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4 O ESPAÇO DESCRITO

4.1 HEPR: Aspectos Gerais

O Hospital Escola Portugal Ramalho (HEPR), único hospital psiquiátrico público da cidade de Maceió, possui um papel centralizador na prestação à assistência psiquiátrica da cidade e do estado: assim, é dado início à descrição de seu enquadramento fora do contexto de humanização na saúde mental. A Lei federal nº 10.216, de 2001, e a Portaria municipal nº 4.678, de 2013, resolvem que a internação em unidade hospitalar psiquiátrica só deve ocorrer depois de tentados todos os tipos de tratamento nos espaços propostos pela reforma psiquiátrica, e nunca deve ser a primeira solução, como ocorre no HEPR.

Localizado no bairro do farol – que possui certa centralidade geométrica entre as partes baixa e alta da cidade -, próximo a uma importante avenida, Fernandes Lima, é acessado pela Rua Goiás e o quarteirão onde está localizado, circundado pelas ruas General Portugal Ramalho, Retiro Saudoso, Clementino do Monte e Professor Virgínio Campos (figura 28).

Figura 28: Hospital Escola Portugal Ramalho, localizado no bairro do farol, e as ruas circundantes.

LEGENDA: 1 – Hospital Escola Portugal Ramalho; 4 – Rua Retiro Saudoso; 2– Rua Goiás; 5 - Rua Clementino do Monte 3 – Rua General Portugal Ramalho; 6 – Rua Professor Virgínio Campos. 7 – Avenida Fernandes Lima

O edifício do HEPR, diferentemente das outras instituições psiquiátricas da cidade que foram implantadas em edificações já existentes, foi construído com a finalidade de ser hospital psiquiátrico, local de abrigo e assistência médica aos ali internados.

No mesmo terreno do HEPR e vinculados a ele, estão outros serviços psiquiátricos como o Centro de Estudos e Atenção ao Alcoolismo e Outras Drogas-CEAAD, um setor ambulatorial PISAM e o Centro de Atenção Psicossocial CAPS Casa Verde, o que é proibido pela Lei federal 10.216, que afirma que os CAPS não podem ser vinculados e nem estar no mesmo terreno de hospitais psiquiátricos (figura 29).

Figura 29: Implantação do HEPR com demarcação de seus serviços principais.

Legenda: Internação Recepção Administração Contenção/Enferm. Consultórios CAPS Casa Verde PISAM

Fonte: Google Earth, 2014 (adaptado).

Além dos setores de internação, administração, CAPS e ambulatorial, o terreno contempla uma extensa área aberta, onde uma parte é utilizada como estacionamento de funcionários. Um fato que se destaca na implantação do hospital é a quantidade de vegetação alta e densa ao seu redor, que pode ser associada ao que Foucault (1975) afirma ser uma das

táticas de camuflagem dos estabelecimentos de contenção, uma vez que impedem a visão do que ocorre dentro do hospital.

Aproximando-se da parte central e principal do complexo hospitalar, demarcadas na figura 29, à exceção do PISAM, tem-se os seguintes fluxos e zoneamento esquemático:

Figura 30: Esquema Hospital Escola Portugal Ramalho com zoneamento.

Fonte: Albuquerque, 2014.

O setor de internação engloba: as alas psiquiátricas – 2 femininas, somando 65 leitos e localizadas no lado direito do zoneamento, e 2 masculinas, com um total de 95 leitos; áreas de lazer e terapia ocupacional – que são compostas de sala de confecção de tapetes, sala de TV, sala de jogos, quadra de futebol e horta; praças - principal e das alas; Setor de contenção – para onde vão os pacientes em crise ou agitados; Refeitório – onde os pacientes sem restrições locomotivas fazem as refeições (figura 31).

Administração/ambulatório Alas psiquiátricas

Lazer/ocupacional Praças

Circulação

Área verde/área livre Setor de contenção Áreas não acessadas CAPS Casa Verde

ACESSO

Fluxo CAPS Fluxo Administração Fluxo Internação

Figura 31: Setor de internação setorizado.

Fonte: Albuquerque, 2014.

Este hospital, que já chegou a ser considerado o segundo melhor do país, que foi palco das maiores práticas psiquiátricas convencionais de tortura, como o eletrochoque e o isolamento em celas, hoje, apresenta um discurso de humanização, veiculando, reiteradamente, na mídia, suas festividades e possíveis avanços rumo a reinserção social dos seus usuários. De fato, as grades de ferro deram espaço a outros elementos arquitetônicos - como a alvenaria - e os eletrochoques não são mais utilizados. Porém, busca-se perceber através da descrição de seu espaço até que ponto vai esta transformação: se entre os muros da loucura há abertura para um espaço, realmente, humanizado.

4.1.1 HEPR como Espaço Reverso

Antes de entrar na descrição, faz-se necessário alguns esclarecimentos. O primeiro deles é acerca da forma elementar de ocupação de espaços de contenção. Partindo das idéias de Hillier e Hanson (1984), num mesmo complexo espacial podem ser encontrados dois tipos distintos de indivíduos de acordo com a forma como se relacionam com o espaço: os habitantes e os visitantes. Os primeiros são caracterizados pelos autores como sendo os que detêm a posse do espaço; os outros, como sendo aqueles que adentram um local dominado pelos habitantes.

Na lógica da maior parte dos sistemas espaciais existentes, o posicionamento natural desses dois tipos de usuários segue uma convenção onde os habitantes, porquanto sejam os dominadores do espaço, se encontram nos cômodos mais profundos do sistema, logo, mais

Ala feminina Renascer Ala feminina Nossa Casa Espaços de apoio às alas Alas masculinas

Refeitório e áreas de apoio Salas tapete/TV/jogos Quadra de futebol Horta

Praça principal Circulação

distantes do exterior. Já os visitantes, localizam-se, normalmente, nos espaços mais rasos e, portanto, mais próximos ao exterior.

Esta convenção, no entanto, não é encontrada nos hospitais de modo geral e, principalmente, no sistema de contenção dos hospícios. Nestes espaços, os habitantes são representados pela equipe médica ou dirigente – detentores do poder organizacional do espaço – que se encontram numa posição mais próxima ao exterior, enquanto os visitantes são os pacientes – que utilizam o espaço dominado por outrem e se encontram no sistema mais profundo do hospital, mais distante do exterior. Portanto, há uma inversão da lógica elementar: são os chamados edifícios reversos (Hillier & Hanson, 1984).

Esta lógica inerente aos hospitais também se materializa no HEPR, derivada, principalmente, de uma necessidade peculiar de vigilância. A disposição espacial desse complexo hospitalar é arranjada de forma a alocar os visitantes (pacientes residentes ou não) nos espaços mais distantes do exterior (alas, em azul na figura 32), pois, embora tenham acesso, em horários determinados, aos outros espaços do setor de contenção, as alas são os locais de maior permanência. Já os espaços voltados aos habitantes (equipe dirigente) encontram-se mais próximos do exterior, materializados pelo setor de administração - dominados pelos gestores - e ambulatorial - tendo o médico como dominador- (figura 32).

Figura 32: Esquema HEPR como espaço reverso.

Fonte: Albuquerque, 2014.

Este foi um fato que despertou uma das primeiras curiosidades durante o período de pesquisa e que foi se confirmando com a proximidade da pesquisadora ao objeto de análise: os detentores do poder do espaço (médicos e gestores) parecem ser aqueles que menos o conhecem enquanto instituição. Isto foi intuído por alguns episódios presenciados, onde pode

Habitantes: detém o poder do espaço Visitantes: habitam o espaço comandado por outrem

ACESSO

ser citado o fato de que, embora o contato com psicólogos, terapeutas e enfermeiros seja constante, o contato dos pacientes com os médicos psiquiatras, que são aqueles que determinam quem pode ou não sair do hospital - ser ―libertado‖- ocorre, normalmente, apenas uma vez na semana, ocasionando, por vezes, superlotação desnecessária.

Por óbvio, esta distribuição espacial reversa tem como pretensão o controle às entradas e saídas e sua materialização principal e imediata se dá pela presença de barreiras totais (Goffman, 1961).