Parece que as obras ficaram prontas ainda no governo de Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Esta reconstrucção transformou o antigo forte, dando-lhe maiores dimensões e a estrutura de pedra e cal, com muralhas alçadas sobre o solo da terra firme em que ficou edificada. Entretanto, a obra não possuía perfeição nem durabilidade. Já em 1727 não era lisonjeiro o estado de conservação das fortalezas do Grão-Pará (sic).

O Pe. João de Souza Ferreira (apud MUNIZ, 1927, p. 12), descrevendo os limites da capitania de Cametá, escreveu que: “[...] começam (as terras de Camutá) na bocca do rio Tocantins até o rio das Areias”. Muniz (1927, p. 12) complementa esta informação dizendo: “[...] excluindo integralmente o território compreendido entre os rios das Areias e Xingu”. O mesmo Muniz (1927, p.12, nota 10) informa que: “O rio das Areias conserva ainda o primitivo nome e deságua no rio Amazonas abaixo da cidade de Gurupá”. Em 4 de fevereiro de 1637, Bento Maciel Parente (apud SARAGOÇA, 2000, p. 357) relatava a Felipe III a difícil situação da província: enquanto em São Luiz tinha 250 moradores e 60 soldados, em Belém 80 moradores e 50 soldados, no forte “[...] do Curupá não chegão a 30 soldados sem nenhum morador (sic)”. Para consolidar e fortalecer a presença portuguesa na margem esquerda do Amazonas (atual Amapá) o rei Felipe IV criou a capitania de Cabo Norte entregando-a a Bento Maciel Parente.

Em dois de março de 1637 alguns frades e soldados, chefiados pelo capitão Juan de Palácios saíram de Quito numa expedição “evangelizadora” de índios. Constando o insucesso do trabalho, e tendo sido morto o capitão pelos índios, a maioria dos integrantes da expedição voltou atrás. Os frades Domingo de Brieva e Andrés de Toledo, o português Domingos Fernandes e seis soldados desceram o rio. O provedor da fazenda do estado do Maranhão, Jacome Raymundo de Noronha, em 22 de maio de 1637, escreveu ao rei descrevendo a viagem (apud DOCUMENTOS, 1905, p. 256): “[...] no cabo de tres mezes de caminho uierão a ter ao primeiro forte da capitania do para que chamão Sancto Antonio de Curupá (sic)”. Nestes três meses padeceram a fome e as investidas de vários povos indígenas.

Segundo Santa Rosa (1922, p. 96), os frades e sua comitiva: “[...] alcançaram o posto militar português em Gurupá, onde lhes foram prestados os primeiros socorros”. É importante destacar que 21 anos depois da fundação de Belém, Gurupá continuou a ser o primeiro forte português na Amazônia. Para Acunã (1994, p. 56), esta viagem teria prosseguido: “[...] sem outro propósito, como se pode imaginar, senão o de, movidos pelo divino impulso, realizar o primeiro descobrimento deste rio”. Numa carta remetida em dois de março de 1637 pelo capitão João Pereira de Cáceres a Felipe III (apud DOCUMENTOS 1905, p. 266), o comandante do forte solicitou que lhes fossem entregues:

sen homens pagos por hum ano com um pataxo de ate sincoenta toneis com dois mil cruzados de resgate [...] bastimentos nesesarios e neste ano me hobrigo a descobrir o que nestes rios ouer e suas riquezas halhanãdo os hindios rebeldes afora o grande enteresse que Vossa Magestade pode tirar em baxar há prata do Peru por este rio e meter nele copia de negros (sic).

Tratava-se da mesma empreitada que, alguns meses mais tarde, foi efetivamente empreendida por Pedro Teixeira. Uma carta de Jácome Raimundo de Noronha para Felipe III, de 29 de maio de 1637, relata a viagem dos espanhóis e solicita instruções (“mandar ver e ordenar aquillo que for mais seu serviço”, apud SARAGOÇA, 2000, p. 308).

