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Estrutura da dissertação

1. Arquitetura e tecnologia

1.2. A influência das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)

1.2.3. Habitação e desterritorialização

A vida nômade é intermezzo. Até os elementos de seu habitat estão concebidos em função do trajeto que não para de mobilizá-los. O nômade não é de modo algum o migrante, pois o migrante vai principalmente de um ponto a outro, ainda que este outro ponto seja incerto, imprevisto ou mal localizado. Mas o nômade só vai de um ponto ao outro por consequência e necessidade de fato; em princípio, os pontos são para ele alternâncias num trajeto (DELEUZE; GUATARRI, 1997, p. 51).

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No original: “Q. form follows function in the digital environment?

A. form follows means, means follow tools, tools yield to desires, and desire is everything”. Hani Rashid, em entrevista ao site Designboom, Nova York, 2002.

A partir do desenvolvimento das TICs e do seu potencializado uso e introdução no cotidiano da sociedade pós-industrial, uma nova forma de espaço se constitui - o ciberespaço, tornando a disseminação de saberes, potências de pensamento e informações fluidos por meio do uso de equipamentos, permitindo, dessa forma, conectarmo-nos uns aos outros, dando origem aos

coletivos inteligentes16. Esse novo espaço delibera também uma nova concepção de nomadismo, visto que se mexer não é mais deslocar-se de um ponto a outro em espaços reais, mas é estar à deriva nas texturas da humanidade, atravessar universos de problemas, mundos diferentes e experimentar novos sentidos nos circuitos da comunicação (LÉVY, 1998).

O nomadismo decorrente do século XX refere-se à transformação contínua em diferentes âmbitos, sejam eles de ordem científica, técnica ou econômica, ou seja, o homem, com o desenvolvimento de nanotecnologias capazes de copiar e substituir elementos do corpo humano, reinventa sua própria relação com esse novo corpo e sua relação com o espaço em que se insere, seja ele real ou virtual. Para Haraway (1991), as tecnologias da comunicação e as biotecnologias que compõem a interface homem-máquina – definidas como cyborg – são ferramentas essenciais para desenvolver novas relações sociais, bem como instrumentos para impor significados.

No pensamento nômade, o habitat não está vinculado a um território, mas antes a um itinerário. Ao recusar apropriar-se do espaço que atravessa, o nômade constrói para si um ambiente de lã ou em pelo de cabra, que não marca o lugar provisório que ele ocupa. (...) Nômade limita-se à representação de seus trajetos, não à figuração do espaço que percorre. Ele deixa o espaço ao espaço (...) Polimorfia da lã (MILOVANOFF apud DELEUZE; GUATARRI, 1997. p. 51).

O espaço do novo nomadismo, assim como o habitat do nômade que constrói um ambiente de lã excluindo rastros de sua passagem, também não é definido por territórios geográficos, mas é um espaço invisível que incorpora conhecimentos, “potências de pensamento em que se brotam e se transformam qualidades do ser, maneiras de constituir sociedade” (LÉVY, 1998, p. 15).

As relações nascidas entre o ciberespaço e os campos correlatos da arquitetura e do urbanismo apontam para a transformação que essas áreas de conhecimento sofreram a partir do século XX, estabelecendo transitoriedade aos conceitos de territorialidade e deslocamento,

conceitos esses valiosos para o entendimento da arquitetura contemporânea. De acordo com Deleuze e Guatarri (1997), o nômade é o ser desterritorializado por excelência – ele não possui pontos, trajetos ou espaços fixos -, sua relação com a terra se dá por meio dos processos de desterritorialização e reterritorialização e o seu território emerge desse movimento constante.

Alguns conceitos e definições criados por Deleuze e Guatarri, tais como espaço liso e

espaço estriado, flexibilidade, multiplicidade e ‘dobra’, foram introduzidos na obra de arquitetos

contemporâneos como Ben Van Berkel, Caroline Bos, Greg Lynn, entre outros, enquanto estratégia para desafiar a causalidade linear do processo de projeto. O conceito de ‘dobra’, por exemplo, estabelece uma ambígua construção espacial na arquitetura, como uma figura e não figura, uma organização e não-organização, uma metáfora formal, definindo superfícies lisas e espaços transitórios entre interior e exterior, deslocando bruscamente a experiência espacial do indivíduo e posicionando uma noção pós-estruturalista de espaço (KOLAREVIC, 2005).

Kolarevic (2005, p. 4) defende que as novas arquiteturas digitais podem ser descontínuas, amorfas, não-tipológicas, mas não sem precedentes: desde o Barroco, por exemplo, arquitetos tentam superar o desenho cartesiano e as regras de estética e proporção em arquitetura – essa tentativa tornou-se mais viável com as tecnologias digitais, originando rótulos como “Neo- Barroco”; já as formas recentes de Gehry podem ser atribuídas ao Expressionismo de 1920, sendo possível argumentar que a arquitetura em “bolhas” concebida por Greg Lynn tem como precedente o Surrealismo. Dessa forma, as arquiteturas contemporâneas digitais encontram sua legitimação na exploração dos avanços tecnológicos e nos novos meios digitais de concepção e produção, correspondentes à complexidade própria da contemporaneidade, como um produto lógico e inevitável da era digital.

No limiar do século passado, novos posicionamentos foram agregados ao discurso e à prática na arquitetura como resposta às novas tecnologias da informação e comunicação. E, além delas, teorias emprestadas de outras áreas de conhecimento empreenderam uma transformação na maneira de pensar e habitar o espaço construído; esse impulso multidisciplinar coloca a própria arquitetura na condição de um campo nômade que territorializa e desterritorializa outras áreas do

conhecimento em seu processo de construção.

Sendo assim, o mote de Jean Nouvel (1994): “O futuro da arquitetura não é mais arquitetural”, levanta questionamentos a respeito dessas inter-relações e desses diálogos entre a arquitetura e os outros campos de conhecimento – como as ciências e tecnologia, por exemplo – e o surgimento de um hibridismo arquitetônico. Segundo Kolarevic (2005), o crescente uso das mídias digitais – outrora apenas como ferramenta de representação ou visualização e, hoje, como ferramenta generativa para derivação de formas e sua transformação – representa um novo panorama arquitetônico definido por Morfogênese Digital (no original: Digital Morphogenesis), enfatizando, assim como Nouvel, o entendimento da arquitetura enquanto campo de conhecimento híbrido, constituído pelo deslocamento de ideias e conceitos de outras disciplinas, como as artes, a comunicação, a fotografia, a filosofia e as tecnologias da informação e permitindo, dessa forma, a descoberta de novos territórios para a exploração conceitual, formal e tectônica da arquitetura.