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5 CONSIDERAÇÓES FINAIS 159 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

3. A (DES)ALTERIDADE DESDE A DIPLOMACIA DA FRONTEIRA.

3.3. HOMOGENEIZAÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) CHILENA(S) Minha bandeirinha chilena,

3.3.1 Hegemonização do poder:

As relações de subalternização do poder são uma matriz que tem imbricações históricas, políticas e econômicas bem marcadas entre as relações Estado do Chile e povo Mapuche. Isto se faz visível em muitos âmbitos, mas talvez um dos mais representativos seja o processo de desterritorialização forçada a partir da segunda metade do século XX, que se consagra como mecanismo coercitivo com as políticas de “reduções”.

O historiador Mapuche Victor Toledo Llancaqueo sintetiza este processo dizendo que:

Para os Estados (Chile e Argentina), a invasão republicana do território mapuche significou a incorporação a sua soberania de vastas extensões geográficas, a apropriação de terras e riquezas, e a solução das diferenças limítrofes, consolidando suas respectivas fronteiras externas. Após a ocupação, formaram-se novas estruturas territoriais. Estabeleceram-se modelos geopolíticos urbano-regionais, de poder e ocupação, que subordinaram os assentamentos indígenas, e integraram as terras e os recursos para responder às grandes crescentes demandas internas e às necessidades de expansão das fronteiras agrícolas e pecuárias, com visas à exportação de trigo e lã. (Toledo Llancaqueo, 2006, p.27)

Este processo começa após a derrota na “Pacificação da Araucania”, legitima-se a partir do marco jurídico, como aponta Saavedra (2002), sob a lei de 1866 de propriedade indígena, a expropriação de suas terras, passando a ser propriedade fiscal e a concessão de “títulos de mercê” (reduções) onde o Estado, no Chile, incorporou mais de 5 milhões de hectares, Argentina consideravelmente mais.

Conformaram-se reservas indígenas onde se radicou a população Mapuche sobrevivente à “Pacificação”. Este processo decantou na concessão de terras a imigrantes europeus, nas políticas de colonização propiciadas pelo estado, na concessão de terras aos militares que participaram na exitosa “Pacificação” e no remate de terras, o que

possibilitou a latifundização e uma identidade terratenente da oligarquia nacional22.

Como mostra Bengoa (1998) e Pinto (2003) com o advento do século XXI as terras concedidas pelos “títulos de mercê” (reduções) começariam a ser usurpadas por particulares Winkas, não Mapuches.

Este processo de desterritorialização e de redução significou transformações radicais dentro da sociedade Mapuche. Determinou um campesinato forçado através de uma agricultura de subsistência (recordemos que após as políticas de parlamento o povo mapuche se levantava com uma grande rede comercial mercantil, articulando a Araucania, Las Pampas, a capitania do Chile e o vice-reinado do Prata) constituindo-se na marginalidade e pobreza do devir deste progresso republicano.

O antropólogo mapuche Enrique Antileo (2010) aponta que este processo de usurpação de terras nas reduções, a desterritorialização, a falta de acesso a recursos naturais e os graus de pobreza aos que são condenados os Mapuches exercem influência no processo de diáspora às grandes cidades. Recordemos que um terço da população mapuche hoje em dia reside em Santiago, conformando outro gueto de exclusão e marginalidade. A organização Mapuche Meli Wixan Mapu em uma análise da realidade mapuche urbana aponta que:

Sem dúvida, o fenômeno migratório está relacionado com a história de despojo e usurpação que viveu nosso povo. A escassez de terras e as más condições de vida que caracterizavam as comunidades na primeira metade do século XX (padrão que continua repetindo-se hoje), obrigaram a muitas famílias a transladar-se às cidades, buscando novas portas e sonhos que, ao parecer, com o passar dos anos se viram truncados. (Meli Wixan Mapu, 2005, p1)

O processo de desterritorialização se marca ontem e hoje em dia dentro desta idéia de colonialidade do poder, através do progresso e da política “civilizatória” do território, reconfigurando o ordenamento na distribuição do trabalho. Enquanto o homem branco colono europeu e a oligarquia chilena se convertem nos grandes terratenentes, o homem