2.3 – GURUPÁ: PONTO DE APOIO DA EXPANSÃO PORTUGUESA

Até hoje os historiadores não conseguiram chegar a um acordo sobre a data e o local de saída da viagem empreendida por Pedro Teixeira. Enquanto Azevedo (1999, p. 31) afirma que a expedição teria saído: “De Gurupá, onde se juntaram todas as unidades da expedição, partiu esta a 17 de outubro de 1637”, posição confirmada por Handelmann (1931, p. 42), que escreveu que a expedição: “[...] deixou o porto de Gurupá em 28 de outubro de 1637”. Já Hage (1993, p.36) afirmou que: “[...] em 28 de outubro de 1637, a expedição partiu de Cametá”. Esta última informação é confirmada por Berredo (1749, p. 292), Braga (1915, p. 26), Cruz (1963a, p. 17), Calmon (1963, p. 559), Baena (1969, p. 45) e Vianna (1994, p. 179). Já Southey (1965a, p. 295), Souza (1994, p. 55), e Ferreira (2003, p. 71) afirmam que o porto de partida teria sido Belém. Jobim (1957, p. 29) adota uma posição conciliadora: “Saindo de Belém a 28 de outubro de 1636, dirigiu-se a Cametá, onde a bandeira recebeu os seus últimos aprestos”.

Acunã (1994, p. 59), o cronista oficial da viagem de volta de Quito para Belém não esclarece com exatidão o lugar da saída, limitando-se a dizer: “[...] dos confins do Pará”. Muniz (1927, p. 13) conseguiu esclarecer a situação afirmando que: “Pelo forte de Gurupá, onde marcou nova reunião das suas canoas, passou o capitão Pedro Teixeira em 1637”. Estas informações permitem concluir que depois dos preparativos iniciais realizados em Belém a expedição saiu efetivamente de Cametá e parou em Gurupá para juntar outras forças.

Teixeira chegou até Quito, nos Andes, em 10 de fevereiro de 1639. Sua viagem pode ser considerada como atividade “exemplar” na expansão da fronteira portuguesa. Reis (1993c, p. 16) registra que: “Até então as Tropas de resgate e os buscadores de drogas não tinham passado do Tapajós”. Cristóbal de Acunã (1994, p. 59) assim descreveu o começo da viagem:

Partiu, pois, este bom caudilho, dos confins do Pará aos 28 de outubro de 1637, com quarenta e sete canoas de bom tamanho e, nelas levando setenta soldados portugueses, mil e duzentos índios remadores e guerreiros que, com as mulheres e os moços de serviço passariam de duas mil pessoas. A viagem durou cerca de um ano, tanto pela força das correntezas quanto pelo tempo necessário a prover alimento para tão numeroso exército, e, sobretudo, pela falta de guias habilitados a orientá-los sem rodeios nem demoras, pelo caminho a percorrer.

Em seu relatório para o Presidente da Província escrito em São Francisco de Quito em 2 de janeiro de 1639, Teixeira (apud SARAGOÇA, 2000, p. 309) escreveu:

La segunda fortaleza está situada en el Curupa zient leguas de la ciudad de Velen, tiene por nombre la poblacion Sn Joseh, él fuerte Sn Antonio [...] está fortaleza de el Curupá tiene fama no difiende coisa ninguna por estar sobre uma gran barranca, es somente para conservazion de los indios horros, que por ali zercano viven, y para correr a costa de el cabo del norte, por onde de continuo entran los enemigos a comerzear con los âruacas, araguozis, comaus, y todos os moradores de tocusingue (sic).

Continuando o relato Teixeira mostra como o forte de Gurupá era utilizado como ponto de apoio para subir o rio Amazonas. O marco por ele cravado no rio Napo estralhaçou os antigos limites do Tratado de Tordesilhas. Nas palavras de Tocantins (1965, p. 10-11): “O soldado luso levou até o Napo a soberania de seu país, erguendo nesse local um marco da posse de Portugal. O significado básico do ato de Pedro Teixeira, diz-nos a história: a Amazônia hoje é brasileira”.

Bettenford (1990, p. 48) informa que durante o governo de Francisco Coelho de Carvalho (de 3 de setembro de 1626 a 14 de dezembro de 1633) os holandeses:

queimaram as casas dos soldados de Gurupá, postas ao redor da fortaleza, foram rechassados pelos portugueses e o Capitão Mor Bento Maciel Parente lhes foi tantos e tão fortes assaltos que, desalojando uns,

aprizionando outros e mettendo seus navios a pique com notáveis sucessos dos nossos, e demonstrações de seu valor, desenganados não voltaram mais a revisitar aquellas bandas como antecedemente tinham feito, mas retiraram-se de todo, deixando rios e terras a seu legítimo Senhor, El Rei e Coroa de Portugal.

