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O Nascimento do Hospício: a loucura torna-se verdade médica

2 A HISTÓRIA DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO E SEUS ESPAÇOS

2.2 O Nascimento do Hospício: a loucura torna-se verdade médica

Pois é aqui, por trás dos muros dos manicômios, que a psiquiatria clássica demonstrou sua falência, no sentido em que resolveu negativamente o problema do doente mental, expulsando-o de seu contexto social e excluindo-o, portanto, de sua própria humanidade. (Basaglia, 1985, p. 120)

No teatro do manicômio, o louco não foi o herói, nem o vilão, nem um protagonista: foi, talvez, um figurante. (Pessotti, 1996, p.14)

Ao comparar o surgimento de um local específico para o tratamento psiquiátrico com as demais especialidades médicas, a evolução do primeiro se deu de forma mais lenta. Este fato pode ser resultado da incapacidade da psiquiatria em dominar a mente humana. Desta forma, o início da história do hospício se dá a partir do momento em que o discurso médico se apropria da loucura e a denomina de doença mental. Ao se tornar doença, torna-se, também, medicina mental (Foucault, 1975; Amarante, 1995).

No entanto, o hospício, ao contrário do que se pensa, nasce, das ―reorganizações institucionais, demonstrando como as instituições surgem de necessidades sociais e não de descobertas científicas ou do aprimoramento do conhecimento; o asilo seria o a priori da psiquiatria, e não o contrário‖ (Amarante & Torre, 2001).

Ou seja, o hospício nasce de um desejo social de exclusão e a partir daí a psiquiatria se utiliza do isolamento coletivo de doentes mentais para tentar dominar, explorar, classificar, este tipo de doença. É a partir do surgimento do hospício que a loucura se torna verdade médica (Birman, 1978). Segundo Amarante & Torre (2001, p. 75), a justificativa do hospício era:

O isolamento, semelhante ao estado in vitro, afasta as influências maléficas e a contaminação. O afastamento serve para identificar diferenças entre os objetos. Distinguir os ―mansos‖ dos ―agitados‖, os ―melancólicos‖ dos ―sórdidos‖ e ―imundos‖, os ―suicidas‖, ou seja, esquadrinhar cada tipo classificável, evitando que sua convivência agrave seu estado. O hospício, através do isolamento terapêutico, permite a possibilidade da cura e do conhecimento da loucura a um só tempo. O

isolamento é ao mesmo tempo um ato terapêutico (tratamento moral e cura), epistemológico (ato de conhecimento) e social (louco perigoso, sujeito irracional). (Amarante & Torre, 2001, p.74)

É por isso que a psiquiatria passa a ser a justificativa do hospício, já que o isolamento permitiria o conhecimento acerca da doença, a sua classificação e a introdução do processo terapêutico que, consequentemente, levaria a sua cura.

Ainda sobre o surgimento do hospício e sua apropriação pela medicina, eles nascem em paralelo ao conceito de alienação associado à doença mental. Neste sentido, e tomando por base a conotação pejorativa da palavra alienado (de pessoa fora do juízo), há uma modificação na forma como a sociedade se relaciona com a loucura, onde o pensamento é: ―Se o alienado é incapaz do juízo, incapaz da verdade, é, por extensão, perigoso, para si e para os demais‖ (Amarante, 2010).

É neste contexto que nasce uma nova ciência proposta por Philippe Pinel, chamada de alienismo. Esta ciência define que, como a alienação é o ―distúrbio das paixões, o seu tratamento torna-se a reeducação moral, ou tratamento moral, como prefere Pinel‖ (Amarante, 2001, p.13). O alienismo pregava a necessidade de um processo disciplinar para os doentes mentais com a intenção de civilizá-los.

Pinel, através de suas idéias, defende o confinamento dos doentes mentais em um hospital psiquiátrico, pelo fato de afirmar que para ser livre é preciso ser capaz de fazer escolhas, o que os loucos não eram capazes de fazer. Defende, ainda, que este isolamento não afeta a dignidade e nem os direitos do louco, uma vez que o internamento corresponde a um tratamento terapêutico e seria este, portanto, o maior direito dos doentes mentais.

É assim que o internamento psiquiátrico torna-se regra universal, com um discurso de inclusão do doente ao tratamento. Para defender a institucionalização da loucura como um instrumento de cura, Pinel aponta duas características do isolamento:

Por um lado, no princípio do hospital como lugar de exame, em que isolar é o a

priori do conhecer; [...]. Por outro lado, o isolamento é terapêutico pois a instituição passa a ser organizada de forma a afastar as influências maléficas, morbígenas, que causam e agravam a alienação: a instituição é o instrumento de cura. ( Amarante, 2010, p. 20)

Sobre a arquitetura destes espaços, é neste contexto que ―o hospital-edifício se organiza pouco a pouco como instrumento de ação médica: deve permitir que se possa observar bem os doentes‖ (Foucault, 1975, p. 145). Uma das tipologias mais usuais nesses espaços de vigilância era a dos pan-ópticos propostos por Bentham, que, segundo Fontes (2005, p. 3) era ―uma construção em anel com uma torre em seu interior, vazada por grandes janelas, que permitem a observação irrestrita dos compartimentos à sua volta‖.

Neste sentido, a arquitetura engloba novos ―cálculos das aberturas, dos cheios e dos vazios, das passagens e das transparências‖ (idem, p.145) que permitissem essa vigilância constante e atuassem como dispositivos institucionais disciplinares (Benelli, 2003a/2003b; Foucault, 1975) de manutenção da ordem da organização formal e não mais apenas o seu fechamento por muros.

Figura 7: Pan-óptico de Bentham.

Figura 8: Projeto para novo Hôtel Dieu, Paris, em 1885, hospital geral com internação psiquiátrica.

Fonte: Silva, 2001.

Além disso, outra tipologia bastante recorrente e que foi a mais utilizada no Brasil foi a de pátios centrais, que, como já mencionado, teve o seu auge na época do Renascimento, onde a edificação era disposta ao redor de áreas centrais, muitas vezes contendo mais de uma centralidade, que também permitiam a visualização irrestrita dos internados, como é o caso dos dois estudos de repertório que serão apresentados a seguir.

Outra estratégia bastante utilizada nos hospitais psiquiátricos era a sua implantação entre rios, montanhas, mares ou qualquer artifício natural que impedisse ou dificultasse o acesso físico ou visual dessas instituições (Foucault, 1975), o que demonstra a intenção de marginalização social que acompanhou esses espaços ao longo da evolução de sua história.