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de Helen Keller com o Dr Alexander Graham Bell,

No documento A HISTÓRIA DA MINHA VIDA (páginas 61-67)

O Dr. Bell ia a toda parte conosco e me descrevia de modo encantador os objetos de maior interesse. No edifício dos aparelhos elétricos, examinamos os telefones, autofones, fonógrafos e outras invenções, e ele me explicou como era possível mandar uma mensagem pelos fios que zombavam do espaço e sobrepujavam o tempo, e, como Prometeu, retiram fogo do céu.

Visitamos também o departamento antropológico e fiquei muito interessada nas relíquias do antigo México, nos toscos instrumentos de pedra que freqüentemente são o único registro de uma era - os simples monumentos dos iletrados filhos da natureza (assim pensava eu ao tocá-los) que pareciam destinados a durar enquanto os memoriais de reis e sábios desmoronavam na poeira-, e nas múmias egípcias, que eu evitava tocar. Dessas relíquias aprendi mais sobre o progresso do homem do que tenho lido ou sabido desde então.

Todas essas experiências acrescentaram muitos termos novos ao meu vocabulário, e nas três semanas que passei na feira dei um grande salto do pequeno interesse infantil em contos de fada e brinquedos para a apreciação do verdadeiro e do sério no mundo do trabalho cotidiano.

CAPÍTULO XVI

Antes de outubro de 1893, eu estudara vários assuntos por minha conta de um modo mais ou menos superficial. Li as histórias da Grécia, de Roma e dos Estados Unidos. Tinha uma gramática francesa com letras em relevo e, como eu já sabia um pouco de francês, geralmente me divertia compondo em minha mente exercícios curtos, usando as palavras novas com que eu esbarrava e, na medida do possível, ignorando regras e outras tecnicalidades.

Cheguei mesmo a tentar dominar, sem ajuda, a pronúncia do francês, enquanto achava todas as letras e sons descritos no livro. Claro que isso era obrigar conhecimentos diminutos a atingir fins maiores, mas deu-me algo para fazer num dia chuvoso, e adquiri um conhecimento suficiente de francês para ler com prazer as fábulas de La Fontaine, Le médecin malgré lui (Médico à força) e trechos de Athalie.

Também dediquei um tempo considerável à melhora de minha fala. Eu lia alto para a srta. Sullivan e recitava passagens de meus poetas favoritos, que decorara; ela corrigia minha pronúncia, ensinando-me o fraseado e a inflexão. Contudo, só em outubro de 1893, depois que me recuperei da fadiga e do alvoroço da visita à Feira Mundial, comecei a ter aulas sobre assuntos especiais em horas fixas.

Nessa época, a srta. Sullivan e eu estávamos em Hulton, Pensilvânia, visitando a família do sr. William Wade. 10 O sr. Irons, um vizinho deles, era um grande erudito do latim; combinou-se que eu devia estudar com ele. Lembro-me dele como um homem de rara afabilidade e ampla experiência. Ensinou-me principalmente a gramática latina, mas me ajudava com freqüência na aritmética, que eu achava tão irritante quanto desinteressante. O sr. Irons também leu comigo o In memorian (In memoriam: an authoritative text, backgrounds and sources, criticism. In memoriam: texto de autoridade, antecedentes, fontes e crítica) de Tennyson. Eu lera muitos livros antes, mas nunca de um ponto de vista crítico.

Aprendi pela primeira vez a conhecer um autor, a reconhecer seu estilo como reconhecia o apertar de mão de um amigo.

No início eu não tinha vontade de estudar gramática latina.

Parecia absurdo perder tempo analisando cada palavra com que me deparava - substantivo, genitivo, singular, feminino - quando seu significado era bem comum. Achava que poderia muito bem descrever meu animal de estimação a fim de conhecê-

lo - ordem, vertebrado; divisão, quadrúpede; classe, mamífero; gênero, felino; espécie, gato; indivíduo, Tabby. Mas à medida que entrava mais profundamente no assunto ficava mais interessada, e a beleza da linguagem me encantou. Divertia-me com freqüência lendo trechos latinos, escolhendo palavras que eu entendia e tentava obter um sentido com elas. Nunca deixei de gostar deste passatempo.

Acho que não há nada mais belo do que a fuga evanescente de imagens e sentimentos apresentados por uma linguagem com a qual acabamos de nos familiarizar - idéias que perpassam pelo céu mental, moldadas e coloridas pela caprichosa fantasia. A srta. Sullivan sentava-se a meu lado durante as aulas, soletrando em minha mão tudo que o sr. Irons dizia e procurando novas palavras para mim. Eu começara a ler A guerra da Gália, de César, quando voltei para minha casa no Alabama.

