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Estrutura da dissertação

1. Arquitetura e tecnologia

1.1. Tecnologia como conceito e forma

1.1.3. Projetos – a máquina de morar para montar

1.1.3.1. Living City

Na cidade viva tudo é importante: a trivialidade de acender um cigarro, ou o duro fato de mover dois milhões de trabalhadores por dia. De fato são o mesmo - enquanto facetas da experiência compartilhada da cidade. Até o momento, não há sido divisada nenhuma outra forma de entorno construído que produza a mesma qualidade de experiência compartilhada entre tantas mentes e interesses. Quando está chovendo em Oxford Street a arquitetura não é mais importante que a chuva; de fato o tempo provavelmente tem mais que ver com a pulsação da cidade viva neste preciso momento. De forma similar todos os momentos são igualmente válidos na experiência compartilhada. A cidade vive igualmente em seu passado e em seu

futuro, e no presente em que estamos (COOK, 1963) 6.

O projeto Living City, realizado em junho de 1963, foi o primeiro trabalho que reuniu todos os componentes do grupo Archigram. A proposta consistiu em um projeto gráfico, publicado em forma de revista, e de uma instalação montada com estruturas construídas em plástico (Figura 9). O trabalho contou com o apoio do Instituto de Arte Contemporânea de Londres, tendo como mote do discurso a grande metrópole contemporânea e defendendo que o

acontecimento é tão importante quanto a arquitetura.

A exposição Living City, ou Cidade Viva, primava pela discussão acerca da vivência nas grandes metrópoles através de uma leitura arquitetônica, artística e sociológica, “que permitisse expressar mais a vitalidade dessa situação que cristalizar uma forma física” (CABRAL, 2002, p. 79). Living City pretendia mostrar a diversidade multifacetada do cotidiano, cuja vitalidade é um fenômeno em função da simultaneidade de eventos, da fugacidade de diferentes movimentos e da casualidade das situações produzidas, sendo as estruturas construídas de menor importância para expressar a ideia de cidade.

Figura 9: Protótipo da exposição Living City.

(Fonte: archigram.westminster.ac.uk)

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O editorial do projeto provocava: “o que a nova geração de arquitetos quer é uma cidade excitante” (STEINER, 2001, p. 17). O grupo Archigram procurou refletir sobre o cotidiano da cidade em seus mínimos detalhes, propondo aos seus visitantes uma análise de seus próprios comportamentos e ações, traduzidos em um sistema de triângulos estruturais que permitia formar um ambiente contínuo e flexível e que suportava sete unidades temáticas (Figura 10). Os temas foram divididos em compartimentos chamados Gloops (palavra derivada do inglês loop, ou laço).

Os sete compartimentos Gloops enfocavam os seguintes assuntos:

1. Sobrevivência: abordava as necessidades dos indivíduos, e para isso, cada um estaria relacionado a um kit individual de sobrevivência composto por diferentes elementos, tais como: comida, bebidas, drogas, sexo, roupas, dinheiro;

2. Massa: composto por um caleidoscópio formado por todos os tipos de indivíduos e suas interações enquanto grupos, massa anônima ou formada por indivíduos tomados isoladamente;

3. Movimento: abordava os movimentos contínuos do cotidiano da cidade, fluxos, alta, média e baixa velocidades e a relação com o ritmo do tráfego urbano;

4. Homem: tomado como centro da cidade, sendo ela um organismo que é o habitat do indivíduo, ressaltando a importância e responsabilidade de projetar o futuro das cidades;

5. Comunicações: influenciados pelos meios de comunicação em massa e pelas ideias de Marshall McLuhan acerca da Aldeia Global, neste Gloop, a rede de comunicação compõe a principal estrutura urbana;

6. Lugar: como a arquitetura – ou a definição do espaço – não é suficiente para dar identidade ao lugar, a funcionalidade e inteligibilidade dos ambientes construídos não dependem de uma forma arquitetônica, pois mais importantes são seu conteúdo e

seu arranjo no espaço citadino;

7. Situação: happenings, situações mutáveis como propulsoras da vida urbana. São essas situações responsáveis pela reconfiguração do ambiente construído, dando forma a diferentes paisagens urbanas (DUARTE, 1999a).

Situation é o acontecimento no espaço da cidade. Os transitórios objetos de consumo, a presença

passageira dos carros e das pessoas é tão importante, possivelmente mais importante, que a demarcação construída do espaço. Situation pode estar causada por um único indivíduo, por grupos ou uma multidão, seus propósitos particulares, ocupação, movimento ou direção. Situation pode ser o tráfico, sua velocidade, direção, classificação. Situation pode ocorrer com a mudança de clima, hora do dia ou noite (Situation - texto da exposição Living City. CABRAL, 2002, p. 88) 7.

Figura 10: Catálogo Living City.

(Fonte: archigram.westminster.ac.uk)

Alguns temas fundamentais para o entendimento do contexto das transformações referentes à urbe ocorridas na segunda metade do século XX estavam presentes no projeto Living

City; a temática abordada recorria ao discurso de autores tais como Jane Jacobs e William Whyte,

sendo a primeira exibição do grupo que tomava forma, como ideias que saíam do papel – a Revista – e estabeleciam através do espaço físico uma reflexão acerca da multiplicidade, flexibilidade, maleabilidade e efemeridade dos ambientes urbanos (STEINER, 2001).

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A visão de que o planejamento urbano e seus fundamentos disciplinares básicos não eram suficientes para solucionar o problema da cidade e que esses não estavam relacionados apenas aos problemas de regeneração urbana, mas apontavam para uma questão de direito à existência, bem como a intenção de resgatar uma sensibilidade positiva em relação à vida nas metrópoles, significava algo mais amplo e importante presente na postura dialética do grupo. Essas temáticas foram amplamente exploradas nos textos: Downtown is for people, de Jacobs e

Are cities un-american?, escrito por Whyte - ambos publicados em 1956 no livro The Exploding Metropolis, editado por William Whyte e que compõe as diversas referências que influenciaram a

obra do Archigram. É importante ressaltar que o caráter da exposição não somente discute novas realidades acerca do cotidiano – não necessariamente arquitetônico -, mas, implicitamente, faz uma crítica aos principais pontos de sustentação da cultura urbanística e arquitetônica vigente na época: a cidade jardim de Ebenezer Howard e o urbanismo funcionalista da Carta de Atenas. Segundo o texto de apresentação da exposição, redigido por Peter Cook, a instalação Living City buscava apresentar o “sangue vivo das cidades”, expondo a experiência da cidade-viva retratada em temas como o vício, a corrupção, a superpopulação ou a banalidade da vivência do espaço (CABRAL, 2002, p. 80).