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Para maior informação ao respeito pode consultar-se: Salazar, Gabriel (2000) Labradores, peones y proletarios: formación y crisis de la sociedad popular chilena del siglo XIX. Santiago: Ediciones LOM.

indígena, Mapuche, deve assumir uma economia agrária de subsistência, extremamente precária, forçando ao êxodo às grandes cidades. Hoje em dia este choque se encontra tão vigente como antes. Centrais hidrelétricas, atividades mineiras e a grande indústria florestal que se estende cada dia mais de forma preocupante por territórios ancestrais mapuches dão conta de um modelo econômico voraz que nega a existência de outras alteridades de vida humana como naturais, alienando tanto o uso da terra como seus recursos.

Realizando uma analogia com um artigo que escrevi há um par de anos, “A história de uma identidade que não tem onde viver” (Ramírez, 2005), podemos ponderar que os processos de modernização são antropofágicos com os outros modos de ser, onde parece que o progresso e a modernização justificam os meios.

Dentro das observações realizadas durante o estudo empírico, em estudo de campo (Santiago do Chile, setembro e outubro 2010), acompanhei muitas das mobilizações e atividades das organizações mapuches. Neste momento um dos temas mais contingentes que me tocou acompanhar foram os protestos em apoio a 34 comuneiros Mapuches em greve de fome, reclusos em diferentes cárceres do país, pedindo um julgamento justo, de acordo com os marcos jurídicos internacionais subscritos pelo Chile com respeito a seus povos indígenas e a derrogação da lei anti-terrorista pela qual estavam sendo processados.

Grande parte das acusações realizadas se marca dentro do processo de recuperação de terras ancestrais usurpadas pela constante expansão da indústria florestal e um sistema econômico que os extingue como povo. Dentro deste contexto de reterritorialização muitos destes comuneiros mapuches encarcerados, o foco tem sido as grandes indústrias florestais, das quais queimam maquinaria e retomam possessão de muitos hectares de terras. Dentro das protestas realizadas durante setembro e princípios de outubro, uma das coisas que reivindicavam transversalmente as organizações Mapuches era a problemática da terra, elemento constitutivo de sua própria identidade Mapuche (gente da terra), mais além de uma concepção de um espaço físico produtivo, e sim como um espaço de vida onde se estabelecem os elementos fundamentais para o desenvolvimento como povo e cultura.

A hegemonia do poder neste contexto se constitui pela racialização dos usos do solo, sustentando-se em um modelo produtivo e econômico que perpetua diferenças, e portanto, potencializa a exclusão de grupos étnicos e culturais que se situam à margem da dinâmica do capital.

A colonialidade do poder neste contexto se desmembra por um lado na constituição de uma identidade chilena alheia à sua realidade indígena e por outro, na própria existência do Estado, como figura política e jurídica fixa, centralizadora e homogeneizadora que subalterniza os povos que o compõe. Antileo compartilha uma importante reflexão durante a entrevista realizada em outubro de 2010, ponderando que o povo Mapuche e os povos indígenas em geral no Chile atual, permanecem numa situação de colonialismo, refletido no poder que ostenta o Estado e sua estrutura que não os reconhece e os excluem, especificando que:

Deve-se mudar a estrutura do estado e conceber que possa existir mais de uma nação, mais de uma forma de justiça, mais de uma forma de saúde, mais de uma forma de educação. E que não se reconheça no marco do folclórico, do lindo, mas no marco político como é uma nação, temas tais como multinacionalidade, pluriculturalidade, plurisoberania nos territórios. Então o tema é que sabemos que isto existe e que em algum momento vai acontecer. Mas sabemos que para que o estado se refunde, terá que ser a partir de um movimento social muito mais amplo, onde vamos necessitar que se some a sociedade chilena, porque também compete a eles reflexionar sobre este tema, e como conceber-se dentro deste estado. (Antileo, entrevista)