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HERANÇA DIGITAL – CONCEITO

Conforme visto anteriormente, após o falecimento de uma pessoa, todo o seu patrimônio é repartido entre seus herdeiros, tendo em vista a garantia constitucional do direito à herança.

Entretanto, em face a atual possibilidade de acumular bens em um ambiente digital, tem-se a necessidade de se analisar a natureza jurídica e a destinação dos ativos digitais.

Costa Filho (2016) aborda a viabilidade de reconhecer os bens armazenados virtualmente como parte do patrimônio sucessório do de cujus, tendo em vista ser um tema extremamente recente, e que tem se desenvolvido com uma nova geração de pessoas, colacionando-se:

enquanto a transmissão patrimonial após a morte é um fenômeno milenar, apenas recentemente a herança digital passou a ser objeto do direito das sucessões, sendo ainda controversa até mesmo a caracterização de bens armazenados virtualmente como patrimônio.

A aquisição de livros e músicas, por exemplo, passou a ser de forma virtual, uma conta em um blog, tornou-se fonte de renda. Nesse sentido, se explora a possibilidade de enquadrar esses ativos como forma de patrimônio pessoal, suscetível de transmissão post mortem.

Barreto e Nery Neto (2016) apontam que “o problema a ser enfrentado pelo Direito, nessa sociedade ultramoderna na qual as relações sociais tornaram-se eletrônicas, é regular a sucessão do patrimônio digital dos indivíduos.”

No Direito Sucessório, como já foi visto, herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações que é transmitido aos herdeiros ou legatários por meio da sucessão legitima ou testamentaria, após ocorrer a morte do de cujus (VENOSA, 2007).

Corrobora Diniz (2007, p. 38) afirmando que “a herança é, portanto, o patrimônio do falecido, ou seja, o conjunto de bens materiais, direitos e obrigações.”

Dessa forma, entende-se que o de cujus constituiu ao longo de sua vida um patrimônio, o qual este será transferido aos herdeiros após a sua morte.

Consoante ao tema, Coelho (2012) preleciona que a herança é composta pelos bens patrimoniais da pessoa falecida e que, sendo aberta a sucessão, seus titulares são os herdeiros legítimos e testamentários.

Ao se falar em patrimônio, Venosa (2005, p. 23) o conceitua “como o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa. O patrimônio transmissível, portanto, contém bens materiais ou imateriais, mas sempre coisas avaliáveis economicamente.”

Complementando o estudo acerca do vínculo patrimonial na composição do acervo hereditário, é relevante mostrar os conceitos trazidos doutrinariamente quanto à caracterização de um bem, dessa forma, Ribeiro (2006) traz o conceito de que os bens em uma relação jurídica são:

os de natureza patrimonial, isto é, tudo aquilo que se possa incorporar ao nosso patrimônio é um bem: uma casa, um carro, uma roupa, um livro, ou um CD. Além disso, há uma classe de bens jurídicos não-patrimoniais. Não são economicamente estimáveis, como também insuscetíveis de valoração pecuniária: a vida e a honra são exemplos fáceis de se compreender.

Na visão de Gagliano e Pamplona Filho (2009, p. 254), “bem jurídico é a utilidade, física ou imaterial, objeto de uma relação jurídica, seja pessoal ou real.”

Ainda, ao fazerem a distinção entre bem e coisa, sustentam que “bem envolve o que pode ser objeto de direito sem valor econômico, ao passo que coisa restringe-se as utilidades patrimoniais.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 254).

O Código Civil trata dos bens no seu Livro II, onde demonstra todas as categorias existentes. A doutrina, por sua vez, elenca algumas subdivisões.

Diniz (2012, p. 365) aponta várias classificações, e, dentre elas, vale ressaltar a distinção entre bens corpóreos e incorpóreos:

os bens corpóreos são coisas que têm existência material, como uma casa […] os bens incorpóreos não tem existência tangível e são relativos aos direitos que as pessoas naturais ou jurídicas têm sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou contra outra pessoa, apresentando valor econômico [...].

Já Coelho (2006, p. 267) traz a distinção entre bens móveis e imóveis, dispondo que “imóveis são os bens que não podem ser transportados de um lugar para o outro e móveis os que se podem transportar íntegros.”

Costa Filho (2016) correlaciona a ideia de patrimônio expressa pelo Código Civil de 2002 com as espécies de patrimônio virtual, de forma que:

Desse modo, sendo a herança o patrimônio transmitido aos herdeiros e considerando a ideia expressa pelo código de 2002 de que o patrimônio inclui o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico de uma determinada pessoa, percebe-se que arquivos digitais dotados de tal valor devem fazer parte da partilha.

Sobre esse prisma, Lopes (2017) menciona a possibilidade de integração dos dados digitais ao acervo patrimonial do de cujus, ao passo que “Infere-se que os dados digitais são abrangidos pelo conceito de bens imateriais, visto que não contam com existência física, material, encontrando-se apenas na esfera virtual, existentes tão somente no âmbito virtual.”

Dessa forma, Barreto e Nery Neto (2016), ao falar em acervo digital, expressam seu entendimento relacionado ao valor pecuniário, ou seja, “quanto aos bens economicamente valoráveis, indubitavelmente, estes integram o conceito de patrimônio, devendo assim ser alcançados pelo direito de herança.”

E continuam, aduzindo que “tanto podemos ter valiosos acervos digitais (inúmeros livros, filmes, músicas) adquiridos pelo usuário, bem como perfis de redes sociais que geram receita mensal ao usuário.” (BARRETO; NERY NETO, 2016).

Costa Filho (2016) também faz uma interpretação analógica ao posicionamento dos bens digitais frente a falta de disposição legal, de modo que “diante da ausência de qualquer disposição que trate especificamente dos bens armazenados virtualmente no Código Civil, a transmissão desses bens através de herança decorre de interpretação extensiva e sistemática.”

Ao falar em forma de se estabelecer uma sucessão aos dados digitais, Lopes (2017) aponta o instituto do codicilo como um meio legal de transmissão daqueles bens sem valoração econômica, por exemplo, o acesso aos dados das

redes sociais, fotos e músicas arquivados virtualmente, já que o instituto prevê a transmissão daqueles bem jurídicos de pequeno valor ou de uso pessoal.

Dessa forma, tem-se que “a solução para resguardar a intimidade, a privacidade e a dignidade do de cujus, quando da destinação destes bens, seria a sua manifestação de vontade por meio de codicilo, que sequer o exigirá solenidades muito especiais.” (LOPES, 2017).

Aponta Rohrmann (2005, p. 195) que “uma importante inovação do Código Civil foi estender o conceito de bem móvel às „energias que tenham valor econômico‟. É inegável que os arquivos digitais de computador são „energia armazenada‟ [...]”, referindo-se ao artigo 83 do Código Civil, o qual preceitua:

Consideram-se móveis para os efeitos legais: I- as energias que tenham valor econômico;

II- os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III- os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

Modernamente esse patrimônio pode estar inserido em um ambiente longe do físico e o comumente conhecido entre a sociedade, já que o objeto continua sendo o mesmo, por exemplo a figura do livro físico, passa a ser um e-book ou livro online, estando, portanto, armazenado em um meio virtual.

Nessa seara, para D‟Andrea (2018), herança digital refere-se aos materiais digitais, tais como fotos ou arquivos publicados online.

Outra espécie de patrimônio virtual também existente são as moedas virtuais.

Em uma matéria publicada na Revista Exame, acerca das moedas virtuais, por exemplo, a Biticoin,2 afirma-se que indubitavelmente teriam os herdeiros o direito a herdarem esses ativos e ainda explica que num processo de inventário a avaliação dessa moeda corresponderia ao valor de mercado na data do falecimento (CHOIAB; RODRIGUES, 2017).

Para Barreto e Nery Neto (2016), as empresas tecnológicas e os sites de relacionamento, têm dificuldade de lidar com o destino do acervo constituído pelo usuário, e esse acervo pode ser composto por:

contas de e-mail, conteúdos de redes sociais, arquivos de música e de livros adquiridos em lojas de aplicativos online, áudios, vídeos, sons e imagens,

2

A bitcoin é uma moeda, assim como o real ou o dólar, mas bem diferente dos exemplos citados. O primeiro motivo é que não é possível mexer no bolso da calça e encontrar uma delas esquecida. Ela não existe fisicamente, é totalmente virtual. (AZEVEDO, 2017).

nomes de usuário e suas respectivas senhas, arquivos armazenados em nuvens ou conteúdo armazenado em qualquer dispositivo informático.

Para tanto, Barreto e Nery Neto (2016) classificam de duas formas os bens de um acervo digital:

Poder-se-ia classificar o acervo digital de um indivíduo de diversas formas. Para fins de verificação de níveis de garantia, faz-se a seguinte diferenciação:

Bens insuscetíveis de valoração econômica: quaisquer arquivos (textos, e- mails, fotografias) criados por um indivíduo diretamente na Web ou que, após sua elaboração ou edição em um computador local, fez o upload para um serviço de nuvem.

Bens economicamente valoráveis: quaisquer bens digitais que tenham utilidade patrimonial. Trata-se de arquivos (álbuns musicais, ebooks, games, filmes) e serviços (armazenamento em nuvem, licença de software) comprados pelo indivíduo por meio de um provedor de serviços online. Geralmente esses ativos ficam armazenados em nuvem, estando disponíveis ao usuário onde quer que se encontre.

Landim (2018) traz como exemplos de bens com valoração econômica, armazenados virtualmente, as músicas, vídeos, bibliotecas virtuais, jogos on-line, moedas virtuais, entre outros.

Em 2012 foi feito um estudo sobre o valor dos ativos digitais no Brasil. “A pedido da McAfee, a empresa de pesquisas MSI Internacional entrevistou 323 consumidores brasileiros sobre o valor financeiro que atribuem aos seus ativos digitais. O estudo versou desde downloads de música, a memorias pessoais e comunicações pessoais, por exemplo, e-mails e fotografias. Com isso, foram avaliados em cerca de R$ 238.826,00 reais.” (OLHAR DIGITAL, 2012).

Costa Filho (2016, p. 213) registra que:

bens armazenados virtualmente suscetíveis de apreciação econômica fazem parte incontroversa há herança, constituindo direito dos herdeiros independentemente de previsão em testamento, já o acesso a apropriação pelos herdeiros dos insuscetíveis de tal valoração dependem de manifestação prévia do de cujus e ordem judicia.

Todavia, tratando da transmissão de dados que caracterizam parte da privacidade do de cujus, importante registrar o entendimento de Tartuce (2018), que se posiciona da seguinte forma: “Entendo que os dados digitais que dizem respeito à privacidade e à intimidade da pessoa, que parecem ser a regra, devem desaparecer com ela.”

Stacchini (2013), por seu turno, questiona se “afinal, aquela biblioteca inteira de livros digitais adquiridos na Amazon ou aquela coleção de músicas compradas por meio do iTunes será perdida com a morte de seu titular […]”.

Com isso, percebe-se a preocupação que já existe quanto ao destino desses ativos, pois a realidade patrimonial, como se observa, evoluiu.

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