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Hegemonia em Ernesto Laclau e Chantal Mouffe

A noção de hegemonia na teoria de Laclau e Mouffe está imersa num contexto em que o discurso se torna elemento principal (Mendonça, 2007). Dessa forma, o estudo referente aos elementos que fundamentam a teoria do discurso permite a compreensão do significado da hegemonia para Laclau e Mouffe.

Para Ferreira (2011, p. 13), “o discurso é o terreno primário no qual a realidade se constitui. Ele toma como pressuposto a ideia de que a linguagem é constituidora da realidade e, portanto, ela só existe dentro de um discurso que a torna possível”. Nesta perspectiva, o discurso é comprendido, torna-se ferramenta constituidora da existência e do significado.

Alves (2010a; 2010b) afirma que o sentido de um determinado evento social se constitui com base em um sistema de relações, cujo estabelecimento se dá por meio do discurso. Todavia, destaca que, diante da complexidade e dinâmica das relações sociais, não há possibilidade de fixação de um sentido único, constitui-se sentidos parciais que são mantidos em determinado espaço de tempo.

Para Laclau & Mouffe (1987), a prática da articulação no discurso se fundamenta no caráter parcial da fixação de significado; o caráter parcial, por sua vez, decorre da abertura do social, o qual provém do contínuo extravasamento do discurso no campo da discursividade. Nesse sentido, o discurso pressupõe a impossibilidade de encontrar o “real”, o “verdadeiro”, o

“correto”, o “objetivo”, bem como a quebra de perspectivas idealistas (Laclau, 1986). Mendonça (2007) destaca que o campo da discursividade é espaço social onde acontecem as disputas discursivas, prática social significativa de natureza material.

Nesta acepção, o significado do discurso é concebido em função das práticas articulatórias entre elementos, ao passo que também modifica as suas identidades – são relações entre os elementos de uma formação discursiva. Dessa maneira, pode-se afirmar que a hegemonia estabelecida por meio do discurso é precária e contingente, porque o discurso fundamentado em práticas articulatórias se configura, conforme Laclau (1986), em uma tentativa parcial de sustentação do sentido.

As relações contemporâneas são norteadas por uma pluralidade de centros constituidores de identidades como implicação de sua complexidade. Tais identidades podem ser hegemônicas num processo de articulação, no processo de constituição do discurso e na disputa pelo significado da realidade (Laclau, 1986).

Todavia, na perspectiva de Laclau, o discurso é concebido como o deslocamento de situações que propiciam a desestrutura, tornando necessário o reestabelecimento do senso de identidade à medida que os elementos de conexão são afrouxados. Em virtude disso, Laclau (1986) concebe o indivíduo como sujeito errante em busca de uma sutura de algo que lhe falta e que ele não é capaz de identificar – quando a identificação do que lhe falta ocorre, ela é percebida como uma aposta num projeto transitório.

A manipulação por meio do discurso e práticas de linguagem determina a posição do dominado e dominador. Ao transpor tal concepção ao sentido da teoria da hegemonia de Ferreira (1986), tem-se a demarcação de atores que possuem posição política alta, a qual é exercida por uma minoria intelectual; e atores que possuem posição política baixa, vivenciada por uma maioria simples – nesta acepção, o discurso é a representação de demandas particulares.

Chia (2000) destaca a dificuldade de compreensão de como uma dada realidade se estabelece em primeiro plano, ou seja, como uma realidade se manifesta hegemônica em detrimento da realidade marginalizada. Tal resposta pode ser explicada tomando por base as práticas discursivas, visto que elas são uma parte da socialização ideológica, e nelas a economia política mais ampla e contextos históricos de hegemonia tornam-se práticas materiais (Boje, Oswick, & Ford, 2004).

Laclau & Mouffe (1987) enfatizam a ampliação da recomposição política e da hegemonia com base na ideia de direção intelectual, corroborando com a necessidade de uma liderança intelectiva e moral para além da aliança de classes, conforme propõe Gramsci.

Permite-se, portanto, o abandono de posturas corporativistas que permitem aos grupos sociais se unirem aos interesses de outros grupos.

A teoria do discurso de Laclau (1986) permite a evidenciação dos pontos de exclusão; esse autor acredita que não se trata de eliminar as formas de poder, dada a impossibilidade e o desejo da existência de múltiplas ideologias. Entretanto, é essencial que essas ideologias sejam desconstruídas e explicitadas. Laclau e Mouffe (1987) acreditam que o estabelecimento de uma relação hegemônica representa a tentativa de constituir uma relação de ordem; desta forma, o discurso hegemônico tem caráter essencialmente sistematizador e aglutinador.

A concepção de Laclau & Mouffe (1987) evidencia a dinâmica da hegemonia, dada a sua incompletude, precariedade e contingência. Ao fazer uma analogia da concepção hegemônica de Laclau e Mouffe com aquelas de Lênin e de Gramsci, Mendonça (2007) destaca que

um elemento decisivo para entendermos a ideia de hegemonia no contexto discursivo é que, não há como necessariamente estabelecermos previsões de quais identidades políticas assumirão papéis de representação social. Não há aqui a “segurança” do projeto político marxista que previa que a entidade proletária assumiria as lideranças moral, intelectual e política da sociedade industrial.

O caráter hegemônico aglutinador, sistematizador e constituidor de ordem não perene, anteriormente citado, infere que a concepção de hegemonia vinculada não pode ser utilizada para descrição ou enquadramento em momento político hegemônico, mas para evidenciar a ausência de ordem política hegemônica do momento em questão.

Figura 4. Estabelecimento da concepção hegemônica em Laclau e Mouffe (1987).

discurso particular (identidade) para representar discursos ou identidades que se encontravam dispersos. A prática articulatória é que constitui e organiza as relações entre o discurso privilegiado (ponto nodal), o qual fixa parcialmente os sentidos dos discursos, vinculando elementos que, inicialmente, não estavam articulados entre si. Destaca-se que, partindo dessa ideia de hegemonia, o ponto nodal de articulação de multíplices identidades se esvazia à medida que incorpora sentidos indeterminados, passando a representar as identidades que a ele se aglutinam.

Mendonça (2007) é contundente ao afirmar que “sem representação não há hegemonia, visto que a relação de representação é o momento em que uma determinada particularidade consegue universalizar seus conteúdos, articulando em torno de si outras particularidades que anteriormente não estabeleciam qualquer elo”. Cada formação hegemônica contém um discurso privilegiado que representa todas as identidades a ele aglutinadas.

O entendimento da proposta de discurso de Laclau, na elaboração de uma realidade, pressupõe a delimitação de categorias centrais, as quais expressam suas concepções. Segundo Ferreira (2011), tais categorias são: o caráter aberto do social, a multiplicidade de posições que podem ser ocupadas por um sujeito na sociedade contemporânea; os antagonismos inerentes às práticas sociais e à teoria da hegemonia, temporariamente estável, para constituição das identidades.

Em Butler (2000) são apresentadas condições ou dimensões necessárias à constituição da hegemonia exposta por Laclau e Mouffe, conforme a seguir:

Tabela 2:

Condições para o estabelecimento da hegemonia em Laclau e Mouffe.

Condições/Dimensões Descrição

Desigualdade de poder A instituição do poder nas mãos de determinado grupo depende da habilidade que possui para apresentar seus objetivos, inicialmente particulares, como compatíveis e representativos com os anseios de outros grupos.

Supressão da dicotomia universalidade/particularidade

Um discurso hegemônico precisa negar e ampliar os seus conteúdos particulares a ponto de coadunar e atrair outros discursos dispersos no campo da discursividade, tornando-se um ponto nodal.

Produção de significantes vazios Os significantes vazios esvaziam-se de conteúdo específico, ainda que de maneira parcial, e se tornam pontos nodais que convergem diversas identidades, as quais se encontravam organizadas entre si, função de sua natureza polissêmica. Destaca-se que há um limite antagônico idêntico para as identidades constituidoras do significante vazio.

Generalização das relações de representação

A representação refere-se ao fato de que o discurso privilegiado “substitui” e “encarna” o representado. Diz-se que a relação de representação ocorre no instante em que um discurso alcança a universalização de seus conteúdos.

complexo ambiente social da contemporaneidade. Ademais, a volatilidade e a dinâmica das relações, estabelecidas entre o discurso privilegiado e as concepções particulares (identidades) na cadeia de equivalências, favorecem a agregação ou afastamento das mesmas. As concepções originalmente antagônicas, que constituem as identidades, dão liberdade para sua aglutinação ou afastamento. Não há qualquer segurança de que o ponto nodal (discurso ou grupo social) consiga articular distintos discursos ou grupos sociais.