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1.6 HABITAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA

1.6.3 Habitação de Interesse Social – HIS

A Habitação de Interesse Social (HIS) é uma síntese contraditória de todas as categorias de análise anteriormente apresentadas. É um produto histórico e, como tal, apenas pode ser desvendada na análise de um determinado contexto histórico e social. A HIS não nasce como política pública. Foi necessário um longo caminho político e científico de constatação, formulação, abstração: foi preciso reclamá-la como direito, reconhecê-la como necessidade, diagnosticá-la como déficit, não sem vê-la tornar-se a cada dia mais uma carência e, por fim, enquadrá-la como demanda solvente em diversos programas, sem que deixasse de ser uma valiosa mercadoria.

61A ampliação do mercado privado, restrito a cerca de 20% dos brasileiros apenas, seria um dos meios de evitar que a produção para baixa renda fosse apropriada pela classe média que, dessa forma, deixaria de disputar com os mais pobres os recursos da política pública de habitação, particularmente os subsídios, como ocorreu no caso do BNH.

Como política pública, tem sido gestada pela Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades, criado em 2003, mas antes, tem sido respaldada e ratificada politicamente por intermédio do Conselho das Cidades e ao longo de diversas Conferências das Cidades (em escala Nacional, Estadual e Municipal, a partir de 2003)62. Está sob orientação da Política Nacional de Habitação (2004), da Lei Federal

que institui o Sistema (SNH) e do Plano Nacional de Habitação, aprovado em 2009 (PlanHab), o qual tem por objetivo “planejar as ações públicas e privadas, em médio e longo prazo, para equacionar as necessidades habitacionais do país”.

Ela perfaz todas as categorias mencionadas: habitação como necessidade, como demanda, como direito, como mercadoria, como déficit, como política pública. Não é estanque em nenhuma das categorias sugeridas e, porém, em algumas delas há incompatibilidade, dependendo do lugar da fala e da ação do agente social. A HIS é uma política inacabada e em disputa por diversos agentes. Cada agente a distingue em uma de suas dimensões, provendo-a de um e desprovendo-a de outro de seus sentidos. Ela difere para o gestor público que tenta formulá-la em nível da política pública e para o movimento popular que a reclama enquanto direito; se se torna demanda para um beneficiário incluído no programa, escapa para outro que não tem o perfil, e para quem continua sendo uma necessidade básica. Quando apresentada como política pública, a ser consumida como valor de uso, ainda assim, pode voltar à sua forma de mercadoria nas mãos da família empobrecida da comunidade que, passado um período, a troca por dinheiro. Se essa habitação de interesse social se torna mercadoria, simultaneamente essa família passa a ser computada novamente como déficit urbano. O déficit, por sua vez, é o mesmo para o acadêmico, para o consultor e para o gestor; dado técnico, manipulável, contudo, absolutamente estranho e sem importância para a comunidade que a vive no assentamento precário cotidianamente. Nas mãos do empresário da construção civil a habitação será sempre mercadoria lucrativa, seja a expensas do Estado, seja às custas da população. E, por fim, o programa político e o governo que a elabora (enquanto política pública), deve saber combiná-la como mercadoria, porque resolve ou ameniza crises de um setor produtivo do capital e deve apresentá-la como necessidade social, no limite, direito amplo e irrestrito a ser conquistado; muito embora possa tão somente realizar-se como

e para uma determinada parcela da população. O Estado regula as relações de classe que permeiam a forma social existente sob sua base e opera na escala da habitação como demanda específica, focando sua atenção para a habitação de baixa renda, incorporando por subsídios a necessidade básica de habitação. Ela incorpora em seu discurso o direito à moradia, mas o faz incluindo beneficiários, por critérios de prioridade, enquanto exclui outros.

Nos últimos anos, tem-se dado um grande destaque ao Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Esse Programa não se origina do bojo da HIS, tendo, inclusive, suplantado a política que se estava estruturando, tendo surgido de necessidades macroeconômicas em um contexto específico que articulou agentes hegemônicos do circuito capitalista urbano (capital imobiliário e fundiário). Entretanto, o PMCMV acabou se ajustando aos propósitos de órgãos estatais em ratificar compromissos sociais na formulação de políticas públicas, pactuando também com agentes minoritários da produção do espaço (como entidades, cooperativas e movimentos de moradia).

A Habitação de Interesse Social, nesse ínterim, perdeu força política, tornando- se um programa específico de pouco orçamento. Sob seu rótulo há, ainda, uma diretriz norteadora que não se encerra na produção de unidades habitacionais, mas antes, elenca conteúdos programáticos da política urbana brasileira carimbando a terminologia IS de “interesse social” como: ZEIS, AEIS; PLHIS, PEHIS.

Não se pode ignorar sua incidência como marco regulatório democrático, necessário para a própria regulação enquanto política pública com a criação e aplicação de normas que dela decorrem. Analisar-se-á como a HIS contribuiu para a institucionalização da política habitacional nos municípios brasileiros.

Nos capítulos seguintes, será iniciada uma análise mais detida da atual política urbana e habitacional brasileira que se desdobra em três programas, com suas variadas modalidades: a HIS, o MCMV Faixa 1 (Empresarial e Entidades) e o PAC2 - Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP), centrando-os em seu processo histórico e político; seu funcionamento, sua institucionalização no interior da aparelhagem do Estado, no escopo da gestão municipal brasileira e gaúcha.

2 O TEMPO-ESPAÇO DA PRODUÇÃO DA POLÍTICA

O presente capítulo apresenta cinco debates centrais subjacentes ao Estado e à produção da política social: análise dos aparelhos estatais; análise dos agentes sociais; análise das políticas públicas para, então, compreender a produção da política espacial urbana; e, por fim, o debate da produção dos discursos e da gestão na política urbana habitacional.

Ao final, apresenta-se uma análise da conjuntura e estrutura do Estado Brasileiro, articulando os cinco debates acima expostos.

2.1 O ESTADO COMO PONTO DE PARTIDA DA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DA