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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 29 Aspectos gerais do processo inflamatório

1.7. Heme como um DAMP

A molécula do heme é um grupo prostético que consiste de um átomo de ferro+2 contido no centro de um largo anel orgânico tetrapirrólico chamado porfirina (98, 99). Sua síntese ocorre em todas as células humanas nucleadas a partir de glicina e succinil-CoA, e envolve uma série de reações enzimáticas que tomam lugar parcialmente dentro da mitocôndria e parcialmente no citoplasma (100).

Figura 4. Estrutura da molécula do heme (Ferro Protoporfirina IX). O heme consta de uma parte orgânica e um átomo de ferro. A parte orgânica, denominada protoporfirina IX, é formada por um anel tetrapirrólico e o ferro está ligado no centro deste anel (Fonte: www.frontiersci.com).

A hemoglobina e o heme livre no plasma estimulam a peroxidação de lipídeos, um efeito que é em parte devido ao heme liberado e em parte devido à liberação de íons de ferro (101, 102). Além disso, durante isquemia e reperfusão, o heme pode ser liberado pela mitocondria e por outras hemeproteínas desnaturadas e contribuir para alterações inflamatórias e injúria celular, associada com stress oxidativo (100).

Recentemente estudos têm investigado os efeitos do heme liberado de células vermelhas do sangue durante a hemólise, evidenciando o heme como sendo um importante

DAMP em processos inflamatório (75). Sabe-se que o heme pode ativar células imunes inatas e células não hematopoiéticas, favorecendo processos inflamatórios. O heme pode induzir

citotoxicidade, através da geração de ROS (103, 104), induzir a permeabilidade vascular e a

migração de leucócitos in vivo e in vitro (105, 106), e levar à ativaçao de moléculas de adesão

em células endoteliais (107). O heme também pode promover a ativação de neutrófilos

dependente da ativação da proteína C quinase e a produção de ROS, induzindo a expressão de moléculas de adesão na superfície de neutrófilos e levando à modificação dinâmica do

citoesqueleto de actina (108), além de estimular a liberação NETs (109). A indução da

hemólise intravascular, in vivo, mostrou promover um início rápido e generalizado do processo inflamatório e extenso recrutamento de leucócitos às paredes dos vasos sanguíneos

(89), de uma maneira semelhante à inflamação induzida pela citocina TNF-α. Dados recentes

também indicam que o heme, mas não as porfirinas sem ferro, é capaz de ativar macrófagos murino previamente sensibilizados com LPS, promovendo a liberação de IL-1β através de um mecanismo dependente de NLRP3. A activação de NLRP3 pelo heme requer a ativação da

Syk, da NADPH oxidase-2, ROS, e efluxo de K+ (104)

1.8. Inflamassomas

Quando se trata de processos inflamatórios é importante ressaltar que a inflamação pode não ser ocasionada por uma invasão microbiana, como por exemplo, em algumas doenças inflamatórias vasculares, tais como a aterosclerose e a doença falciforme. O organismo possui estratégias para detectar e responder rapidamente a diversos grupos de estímulos através de sensores para a detecção rápida de patógenos invasores e moléculas que levam ao dano tecidual. Em humanos, estes mecanismos fazem parte da resposta imune inata, e são representados pelos receptores reconhecedores de padrão (PRRs), que reconhecem padrões moleculares conservados presentes em bactérias, fungos e vírus, conhecidos como PAMPs (em inglês: pathogen-associated molecular patterns), além de padrões moleculares associados ao dano conhecido com DAMPs (em inglês: Damage-associated molecular

patterns) e que sinalizam a ocorrência de lesão tecidual em situações estéreis (110).

Entre os PRRs mais estudados encontram-se os receptores do tipo toll (toll-like

receptors; TLR). A localização dos TLRs na célula é variável. Os TLR-1, 2, 4, 5 e 6 são

expressos na superfície das células, enquanto os TLR-3, 7, 8 e 9 são expressos nas membranas de vesículas endocíticas ou em outros compartimentos intracelulares (111, 112). Além das células do sistema imune, outros tipos celulares, incluindo células endoteliais vasculares, adipócitos, miócitos cardíacos, células epiteliais intestinais, células tipo-enteromafins também

expressam TLRs (112-114). Em mamíferos, a ativação de TLRs induz a produção e secreção de diversas citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α e a IL-1, e moléculas co- estimulatórias, através da ativação de fatores de transcrição, como o NF-κB (112, 113).

