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de março de 1887: Meu coração está cantando de alegria esta manhã.

No documento A HISTÓRIA DA MINHA VIDA (páginas 133-136)

e Joseph Jefferson em

ESCREVENDO O LIVRO

20 de março de 1887: Meu coração está cantando de alegria esta manhã.

Aconteceu um milagre! A luz do entendimento brilhou na mente de minha alunazinha e pronto, todas as coisas estão mudadas!

A alucinada criaturinha de duas semanas atrás transformou-se numa criança gentil. Ela está sentada a meu lado enquanto escrevo, o rosto sereno e feliz, fazendo no croché uma longa peça vermelha de lã escocesa. Ela aprendeu o ponto esta semana e está muito orgulhosa de sua realização. Quando conseguiu fazer uma seqüência que atravessava o aposento, ela própria se deu tapinhas congratulatórios no braço e pôs amorosamente o primeiro trabalho de suas mãos contra o rosto. Agora ela me deixa beijá-la e, quando está num estado de espírito especialmente gentil, senta no meu

colo por um ou dois minutos; mas não retribuiu os meus carinhos. O grande passo - o passo que conta - foi dado. A pequena selvagem aprendeu sua primeira lição de obediência e descobriu que o arreio é leve. Resta agora minha agradável tarefa de dirigir e moldar a bela inteligência que está começando a se mover na alma-criança. As pessoas já notam a mudança em Helen.

Seu pai dá uma espiada em nós de manhã e à noite, quando ele vai e volta do escritório e a vê enfiando contas, contente, ou fazendo linhas horizontais na cartela de bordado e exclama: "Como Helen está quieta!". Quando cheguei, os movimentos dela eram tão insistentes que se sentia que havia algo não natural e quase esquisito nela. Notei também que ela come muito menos, um fato que perturba tanto seu pai que ele fica ansioso para levá-la para casa. Diz que ela está com saudade de casa. Não concordo com ele, mas acho que teremos de deixar nosso pequeno caramanchão muito em breve.

Helen aprendeu vários substantivos esta semana. M-u-g (caneca) e m-i-l-k (leite) lhe deram mais trabalho que outras palavras. Quando ela soletra milk, aponta para a caneca, e quando soletra mug faz o sinal de derramar ou beber, o que mostra que confunde as palavras. Ela ainda não tem idéia de que tudo tem um nome.

Ontem, fiz o garoto negro entrar quando Helen estava tendo aula e aprender as letras também. Isso lhe agradou muito e estimulou sua ambição de sobrepujar Percy.

Ficava encantada quando ele cometia um erro e o fazia formar as letras várias vezes. Quando ele conseguiu formá-las de modo que a satisfizesse, ela deu uns tapinhas na cabecinha lanosa tão vigorosamente que achei que algum dos escorregões de Percy eram intencionais.

Um dia desta semana, o capitão Keller trouxe Belle, um setter de que tem muito orgulho, para nos visitar. Ele cogitou se Helen reconheceria sua velha companheira de brincadeiras. Mas Helen estava dando um banho em Nancy e não notou a cadela no início. Helen geralmente percebe o passo mais leve e estica os braços para certificar-se de que há alguém perto dela. Belle não parecia muito ansiosa para atrair a atenção da menina. Imagino que às vezes tenha sido tratada de maneira áspera por sua pequena dona. A cadela já estava na casa havia meio minuto quando Helen começou a farejar e deixou a boneca cair na bacia e tateou pela sala. Então tropeçou em Belle, agachada perto da janela ante a qual estava o capitão Keller. Era evidente que Helen reconhecera Belle, pois abraçou-a pelo pescoço e a apertou. Então sentou-se perto dela e começou a manipular suas patas. Por um segundo não conseguimos imaginar o que estava fazendo, mas quando a vimos fazer as letras d-o-l-l com os próprios dedos, entendemos que estava tentando ensinar Belle a soletrar.

28 de março de 1887: Helen e eu viemos para casa ontem. Lamento que não nos

deixassem ficar mais uma semana. Acho porém que fiz o máximo possível para aproveitar as oportunidades nas duas últimas semanas e não espero ter qualquer problema sério com Helen no futuro. O maior obstáculo no caminho do progresso é andar para trás. Acho que "não" e "sim", transmitidos por um estremecimento ou um aceno de minha cabeça, tornaram-se fatos tão aparentes para ela quanto quente e frio, ou as diferenças entre dor e prazer. E não pretendo que a lição que ela aprendeu à custa de tanta dor e problema seja desaprendida. Eu ficarei entre ela e a superindulgência de seus pais. Eu disse ao capitão e à sra. Keller que eles não devem interferir comigo de nenhum modo. Tenho tentado ao máximo mostrar-lhes a terrível injustiça feita a Helen de permitirem que ela faça o que quiser em tudo e ressaltei que para ensinar crianças não podemos atender a todas as vontades delas, que isso pode ser doloroso para a criança e para sua professora.

Prometeram-me deixar-me livre e me ajudar tanto quanto possível. O progresso da filha, que não podem deixar de ver, lhes deu mais confiança em mim. É difícil para eles, claro.

Percebo que dói ver sua aflita filhinha punida e obrigada a fazer coisas contra a vontade. Poucas horas depois de minha conversa com o capitão e sra. Keller (e eles concordaram com tudo), Helen resolveu que não usaria seu guardanapo à mesa. Acho que queria ver o que aconteceria.

Tentei várias vezes colocar o guardanapo no seu pescoço, mas todas as vezes ela o arrancava, jogava-o no chão e finalmente começou a chutar a mesa. Levei o prato dela embora e comecei a tirá-la da sala. Seu pai objetou e disse que nenhum filho dele seria privado de comida, fosse por que fosse.

Helen não apareceu no meu quarto depois do jantar e não a vi de novo até a hora do café da manhã. Ela estava no seu lugar quando desci. Tinha posto o guardanapo sob o queixo, em vez de prendê-lo nas costas, como era seu costume. Ela chamou minha atenção para o novo arranjo e quando não objetei, pareceu satisfeita e deu uns tapinhas carinhosos em si mesma. Quando deixou a sala de jantar, ela pegou minha mão e deu uns tapinhas nela. Cogitei se estaria tentando "fazer as pazes". Pensei em experimentar o efeito de um pouco de disciplina tardia. Voltei à sala de jantar e peguei um guardanapo. Quando Helen subiu para a aula, arrumei os objetos sobre a mesa como o habitual, à exceção do bolo, que sempre lhe dou em pedaços como recompensa quando ela soletra uma palavra rápida e corretamente. Ela notou imediatamente a falta do bolo e fez o sinal para ele. Mostrei-lhe o guardanapo e prendi-o em torno de seu pescoço, então o arranquei, joguei-o no chão e sacudi a

cabeça. Repeti essa atuação várias vezes. Acho que ela entendeu perfeitamente, pois bateu em sua mão duas ou três vezes e sacudiu a cabeça. Começamos a aula como sempre. Dei-lhe um objeto e ela soletrou seu nome (conhece 12 palavras agora). Após soletrar metade das palavras, ela parou de súbito, como se um pensamento irrompesse em sua mente, e tateou em busca do guardanapo.

Então amarrou em torno do pescoço e fez o sinal do bolo (não lhe ocorrera soletrar a palavra, veja você).

Aceitei isso como uma promessa de que se eu lhe desse um pedaço de bolo ela seria uma boa menina. Dei-lhe um pedaço maior do que o habitual e ela riu e deu tapinhas em si mesma.

No documento A HISTÓRIA DA MINHA VIDA (páginas 133-136)