CAPÍTULO XVII

No verão de 1894, assisti à reunião da American Association to Promote the Teaching of Speech to the Deaf, em Chautauqua. Foi combinado que eu deveria ir à Wright-Humason School for the Deaf, na cidade de Nova York. Fui para lá em outubro de 1894, acompanhada pela srta. Sullivan. Essa escola fora escolhida especialmente com o objetivo de obter as maiores vantagens em cultura vocal e treinamento na leitura labial. Além de meu trabalho nesses assuntos, durante os dois anos em que estive na escola estudei aritmética, geografia, fisica, francês e alemão.

Srta. Reamy, minha professora de alemão, sabia usar o alfabeto manual, e depois que dominei um pequeno vocabulário, conversávamos em alemão sempre que tínhamos oportunidade.

Em poucos meses eu podia entender quase tudo que ela dizia.

Antes do final do primeiro ano li Guilherme Tell, encantada. Na verdade, acho que fiz mais progressos em alemão do que em qualquer dos meus estudos. Achei francês muito mais difícil. Eu o estudei com madame Olivier, uma senhora francesa que não conhecia o alfabeto manual e que era obrigada a dar suas instruções oralmente. Eu não conseguia ler seus lábios com facilidade; assim, meus progressos ficaram muito mais lentos do que em alemão. Contudo, consegui ler Le médecin malgré lui de novo. Era muito divertido, mas eu não gostei dele, nem de longe, tanto quanto gostei de Guilherme Tell.

Meu progresso em leitura labial e fala não era o que minhas professoras e eu tínhamos esperado. Minha ambição era falar como as outras pessoas, e minhas professoras acreditavam que isso podia ser conseguido; mas embora trabalhássemos arduamente e com fé, não chegamos a alcançar nosso objetivo. Acho que este era elevado demais e por isso a decepção foi inevitável.

Eu ainda encarava a aritmética como um sistema de armadilhas.

Debruçava-me na perigosa fronteira da "adivinhação", evitando, com problemas infinitos para mim e para os outros, o largo vale do raciocínio. Quando não estava adivinhando eu concluía, e essa falta, além de minha própria estupidez, agravou minhas dificuldades mais do que era certo ou necessário.

Entretanto, embora tais desapontamentos às vezes me causassem grande depressão, eu prosseguia meus outros estudos com inarredável interesse,

especialmente geografia fisica. Era uma alegria aprender os segredos da natureza: como - na pitoresca linguagem do Velho Testamento - os ventos são feitos para soprar dos quatro cantos dos céus, como os vapores se levantam dos confins da terra, como os rios são escavados entre as rochas e as montanhas viradas pelas raízes e "de que maneira" o homem pode sobrepujar forças mais poderosas do que ele. Os dois anos em Nova York foram felizes e lembro-me deles com verdadeiro prazer.

Lembro-me especialmente das caminhadas que fazíamos juntos no Central Park, a única parte da cidade que combinava comigo. Nunca perdi um centímetro do meu encantamento com esse maravilhoso parque. Eu adorava que ele me fosse descrito cada vez que entrava nele, pois era lindo em todos os seus aspectos; e estes eram tantos que o parque era bonito de modo diferente a cada dia dos nove meses que passei em Nova York.

Na primavera, fizemos excursões a vários lugares interessantes.

Navegamos pelo rio Hudson e perambulamos por suas margens verdes, em que Bryant adorava cantar. 11 Eu gostava da grandeza simples e selvagem dos altos rochedos. Entre os lugares que visitei estavam West Point, Tarrytown, lar de Washington Irving, onde andei pelo "Vale Adormecido".

Os professores na Wright-Humason School estavam sempre planejando como poderiam dar aos alunos todas as vantagens usufruídas pelos que ouvem - como poderiam aproveitar as poucas tendências e lembranças passivas no caso das crianças pequenas - e retirá-las das confinadas circunstâncias de suas vidas.

Antes que eu deixasse Nova York, esses dias luminosos foram obscurecidos pela maior tristeza que já tive, com exceção da morte de meu pai. O sr. John P Spaulding, 12 de Boston, morreu em fevereiro de 1896. Só aqueles que mais o conheceram e amaram podem entender o que sua amizade significou para mim.

Ele, que fazia todos felizes de um modo belo e delicado, fora muito bondoso comigo e com a srta. Sullivan. À medida que sentíamos sua amorosa presença e sabíamos que tinha um interesse vigilante em nosso trabalho, açoitado por tantas dificuldades, não podíamos nos sentir desencorajadas. Sua partida deixou um vazio em nossas vidas que jamais foi preenchido.

No documento A HISTÓRIA DA MINHA VIDA (páginas 61-67)