• Nenhum resultado encontrado

Práticas que organizam a divulgação do conhecimento

Além de expressar aderência à política editorial de um periódico e aos aspectos de cientificidade consolidados em determinada área de conhecimento, a publicação de um artigo científico representa a difusão de ideias e achados pactuados por atores que, direta ou indiretamente, contribuem para a constituição do discurso proferido. Segundo Frezatti, Nascimento e Junqueira (2009, p. 7), “... o sistema de publicação funciona dentro dos paradigmas estabelecidos pelos periódicos, o que torna a inovação um risco quando o construto teórico e metodológico fugir do mainstream estabelecido”. Com base na ideia dos autores, entendemos que as normas e as perspectivas estabelecidas pelo periódico tanto podem favorecer a um dado universo de pesquisa, quanto podem limitar o avanço do conhecimento e exploração de temas emergentes. Essas limitações favorecem a discursos repetitivos, cujo foco de análise torna-se trivial, promovem poucos debates intelectuais e tornam mais lento o crescimento da área.

A mencionada difusão tem sido matéria relevante na agenda da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração [Anpad] ,a qual elaborou um manual de orientação de boas práticas de pesquisa, objetivando “ajudar os periódicos brasileiros a alcançar elevado desempenho e a ampliar o seu impacto como fonte de pesquisa referencial nas áreas de Administração e Contabilidade” (Anpad, 2010, p. 1). A perspectiva dessa associação é de que, ao adotar tais práticas, essas áreas se firmem como campo de produção do conhecimento.

A estrutura da equipe editorial e sua relevância para a continuidade, a qualidade e a cientificidade das produções de um periódico científico são assuntos abordados no mencionado manual. Nessa abordagem, o elemento central da referida estrutura é o Conselho

Editorial, o qual imprime sua concepção de mundo a outros pesquisadores à medida que delineiam as linhas de pesquisa, caracterizam e selecionam textos baseados em determinado rigor científico. É interessante tratarmos sobre o fato de que essa concepção ou “rigor científico” é apenas uma dentre as possibilidades de expressão da forma de conceber a ciência, a qual representa um grupo hegemônico circunstanciado em um tempo histórico que delimita seu espaço ideológico ou, até mesmo, desbrava e conquista territórios que sequer foram explorados. Acreditamos que as hegemonias culturais/ideológicas são estabelecidas em determinadas áreas de conhecimento por causa da negligência, apatia ou descomprometimento de indivíduos, ou seja, falta de visões alternativas plausíveis que ofereçam contraponto.

Não nos cabe, portanto, conceber como “boas” ou “ruins” as práticas científicas apresentadas. Pensamos que o termo “boa” já traz em si um pré-conceito em relação a outras formas de concepções científicas. Todavia, desde a década de 90, momento da aceleração das publicações, até 2010, ano de publicação do manual de “Boas Práticas da Publicação Científica”, não havia um tratamento objetivo para a área de Administração e Contabilidade sobre as especificidades nele contidas. Em vez de ponderarmos sobre a existência de práticas “boas” ou “ruins”, focalizaremos no fato de que o que se entende por boa prática, por vezes, corresponde a um determinado modelo de ciência a ponto de nos sentirmos por ela representados e a ela representar.

Para Oliveira (2002), a aceleração da publicação em periódicos científicos, anteriormente mencionada, se deu em consonância com a avaliação quantitativa da produção científica pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), bem como com o surgimento da pós- graduação. Mas, segundo a autora, a qualidade – mensurada com base em padrões internacionalmente considerados relevantes – ainda era incipiente. Em decorrência dessas constatações, nossa interpretação primeira é de que a publicação contábil brasileira foi dinamizada em função de circunstâncias que pouco favorece a organização estrutural dos periódicos e a própria maturação da pesquisa são “produções oportunistas”.

