• Nenhum resultado encontrado

Habitantes do Rio de Janeiro que sabiam ler e escrever, segundo a divisão

Em 1890, observamos que o percentual de pessoas que sabiam ler e escrever nos distritos suburbanos chegava apenas a 49,9%. Campo Grande possuía a menor porcentagem de alfabetizados da cidade: 24,8%, seguido de Guaratiba, com 25,5%. Na zona urbana, os distritos com os maiores percentuais de indivíduos que sabiam ler e escrever eram Sacramento, com 68,7%, Candelária, com 68,2% e Glória, com 62,7%. No caso dos dois primeiros, o expressivo número de pessoas que trabalhavam no comércio é um dado relevante para entender o porquê de proporções mais elevadas de pessoas que sabiam ler e escrever. No caso da Glória, ela era o distrito carioca com a maior quantidade de profissionais liberais, característica que contribuiu para que ela ocupasse o terceiro lugar. Cabe evidenciar também que Santana, o distrito com o maior número de habitantes em 1890 e que era habitado por muitos trabalhadores e pobres, possuía a menor proporção de pessoas que sabiam ler e escrever na zona urbana: 47,8%.

Mapa 1.26 – Habitantes do Rio de Janeiro que sabiam ler e escrever, segundo a divisão territorial (1906)84

Dezesseis anos depois, notamos que os subúrbios continuaram a abrigar os menores percentuais de pessoas que sabiam ler e escrever, à exceção de Inhaúma, que teve uma ampliação importante nesse aspecto. Em 1890, apenas 35,6% de sua população sabia ler e escrever. Em 1906, esse grupo passou a representar 48,1% de seus habitantes. Esses dados indicam que o crescimento demográfico que o distrito vivenciou no período trouxe para seu território uma quantidade considerável de pessoas alfabetizadas, provocando o referido aumento. Não existe uma correlação direta entre trabalhadores da indústria e alfabetização, mas o salto de 815 indivíduos desse setor, em 1890, para 11.240, em 1906, deve ser considerado para interpretar o aumento percentual de indivíduos que sabiam ler e escrever em Inhaúma.85

Na zona urbana, a Candelária tornou-se o distrito carioca com o maior percentual de alfabetizados: de 68,2% em 1890, passou para 82,5%, em 1906. É importante lembrar que as obras da reforma urbana atingiram diretamente esse distrito, demolindo diversas habitações coletivas. A expulsão dos indivíduos que aí residiam rumo a outras áreas da cidade contribuiu para a ampliação na proporção dos que sabiam ler e escrever na Candelária.

84 Os dados utilizados para a produção desse mapa foram obtidos em: Recenseamento de 1906, pp. 142-143. 85 Para os referidos dados ocupacionais, ver Tabela A1.5 e A1.6, nos Anexos.

Mapa 1.27 – Habitantes do Rio de Janeiro que sabiam ler e escrever, segundo a divisão territorial (1920)86

Em primeiro lugar, o mapa evidencia a ampliação geral da alfabetização em relação a 1906. Naquela ocasião, os seis distritos que não ultrapassavam a marca dos 37,3% localizavam-se nos subúrbios. Ainda que em 1920 os distritos mais afastados do centro da Capital Federal continuassem a apresentar as menores porcentagens de alfabetizados, elas já não eram tão baixas. Apenas Santa Cruz não extrapolava os 40%. Inhaúma e Irajá possuíam, respectivamente 59,5% e 50,9% de habitantes que sabiam ler e escrever.

Na zona urbana, a Candelária continuou a apresentar a maior proporção de alfabetizados, tendo a sua taxa aumentado ainda mais: 87,5%. A Gamboa, por sua vez, foi o distrito com a menor porcentagem de indivíduos que sabiam ler e escrever na região central da Capital Federal, mas teve uma ampliação considerável, se comparada a 1906: passou de 46,3% para 53,4%.

