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5 CONSIDERAÇÓES FINAIS 159 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

3. A (DES)ALTERIDADE DESDE A DIPLOMACIA DA FRONTEIRA.

3.3. HOMOGENEIZAÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) CHILENA(S) Minha bandeirinha chilena,

3.3.4 Homogeneização Cosmogônica:

Este mecanismo de homogeneização está diretamente relacionado aos 3 mecanismos antes mencionados. A assimilação de uma cosmogonia ocidental está principalmente sustentada na paganização, satanização, negação, evangelização e folclorização da cultura Mapuche, onde as três instituições mais importantes que propiciaram este processo são o Estado, a Igreja e a Escola.

O processo de subalternização cosmogônica teve aspectos similares dentro da América espanhola, a negação dos cosmo- entendimentos dos povos indígenas que foram deslocados pelo exercício e instauração da “Razão” e do “Cristianismo” estabelecendo uma inferiorização, dos construtos indígenas. O exército de libertação Zapatista (EZLN) em um de seus comunicados, conta como os povos indígenas vivem isto, dizendo que:

Para eles, nossas histórias são mitos, nossas doutrinas são lendas, nossa ciência é magia, nossas crenças são superstições, nossa arte é artesanato, nossos jogos, danças e vestidos são folclore, nosso governo é anarquia, nossa língua é dialeto, nosso amor é pecado e baixeza, nosso andar é arrastar-se, nosso tamanho é pequeno, nosso físico é feio, nosso modo é incompreensível. (EZLN, 2001.)

Como podemos ver, este deslocamento cosmogônico, não é alheio a outras formas de subalternização construídas, pois ele precisa do controle do poder como elemento coercitivo, do controle do ser como elemento de inferiorização e do controle do saber como elemento de exclusão. Entender as especificidades da cosmogonia Mapuche, para um alguém colonizado como eu, pode se tornar um exercício pouco sério, pelo que só descreveremos alguns elementos básicos.

Neste sentido se faz pertinente citar dois elementos próprios da identidade e sua cosmogonia, que se consagram no “Admapu” e no “Küme Mogem”. O Admapu corresponde à organização do sistema de crenças, abarcando um amplo espectro, social, jurídico, religioso e espiritual, articulando nesta trama tanto a seus antepassados, natureza e sua deidade maior, Ngünechen, estabelecendo uma interrelação

constante. Rolf Foerster (1995) em seu estudo “Introducción a la religiosidad Mapuche” realiza uma transposição bastante didática para que nós não Mapuches possamos entender aspectos relevantes de sua cosmogonia.

Como primeiro elemento importante que assinala está o aspecto preponderante que ostenta a terra (Mapu), para a constituição de cosmovisão do mundo, onde se esta fica ausente, a construção fica incompleta e o cosmos deixa de ter sentido. O homem neste sentido possui uma relevância e responsabilidade cósmica no cuidado e uso de Mapu. A terra tem uma condição sagrada, pois é um dom de Ngünechen, é onde viveram e descansam seus antepassados (Foerster 1995). Esta noção de equilíbrio e reciprocidade que o Mapuche entrelaça entre distintos mundos, que para nós ocidentais se encontram fragmentados e separados, para eles fazem parte de um todo. É por isso que cuidar a terra, fazê-la produtiva de maneira sã, e hoje em dia recuperá-la, instala-se dentro de formas indivisíveis de como manter a harmonia dentro de sua configuração cosmogônica.

Como outros povos indígenas latino-americanos, a harmonia e a responsabilidade cósmica desta cosmogonia se materializa dentro das formas de um “Bom viver” ou “Küme Mogem”, que no mundo Quechua é conhecido como “Sumak Kawsay”, no Aymara como “Suma Qamaña”, e no Guarani como “Ñande Reko”. Huanacuni (2010) problematiza esta noção de “Bom viver” ou “viver bem”, que não é uma conceitualização que interpela ao bem comum, que se instala como norma valorativa entre os seres humanos, mas que este “bem viver” perspectiva em cuidar e preservar o equilíbrio de tudo o que existe.

Dentro do Mapuche existe uma articulação complementária de todos os elementos em sua cosmovisão, indivíduos, espiritualidades, terra, etc. Huamani propõe dois planos para entender como se perspectiva o Küme Mogem. O primeiro está dado pela reciprocidade que existe na relação do ser humano com o sagrado e o sobrenatural, onde é de suma importância manter o equilíbrio com a terra, os ancestrais e Ngünechen. Neste sentido é que toma relevância o estabelecimento de relações de reciprocidade e respeito em suas práticas sociais, culturais e econômicas. E um segundo plano que corresponde à categorização que realizam do mundo, conformando pólos opostos e complementários, onde homem e natureza fazem parte desta dualidade, e desde onde se perspectiva sua transcendência. É por isso que entender, por exemplo, o Konalen ou a “saúde” dentro do mundo mapuche implica entendê-lo como o equilíbrio desde a complexidade que ostenta

a complementaridade o equilíbrio biológico e psico-social. Huamani afirma que:

Quando existe a desordem em diferentes âmbitos da cultura, isto repercute no indivíduo, mais especificamente em seu corpo. Mas este não é um elemento isolado. Na cosmovisão mapuche não se trata somente de um bom funcionamento biológico, também tem relação como o universo sagrado religioso, com o mundo sócio-econômico e ecológico. O intercâmbio entre o interno e externo do corpo é contínuo. (Huamani, 2010, p. 27)

Por isso, colocar em conflito o social, o sagrado e o sobrenatural, significa um importante desequilíbrio que repercute diretamente em seu bem estar. Por isso não é casualidade que os Mapuches se reconheçam como a gente da terra, pois ela é um elemento fundamental para entender o mundo. Walsh (2008) propõe que a colonialidade da cosmogonia se dá a partir de fragmentações dos mundos sociais, biológicos, físicos, naturais, sagrados, mágicos, espirituais, etc. Impondo um entendimento binário deles e em oposição, bem/mal, saúde/enfermidade, que são próprios do mundo ocidental. Esta colonialidade se representa na deslegitimação dos entendimentos indígenas, através da banalização, paganização e folclorização.

Sem dúvida a cosmogonia Mapuche é muito mais complexa do que aqui apresentamos, rica em muitos outros elementos que pessoalmente me são difíceis de entender desde minha posição de um alguém colonizado. A intenção principal de apresentar estes pontos é para ponderar a importância da terra como elemento que nos permita entender o porquê da tenacidade de lutar por ela, como vimos, por exemplo, no desenvolvimento histórico no ponto anterior, e também para ajudar a entender a constante demanda de recuperação e reocupação de terras, onde se marca hoje um dos conflitos com o Estado e as grandes empresas privadas. O povo Mapuche repreende constantemente o Estado e o modelo econômico pela forma depredadora em que se exploram os recursos naturais. Talvez dois dos conflitos mais evidentes nos últimos 20 anos sejam a partir da central hidrelétrica Ralco e a expansiva indústria florestal, o que desestabiliza

profundamente a forma relacional e complementária que eles têm para entender o mundo e entender-se no mundo25.

25

Para maior informação a respeito pode-se consultar: Toledo Llancaqueo, Víctor (2006) PUEBLO MAPUCHE Derechos colectivos y territorio: Desafíos para la sustentabilidad democrática. Santiago de Chile: LOM Ediciones e o filme documentário, “Üxüx xipay” (El Despojo) Dauno Tótoro, 2009)

4 ESTADO, EDUCAÇÃO E INTERCULTURALIDADE: VISÕES,