Entendemos que produções maturadas decorrem de projetos de pesquisas que se solidificam no decorrer de um tempo relativamente maior que aquele necessário para atender às prerrogativas impostas e gozar dos ditos incentivos de carreira oferecidos aos docentes. Além disso, entendemos também que há uma necessidade política do grupo hegemônico de atenção a características a que a autora se refere como “aquelas internacionalmente consideradas” para fins de aceitação e visibilidade internacional dos estudos nacionais, uma

subordinação/vinculação ideológica. Segundo Frezatti et al (2009, p. 7), “os tempos de crescente globalização exigem que os pesquisadores estejam muito atentos ao desenvolvimento dos demais centros, não apenas acompanhando contemplativamente, mas trazendo contribuições”. A nosso ver, o maior problema na área contábil centra-se no fato de que os centros internacionais de pesquisa científica a que direcionamos nosso olhar, vislumbrando paridade ou contribuições, em geral, nada ou quase nada têm de similaridade com o Brasil, vivem situação histórica, social, política, econômica e cultural, extremamente, distinta daquelas que enfrentamos.

Retomando a discussão sobre a publicação de conhecimento científico, temos que tanto a concepção do autor sobre a publicação científica, quanto sobre as regras impostas pelo periódico, veículo responsável pela disseminação de conhecimentos científicos, refletem (ou deveriam refletir) sobre a decisão do pesquisador ao submeter um artigo à avaliação de determinada revista científica. Desta maneira, ou o autor se sente contemplado pelo periódico em função das concepções que coaduna e submete o seu trabalho, ou o autor se sente “obrigado” a comungar das ideias impostas para disseminar as suas próprias e atender às prerrogativas imperativas de avaliação, ou o autor se sente demovido de apresentar suas contribuições científicas e não as publica, se cala.

Cordeiro (2008, p. 1) entende o periódico científico como lugar de veiculação de um discurso prescritivo, uma prescrição materializada nas “... opções que resultam em escolhas do que se diz e do que não se diz, do que se publica e do que não se publica ...”. Neste sentido, são expressas as formas mais legítimas e adequadas de produção científica por meio das temáticas prediletas, teorias de base, autores e linhas de pesquisa, por exemplo. Segundo esse autor, as convenções apresentadas acabam por demarcar territórios específicos, tanto no campo intelectual mais amplo, quanto em campo intelectual restrito. Tensões ideológicas que enriquecem e favorecem ao desenvolvimento e estudo em uma área de conhecimento.

Assim, ao imprimir sua concepção de mundo, o Conselho Editorial, representado significativamente na pessoa do Editor do periódico, promove a formação de três grupos: o primeiro, constituído por simpatizantes das ideias hegemônicas (conformidade com sua visão de mundo); o segundo, por marginalizados (anti-hegemônico em função de suas próprias concepções) e, paralelamente; o terceiro grupo, constituído por seguidores que não chegam a trazer contribuições para a área. Este terceiro grupo deve ser alvo de preocupação por formadores, pois se constitui como grupo por se tornar adepto daquilo que os discursos acadêmicos propõem como verdades para o seu tempo. Quanto aos simpatizantes e aos marginalizados, podemos pensar que se trata de opções epistemológicas diferentes; no

entanto, o terceiro grupo é basicamente resultado de falta de formação. Por isso Morin (2005, p. 150) afirma que “... é preciso deixar de sonhar com uma ciência pura, uma ciência libertada de toda ideologia”, afinal, seja por meio dos métodos e temáticas adotados, seja por meio das ideias discutidas, os autores constroem uma retórica científica, cuja aderência às ideologias do periódico (objetivos e missão) se manifesta no aceite encaminhado aos mesmos pelo editor.

Conscientes de que o periódico científico está impregnado por uma ideologia representativa do pensamento de um grupo de intelectuais de determinada área de conhecimento, buscamos conhecer a Revista Contabilidade & Finanças – aspectos relacionados à sua Política Editorial e a Equipe Editorial, bem como alguns artigos por ela publicados. Tomamos tais aspectos como significativos para análise porque acreditamos que contribuem para a constituição de uma identidade ao conhecimento científico produzido e publicado pela área contábil.