Ao cotejar os dados dos recenseamentos para traçar o perfil populacional da zona suburbana, procurei interpretá-los levando em consideração as mudanças que ocorreram nessa área e também na zona urbana do Rio de Janeiro, entre 1890 e 1920. A partir da análise dessas informações, busquei evidenciar as características que distinguiam essas duas áreas, assim

86 Os dados utilizados para a produção desse mapa foram obtidos em: Recenseamento de 1920 (DF, V. II), pp. 422-479.

como tive a preocupação de mostrar que mesmo no interior de cada uma delas existiam particularidades. A espacialização de tais dados, por meio do georreferenciamento histórico, foi fundamental para identificar as mudanças que ocorreram na proporção dos diversos grupos populacionais dentro do território carioca. Para complementar a análise em andamento, exploro a seguir as informações ocupacionais dos habitantes.

Mapeando as ocupações

Em termo ocupacionais, a população da Capital Federal vivenciou transformações importantes entre 1890 e 1920. Os trabalhadores da indústria, por exemplo, triplicaram o seu contingente. Os do setor de transporte passaram de aproximadamente 10 mil para 40 mil. Os funcionários públicos também tiveram um aumento considerável: de cerca de 6 mil para 25 mil. Com esses poucos exemplos, é possível perceber que o crescimento dessas categorias não foi uniforme, tampouco seguiu o ritmo da ampliação demográfica da população total, que foi de 121,5% no referido período. Portanto, o percurso a ser percorrido a partir de agora pretende esquadrinhar as alterações ocupacionais que ocorreram na cidade, dando especial atenção à identificação das áreas para onde se dirigiram determinados grupos de trabalhadores.

Dar conta dessa tarefa exige algumas precauções, haja vista os diferentes critérios adotados nos recenseamentos para a coleta dos dados ocupacionais. No que diz respeito à classificação das profissões, o inquérito censitário de 1890 divergiu consideravelmente dos de 1906 e 1920. No caso dos dois últimos, eles seguiram a classificação sugerida pelo Instituto Internacional de Estatística. Para que os dados pudessem ser minimamente comparados, adotei a seguinte padronização:

Tabela 1.5 – Equivalência das Categorias Ocupacionais (1890-1920)

1890 1906 1920 Padronização

Indústria Agrícola Agricultura, horticultura,

silvicultura, floricultura Agricultura, etc. Agricultura Indústria Pastoril

Indústria Extrativa

Criação / Caça e Pesca / Extração de materiais

minerais

Criação / Caça e Pesca / Extração de materiais minerais

Criação / Caça e Pesca / Extração de materiais

minerais Indústria Manufatureira

Indústria Artística87 Indústrias Indústrias Indústrias Indústria dos Transportes Transportes Transportes Transportes

Indústria Comercial

Banqueiros Comércio Comércio Comércio

Funcionalismo Militar Força e Segurança

Públicas Força Pública Força Pública Funcionalismo Civil Funcionalismo Administração Pública Administração Pública

Sem equivalente Sem equivalente Administração

Particular Administração Particular Sacerdócio / Magistério / Juristas / Médicos e Classes Acessórias / Profissões Técnicas / Escritores e Jornalistas Profissionais

Liberais Profissionais Liberais Profissionais Liberais

Proprietários / Capitalistas

Pessoas que vivem principalmente de suas

rendas

Pessoas que vivem de suas rendas

Pessoas que vivem de suas rendas Indústria do Serviço

Doméstico Serviço Doméstico Serviço Doméstico Serviço Doméstico

Sem equivalente Jornaleiros, trabalhadores braçais etc. Sem equivalente Jornaleiros, trabalhadores braçais etc.

Sem equivalente Profissões Mal

Especificadas Mal definidas Profissões Mal Definidas

Sem equivalente Profissões

Desconhecidas Sem equivalente

87 “[...] compreendem as atividades aplicadas às artes gráficas, plásticas, musicais, ginásticas e outras dessa natureza.”. Recenseamento de 1890 (DF), p. XXXIX.