Apesar das palavras de Bettenford, dez anos depois os holandeses foram novamente vencidos em sua tentativa de voltar a se estabelecer na região. Segundo Holanda (1976a, p. 261) e Saragoça (2000, p. 71), um novo enfretamento entre portugueses e holandeses se deu em 1639 quando a guarnição de Gurupá, comandada pelo capitão João Pereira de Cáceres, repeliu o ataque ao forte e capturou um navio holandês que se aproximava da cidade (REIS, 1993c, p. 12). Santa Rosa (1922, p. 95) descreve assim o fim das pretensões holandesas: “Gedeon Morris, procurou convencer à privilegiada Companhia das Índias Ocidentais de que lhe seria fácil apoderar-se das regiões compreendidas na bacia do famoso rio Amazonas. A expedição para isso enviada as águas do rio-mar, teve que experimentar completa derrota, que lhe infligiu João Pereira de Cáceres, vindo do forte de Gurupá”. Depois deste primeiro momento do processo de ocupação da Amazônia, as notícias históricas relativas á Gurupá, começam a escassear. Krautler (1997, p. 2) descreveu a luta entre holandeses e portugueses pelo controle de Gurupá e comentou:

Nada mais a história escrita conta daquela época. Sobre a resistência indígena paira um silêncio sepulcral. Quantos índios tombaram, quantos foram escravizados, arrancados de suas famílias, quantas mulheres abusadas e violentadas? Sobre isso as crônicas silenciam, do mesmo jeito como calam em relação ás centenas, quem sabe aos milhares de anos de vida e história dos povos indígenas nestas plagas, antes da vinda dos europeus.

Esta constatação evidencia como a história contada pelos “vencedores” não registra o destino de quem, além de ser subjugado, foi varrido do mapa.

Com o crescimento da população local o forte foi erguido a categoria de vila em 1639 (BRAGA, 1915, p. 54). Muniz (1927, p. 12) destacou que: “Recebeu Gurupá o predicamento de Villa, a primeira das fundações sobre o rio Amazonas que honrou-se com este título, com apenas dezesseis annos de existência (sic)”. A população era aumentada graças ao aldeamento dos índios que, através dos processos de "descimento e resgate", eram incorporados à atividade produtiva. Este processo facilitava o contato forçado e a mistura entre povos diferentes favorecendo suas destribalização e a perda de sua identidade.

Em 1643, Dom João IV, depois de ter negado o pedido similar de um grupo de ingleses, autorizou um grupo de católicos irlandeses, que tinham alegado estarem sendo objeto de perseguição religiosa, a estabelecer uma colônia na Amazônia (Reis, 1960, p. 33). A medida, que os deixava estabelecer-se em Gurupá, foi revogada logo em seguida diante do perigo que esta autorização poderia ensejar96. Em 1645 os Carmelitas fundaram um “conventinho” que foi demolido em 1674 por causa da peste que matou e assustou muitas pessoas (BAENA, 2004, p. 234)97.

Rocque (1968, p. 741) afirma que: “[...] existe confusão em torno da expedição de Bandergus (Van der Góes, segundo Varnhagem), que se teria apossado da fortaleza de Gurupá em 1646”. Nestes anos foi possivelmente travada a última grande batalha contra os holandeses quando, depois de se ter dirigido a Gurupá, Sebastião de Lucena de Azevedo, Capitão-mor do Grão Pará, os atacou e derrotou em Maricari. Neste embate os holandeses foram ajudados por:

[...] coatro companheiros ingreses e francezes que a vinte e hum anos que abitão aquelle pais o qual colheo em huma canoa avizando aos ditos índios para que se prevenisem de armas para o ajudarem a render a praça do Curupá e esta com o socorro que esperava da Holanda de trezentos infantes artilheria e balas (sic). (Carta de Sebastião de Lucena de Azevedo a Dom João IV em 1648, apud SARAGOÇA, 2000, p. 373).

Contido o avanço dos demais povos europeus, os portugueses voltaram a se