Outros receptores de reconhecimento padrão do sistema imune são os receptores do tipo NOD [nucleotide-binding domain, leucine rich repeat containing receptors, também chamados de nucleotide-binding oligomerization domain (NOD)-like receptors; NLRs], que diferentemente dos TLRs, consistem de proteínas solúveis que se encontram no citoplasma (115, 116). Embora primariamente expressos em células imunes, incluindo linfócitos e células apresentadoras de antígenos, tais como macrófagos e células dendríticas, os NLRs podem também ser expressos em células não imunes, incluindo células epiteliais e mesoteliais (117). Em humanos, a família dos NLRs é composta de 23 proteínas, enquanto 34 genes NLR já foram descritos em camundongos (118). Os NLRs apresentam estrutura semelhante; possuem um domínio C-terminal LRR (rico em repetições de leucina), um domínio intermediário NOD, o qual é necessário para ligação à nucleotídeo e auto-oligomerização e um domínio N- terminal de interação proteína-proteína variável, que pode estar ligado a diversas proteínas moduladoras (CARD, PYD ou BIR) (119, 120).

Embora as funções de muitos NLRs sejam desconhecidas, sabe-se que têm papel importante na imunidade inata por atuarem como sensores intracelulares de PAMPs/DAMPs, sendo sua ativação essencial para desencadear a formação de um complexo macromolecular conhecido como inflamassomas, os quais são críticos para o processamento de citocinas pró-

inflamatórias, tais como IL-1 β e IL-18 (121).

A maior parte dos inflamassomas são formados pela proteína NLR ou pela família

pyrin, uma proteína adaptadora para inflamassoma denominada ASC (em inglês: apoptosis-

associated speck-like protein containing a caspase recruitment domain) e caspase-1. Após o

reconhecimento de seus respectivos ligantes, os receptores NLRs recrutam a ASC (122). A ASC é uma proteína solúvel que, em circunstâncias normais, é distribuída por toda a célula. No entanto, quando uma célula encontra um sinal de perigo ou um dano tecidual, a ASC se oligomeriza rapidamente, formando parte do inflamassoma. Posteriormente, a ASC leva a ativação da enzima caspase-1, que tem como função clivar a forma imatura das citocinas

IL-1-β e IL-18 para a suas respectivas forma madura , como também para a indução de um

tipo de morte celular denominada piroptose (123-125). A liberação de IL-1β envolve dois passos, como demonstrado na Figura 1: (a) indução de pró- IL-1β e IL-18, que é dependente de NF-κB (126), e (b) clivagem de pró- IL-1β pela caspase-1 para a forma madura, IL-1β ativa. O primeiro passo requer a ativação de NF- κB mediada por TLR, entretanto a ativação

da caspase-1 ocorre independentemente de TLRs e exige a formação do inflamassoma, como demonstrado na Figura 5.

Figura 5. Via de sinalização para síntese e secreção das citocinas IL-1β e IL-18. No sinal 1, as

células imune inato podem ser estimulados por diversos agonistas de TLRs [como lipopolissacarídeos (LPS) S100A8] induzindo a síntese de pro- IL-1β e pro IL-18. Este primeiro sinal age como "priming" celular levando as células à encontrarem um segundo sinal. O sinal 2 estimula a formação de inflamassomas levando à ativação da caspase-1, que é responsável por promover a clivagem das formas pro-IL-1β e pro-IL-18 e a subsequente liberação destas citocinas nas respectivas formas maduras.

Acredita-se que múltiplos inflamassomas distintos podem existir, cada um contendo uma proteína chave da “superfamília” dos NLRs que confere especificidade de reconhecimento para um padrão molecular. Diveros tipos de inflamassomas têm sido

reportados, entre os formados por NLRs estão os NLRP1, NLRP3, NLRC4, NLRP6, e

inflamassomas e pode ser ativado por diversos tipos de estímulos, tais como moléculas derivadas de patógenos, sinais endógenos e de origem ambiental. Entre alguns estímulos, já descritos, como capazes de induzir a ativação do inflamassoma NLRP3, podemos citar alguns DAMPs produzidas pela própria célula estão o urato monossódico (128), heme (104), colesterol (129), proteína β-amilóide (130), assim como outros moléculas como sílica (131) e adjuvantes do alumínio (132, 133).

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