Como é possível notar, algumas categorias não possuíam equivalente. Esse é o caso, por exemplo, dos “jornaleiros, trabalhadores braçais etc.”. Ainda que os dados específicos a respeito deles só apareçam em 1906, optei por mantê-los como uma categoria separada, pois constituíam um grupo de trabalhadores que merecia destaque. No caso dos empregados na “administração particular”, a diversificação do mercado de trabalho carioca à época do recenseamento de 1920 justificou a necessidade de sua inclusão, o que não ocorreu nos recenseamentos precedentes.

Além da preocupação em adotar uma padronização para apresentar os dados ocupacionais, é preciso levar em consideração a diferença no método de coleta deles. Em 1890, os recenseados podiam indicar todas as ocupações que exerciam, ao passo que em 1906 e 1920, eles informaram apenas a principal delas. Essa distinção metodológica torna a comparação com os dados de 1890 mais problemática, porém, segundo os esclarecimentos prestados na introdução desse recenseamento, poucos indivíduos declararam mais de uma atividade, “contentando-se a maior parte com uma única referência”.88

Ainda no que diz respeito ao método, no recenseamento de 1890 nem todos os habitantes forneceram informações para a construção da tabela “População classificada segundo as profissões”.89 As mulheres que não possuíam ocupação e as crianças não foram contabilizadas, embora a referida tabela contasse com a rubrica “Sem profissão declarada”. Pressuponho, portanto, que ela englobasse apenas homens, subdivididos por raça e nacionalidade. Nenhum esclarecimento a respeito disso foi prestado pelos responsáveis por esse recenseamento. Nos demais inquéritos censitários, todos os indivíduos residentes nos distritos foram incluídos, ainda que sob as rubricas “Sem profissão declarada”, em 1906, e “Profissão não declarada e sem profissão”, em 1920.

Levando em conta apenas os indivíduos ocupados, verificamos que em 1890 faziam parte desse grupo 229.807 habitantes, 90 que correspondiam a 44,3% da população terrestre recenseada. Em 1906, eles totalizavam 485.309, ou 60,3%, e em 1920, 508.250, ou 44,3%. Como o recenseamento de 1890 não contabilizou as ocupações da população total, não farei considerações para compará-lo a 1906. Mas em relação aos demais, duas hipóteses devem ser ponderadas para interpretar a diminuição na proporção de ocupados: a) o decréscimo no número de estrangeiros, verificado entre 1906 e 1920, pois eles vinham para o país majoritariamente

88 Recenseamento de 1890 (DF), p. XXXIX. 89 Ibidem, pp. 408-421.

90 Esse número não levou em conta os indivíduos classificados como “Classes inativas”, que incluía os aposentados e os pensionados.

em idade produtiva; b) a coleta mais criteriosa das informações a respeito do serviço doméstico em 1920. De acordo com Bulhões Carvalho, na introdução desse último censo, em 1906 muitas mulheres foram “indevidamente incluídas na categoria relativa ao serviço doméstico”, correspondendo a “mais de 14% da população recenseada”. Em 1920, os empregados no serviço doméstico atingiram a cifra de apenas 6% da população.91

Outra especificidade do recenseamento de 1890 diz respeito às subclassificações das ocupações. Sexo, raça e nacionalidade foram considerados, porém com combinações diferentes, dependendo da categoria em análise. Por exemplo, no caso do magistério, os dados mostram os nacionais e os estrangeiros para ambos os sexos. Em relação ao sacerdócio, não há subdivisões para as freiras, mas frades e padres estão divididos entre nacionais e estrangeiros. No que diz respeito à indústria, ela estava agrupada entre estrangeiros e nacionais, sendo que os últimos foram subdivididos por raça. Nesse setor, informações sobre sexo não aparecem. Tais características impedem tanto uma visão circunstanciada da participação de homens e mulheres no mercado de trabalho carioca no final do século XIX, como a identificação da representatividade de brasileiros e imigrantes. Elas também prejudicam a comparação com os recenseamentos de 1906 e 1920, já que eles apresentaram a subdivisão de sexo e nacionalidade para todas as categorias.

