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4 O ESPAÇO DESCRITO

4.2 O Sistema de Barreiras

Retomando o caráter elementar de sistemas totalitários que se constitui em torno do isolamento social, este método de seqüestração (Benelli, 2003b) já configura o espaço do HEPR como fora do contexto de humanização. Isto ocorre porque: 1) ao isolar o doente do seu meio, o hospital psiquiátrico torna-se incapaz de alcançar os objetivos associados à humanização da assistência à loucura - a reinserção social - e ocasiona maior incapacidade social (Brasil, 1990); 2) ―a barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu‖ (Goffman, 1961, p. 24).

Este isolamento social, no Hospital Escola Portugal Ramalho, é marcado por três estágios de barreiras materializados por elementos arquitetônicos: a barreira parcial correspondente ao muro que circunda o complexo hospitalar; a barreira de transição que é a recepção do hospital; a barreira total que corresponde ao portão de acesso à área de internação (figura 33). Estes funcionam, também, como filtros, onde o acesso se torna cada vez mais restrito.

Figura 33: Implantação do HEPR com locação das barreiras que materializam o isolamento.

Legenda: 1 – 1ª barreira: muro que circunda o complexo hospitalar; 2 – 2ª barreira: Recepção do HEPR;

3 – 3ª barreira: barreira total, o acesso ao setor de internação. Fonte: Google Earth, 2014, (adaptado)

O muro que delimita a área pertencente ao complexo hospitalar (figura 34) é o primeiro destes filtros: nas duas laterais, o muro volta-se para as ruas – pouco movimentadas - sempre com poucos ou inexistentes pontos de visibilidade – quando os têm, os mesmo estão, quase sempre, marcados pela presença de vegetação camuflando a vista de seu interior. O seu ponto de acesso de funcionários, pacientes e visitantes é o portão principal de veículos e pedestres, onde é preciso identificação para permissão de entrada.

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Figura 34: Muro do HEPR: presença de aberturas voltadas para vegetação, camuflando a vista de seu interior.

Fonte: Google Street View, 2014.

A segunda barreira encontrada até chegar à área de internação é a recepção do hospital (figura 35). A ela, se dirigem pacientes psiquiátricos no aguardo de consultas ou obtenção de remédios, funcionários e todos aqueles que pretendem chegar ao setor de isolamento. Por isso, funciona como um segundo filtro.

O local, além de possuir mobiliário propício à atividade de espera, possui um balcão localizado no início do corredor que conecta a recepção aos setores de administração e internação e impede a livre passagem a essas áreas, sendo necessária a identificação para autorização de entrada (figura 35-b).

Ponto de observação Campo de visão Portão principal de acesso LEGENDA:

Figura 35: a) Foto da fachada da recepção; b) Croqui esquemático de sua disposição e posicionamento da barreira.

Fonte: Albuquerque, 2014.

A barreira total que separa a área de internação não só do restante do hospital, como do restante de toda a sociedade, está representada por um pequeno portão onde fica um funcionário da limpeza que atua como guarda tomando a decisão de quem entra e quem sai e impedindo a passagem dos internados (figura 36).

Figura 36: Portão de acesso à área de internação: a) Esquema em perspectiva b) croqui em planta esquemática.

Fonte: Albuquerque, 2014.

Por ser baixo, com cerca de um metro de altura, ele permite a visão do corredor de acesso aos consultórios psiquiátricos, de assistência social e de enfermagem, onde circulam pacientes psiquiátricos de rotina (que não estão internados), familiares deles e funcionários de todos os níveis hierárquicos. A ―vida‖ existente neste corredor torna o portão de acesso à área de isolamento um ponto de convergência dos pacientes internados que se aglomeram para implorar por soltura, para solicitar por tudo que lhes falta ou mesmo para observar o único local fora da área de internação que lhes é acessível visualmente.

Desta forma, esse portão possui relação de permeabilidade visual, uma vez que sua configuração permite a visualização de outras áreas do hospital, porém não possui relação de

Acesso Adm. e Internação Barreira: Balcão

Acesso Recepção

Portão de acesso e controle do setor de internação Aglomeração dos internados Profissional da limpeza exercendo função de controle do acesso

permeabilidade física para os doentes mentais, já que os internados não podem passar por ele a menos que recebam alta. Esta é de fato a barreira social condicional: aquela que determina a condição de doente - materializando a justificativa social do enclausuramento - e a condição de ―curado‖ – representada pela permissão para voltar à vida em sociedade.

4.2.1 Quadro síntese

Apresentado o sistema de barreiras, traz-se o quadro síntese gerado a partir dos parâmetros utilizados para a sua descrição: Presença de Barreiras Totais e o Atendimento à legislação:

Quadro 15: Cruzamento entre o que diz a legislação e a situação atual do HEPR. Aspectos com rebatimento no espaço

Norma/Lei Exigência Situação Atual

Declaração de Caracas

-propiciar a permanência do enfermo em seu meio comunitário.

- Não atende, uma vez que há proibição à saída;

Lei 10216, de 11 e abril de 2001.

- O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio;

Fonte: Albuquerque, 2014.

Quadro 16: Cruzamento entre o parâmetro Presença de Barreiras Totais e a situação atual do HEPR.

Parâmetro Se Então Situação Atual

Pre sen ça d e bar reir as to tais

―A barreira que a instituição total coloca entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu‖ (Goffman, 1961, p. 24) e este fechamento está ―incluído no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos‖ (idem, p. 16).

Para ser humana, a instituição não deve funcionar sob o método do isolamento e seus elementos espaciais não devem atuar com essa finalidade. Ou seja, um edifício humano é ausente de barreiras totais como as vistas com freqüência em instituições totais.

- Por possuir barreiras até se chegar à barreira total propriamente dita (portão de acesso à área de internação), o espaço não atende à condição de humanização.

Fonte: Albuquerque, 2014.

Além do sistema de barreiras, a descrição da tipologia arquitetônica do edifício faz-se necessária para demonstrar como a sua distribuição espacial interfere no seu uso e auxilia ou não a humanização do espaço.