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Sobre a opção da teoria hegemônica de Laclau e Mouffe

Esta seção traz à tona a discussão acerca do sentido do termo hegemonia. Consideramos esta discussão como imperativa ao estudo que realizamos, uma vez que delimita o significado de termos como: ideologia, discurso e hegemonia na perspectiva da teoria hegemônica de Laclau & Mouffe (1987), bem como justifica a adoção da mesma como fundamentação deste estudo em detrimento das outras teorias hegemônicas. Não estamos apontando a hegemonia discutida em Laclau e Mouffe como a “melhor” base teórica, mas aclarando a sua aderência à tese que elaboramos. Concomitantemente, provocamos reflexões sobre as inconsistências que as outras teorias poderiam gerar a esse estudo por causa da maneira como o fenômeno hegemônico é aqui interpretado.

Apesar de o termo hegemonia ser bastante difundido nos estudos de Gramsci, Bobbio (1982) considera que este autor complementa as bases teóricas do pensamento de Lênin e

Marx, trazendo contribuições adicionais. O próprio Gramsci considera que o conceito histórico-político de hegemonia foi a mais significativa contribuição de Lênin.

Na perspectiva leninista, a hegemonia expressa a necessidade de possuir na maioria das classes subalternas (massa camponesa), questão central a ser resolvida teórica e politicamente pelo proletariado e seu partido político. De acordo com Paiva (2001), tal perspectiva possui visão reducionista fundada na ideia de estrutura social a partir de uma determinante econômica (plano político).

Na formulação gramscista de hegemonia há o deslocamento do fundamento do plano político para o da supremacia fundada na formação econômico-social (cultura, ideologia e direção moral). Neste sentido, a hegemonia se expressa: pelo domínio e pela direção intelectual e moral. A primeira se estabelece por função coercitiva e a segunda por meio ideológico, constituindo a função propriamente hegemônica. Segundo Gramsci (1995; 1999) e Katz (2006), o sentido da hegemonia ideológica, comum às sociedades modernas, configura- se no exercício do poder instituído por meio de consenso, das alianças e do convencimento no âmbito cultural em detrimento da violência.

Para Portelli (1977), a essência da hegemonia em Gramsci se cristaliza na formação de um bloco ideológico que dá condições de supremacia e permanência no poder à classe dirigente, cujo potencial de atração garante a adesão das demais camadas de intelectuais, materializando a manutenção do monopólio intelectual. Ao considerarmos a hegemonia como a concepção de mundo que impera, podemos afirmar que na medida em que o processo de unidade de uma concepção se estabelece a hegemonia é também estabelecida. No contexto da hegemonia, esse processo se caracteriza como a interação estabelecida entre dirigentes e subordinados no sentido de manter a ordem na atenção de seus interesses.

Entendemos que a teoria hegemônica de Gramsci é uma evolução do pensamento marxista por deixar de tratar a ideologia negativamente como “falsa consciência” e passar vislumbrá-la como “visão de mundo” sob a ótica das classes sociais. Ademais, apesar de conceber a sociedade estratificada em classes, o seu conceito de ideologia também elimina a problemática reducionista, uma vez que os elementos ideológicos articulados pela classe hegemônica não têm uma pertinência, uma classe específica – os intelectuais, que são responsáveis pelas concepções hegemônicas, podem se originar de qualquer classe social.

Nesta perspectiva, os intelectuais têm a função de integrar os conceitos para concepção de uma nova compreensão de mundo e comportamento. Gramsci (1999) entende a academia como organização cultural de sistematização, expansão e criação que trabalha para

elevar a intelectualidade das camadas populares e formar elites capazes de modificar o panorama ideológico de uma época. Essa concepção é tomada por nós nesta tese, todavia não compreendemos que esse agrupamento de intelectuais se dê especificamente em função de sua classe social.

No primeiro instante da pesquisa, pensamos adotar a teoria da hegemonia de Gramsci como lente teórica desta investigação. Porém, apesar de ela ser o fundamento da teoria que adotamos, percebemos no decorrer do estudo que a mesma não era tão aderente quanto à teoria hegemônica de Laclau e Mouffe ao estudo que realizamos em função de adotarmos como corpus de análise o discurso de artigos científicos definitivos da área contábil. A teoria de Gramsci pressupõe uma sociedade estratificada em classes sociais sobre as quais se exerce poder de coerção e/ou ideológico para o estabelecimento da hegemonia. Todavia, em Laclau e Mouffe (1987) a hegemonia é lastreada em adesão ideológica e estabelecimento de um grupo dominante que atrai adeptos em função da adesão ao discurso do mesmo, ou seja, a hegemonia é estabelecida por meio de aderência a uma concepção de mundo e representatividade intelectual e não guarda relação com classes sociais como em Gramsci.

A atenção de Gramsci se volta à discussão acerca das diferenças estruturais nas formações sociais como fator que explica a dificuldade de conquista do poder em sociedades capitalistas avançadas – a exemplo daquelas situadas no Ocidente (Coutinho, 1999). Para ele, quanto mais “evoluída e organizada” a sociedade, maior resistência será encontrada para destituir o pensamento predominante estabelecido. Neste sentido, o pensamento gramscista vai ao encontro da nossa maneira de pensar sobre o estabelecimento da pesquisa na área contábil, visto que há uma “organização” e “sistematização” hegemônica estabelecida institucionalmente que compactua entre si com a forma de pensar e fazer ciência, impelindo os grupos de pesquisadores (conforme descrevemos na Introdução) a se posicionarem desta ou daquela maneira diante das imposições do sistema.

Acreditamos que a capacidade de produzir conhecimentos é um dos aspectos determinantes da distribuição do poder econômico-político e, atualmente, é uma das maneiras mais eficientes de manutenção do poder hegemônico, já que o desconhecimento/ignorância torna-se arma de imposição ideológica. Além disso, a imposição ideológica pode prejudicar a capacidade crítico-reflexiva dos indivíduos – fato bastante agravante para um país que necessita tomar os rumos do desenvolvimento como o nosso – a este respeito Goergen (1998) ressalta que as nações com melhor índice de produção de conhecimentos posicionam como líderes da economia.

do cárcere teoriza o que já se conhece como soft power – poder que mantém a sua autoridade, sem a necessidade de coerção violenta – e faz alusão à questão ideológica. Tal ideologia não pode ser imposta, porque ela pressupõe uma cumplicidade ativa por parte de quem é administrado; tais condições tornam impossível a ocorrência de revolução, ou pelo menos tornam altamente improvável. Esta ideologia cúmplice consolida a hegemonia, e é esta concepção que trazemos à tona ao tratar do discurso científico; em nossa opinião há um acordo tácito e, ao mesmo tempo, indução a um pensamento de ciência que não deixa espaço para a inovação e consequentes contribuições. A união de crenças, convicções ou ideias que determinam as ações, ligadas a um grupo particular ou não, consubstancia a hegemonia ideológica de Laclau & Mouffe (1987), os quais afirmam que o papel de qualquer política é derrubar o estado das coisas para dar lugar a uma nova ideologia em substituição à anterior em função de determinados interesses do grupo – a concepção marxista vai de encontro do pensamento de Laclau e Mouffe por considerar que se trata de consciência de classe e não aquela representativa de um grupo.