Feitas essas ressalvas, trato a seguir da composição ocupacional do Rio de Janeiro, entre 1890 e 1920, levando em consideração a padronização das categorias profissionais apresentada na Tabela 1.5. Em vez de subdividi-las em zona urbana e suburbana, optei por considerar o agrupamento existente no recenseamento de 1890, a saber: Cidade Velha, Cidade Nova, Arrabaldes e Subúrbios. Essa divisão mostrou-se mais adequada para perceber a dinâmica espacial das ocupações.92 Desse modo, a comparação das ocupações terá como referência regiões semelhantes ao longo do período de análise, facilitando a visualização do fluxo dos trabalhadores dentro do território carioca. Em alguns casos, o uso dos mapas detalhará a espacialização de grupos de trabalhadores específicos. Vejamos, inicialmente, os dados referentes a 1890:

91 Segundo Bulhões Carvalho, a queda na porcentagem de empregados no serviço doméstico em 1920 se deve não apenas à coleta mais criteriosa dos dados a respeito dessa ocupação, mas também ao crescimento do setor industrial. Cf. Recenseamento de 1920 (DF, V. II), p. CXX.

92 Para ver a composição das regiões em 1890 e 1920, ver nota 70. No que diz respeito a 1906, a diferença em relação a 1920 reside nos “Arrabaldes”, que naquele momento ainda não contava com o distrito de Copacabana.

Gráfico 1.5 – Ocupação dos habitantes, segundo as regiões (Rio de Janeiro, 1890)

Números relativos

Fonte: Tabela A1.5 (Anexos).

Em 1890, a população suburbana tinha predominância nas atividades agrícolas e nas relacionadas à criação, caça, pesca e extração de minerais, como era de se esperar. Dos 11.500 suburbanos que se dedicavam à agricultura, 4.007 residiam na paróquia de Campo Grande, 2.354 em Jacarepaguá e 2.284 em Guaratiba. Inhaúma, que era a mais urbanizada dentre as paróquias suburbanas, tinha apenas 580 trabalhadores agrícolas. Vale ressaltar que 28% desse contingente era formado por brancos (nacionais), 27% por mestiços, 23% por pretos, 13% por caboclos e 9% por estrangeiros.

11,0 10,6 4,8 8,3 9,0 5,7 5,2 6,3 75,4 92,1 27,9 38,6 28,6 35,0 26,6 19,6 18,0 21,4 16,4 5,1 27,5 26,4 26,3 32,2 25,5 24,4 34,2 29,3 0,0 1,8 33,7 24,4 40,2 24,4 38,9 50,2 42,6 43,0 8,2 1,0 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 Serviços Domésticos Pessoas que... Profissionais Liberais Administração Pública Força Pública Comércio Transportes Indústrias Criação... Agricultura

Cidade Velha Cidade Nova Arrabaldes Subúrbios Criação / Caça e

Pesca / Extração de Materiais Minerais

Pessoas que vivem de suas rendas

Dos dez agrupamentos ocupacionais considerados, em sete deles a população da Cidade Velha se destacava, a saber: entre os trabalhadores da indústria, dos transportes, do comércio e do serviço doméstico, além dos profissionais liberais e dos membros da força pública. Tal fato evidencia a concentração da força de trabalho carioca em sua área central no final do século XIX. No caso dos trabalhadores da indústria, dos transportes e do comércio, quanto mais afastados da Cidade Velha, menor a sua representatividade.

O mapa a seguir expressa a distribuição dos trabalhadores da indústria nas diversas paróquias existentes: