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CAPÍTULO 2 – DIFERENÇAS ESTRUTURAIS DAS ATIVIDADES DE SERVIÇOS

2.1. Heterogeneidade das Atividades de Serviços

A heterogeneidade das atividades dos serviços é um fenômeno abordado na literatura com objetivo de mostrar as distintas características e, por consequência, o grau de importância de cada destas atividades na economia. Singelmann (1978) classifica as atividades de serviços em quatro grupos: i) serviços de distribuição: comércio e transportes; ii) serviços produtivos: financeiro, imobiliário e atividades de negócio; iii) serviços sociais: correios, educação, saúde, administração pública e defesa; iv) serviços pessoais: hotéis, restaurantes, serviços comunitários, manutenção e reparação de bens. Nesse arranjo, os dois primeiros tipos são serviços considerados “intermediários”, aqueles utilizados como insumo para produção, e os dois últimos são aqueles direcionados ao consumo final abordado como “para o consumidor”. Para Park e Chan (1989; 201), os quatro grupos acima se distinguem principalmente por diferentes fatores que regulam a oferta e demanda. Por exemplo, o setor industrial desenvolve uma relação simbiótica direta com os serviços produtivos e os serviços de distribuição no curso da industrialização. Nos serviços pessoais, a produção e o emprego associados não são afetados pela sua ligação direta, mas são afetados pelos efeitos induzidos da renda indireta das atividades industriais. Além disso, o autor ressalta que os serviços pessoais passam por mudanças fundamentais no processo de industrialização, nas fases iniciais, a maioria dos serviços é fornecida sem sofisticação e diferenciação. Com o desenvolvimento da economia, a gama de serviços pessoais fornecidos pelo mercado se expande, e os produtos se tornam cada vez mais especializados e sofisticados, em resposta às exigências dos consumidores, induzidos pelo

aumento da renda per capita. Analogamente, a industrialização aumenta a prestação de serviços sociais, por meio de aumento da renda per capita, pois os serviços sociais são considerados bens superiores com elasticidades-renda elevados (PARK e CHAN, 1989; 202).

A heterogeneidade das atividades de serviços ganhou dimensões distintas, em particular, a das relações com a indústria. Para Arbache (2014; 20) as duas atividades, serviços e indústria, relacionam-se por meio de duas famílias distintas e complementares de vínculos. A primeira diz respeito aos custos de produção, como, por exemplo, serviços de logística e transportes, serviços de infraestrutura em geral, armazenagem, reparos e manutenção, serviços de terceirização da produção em geral, TI em geral, crédito e serviços financeiros, viagens, acomodação, alimentação, distribuição, dentre outros. A segunda família está atrelada à agregação valor, diferenciação e customização de produtos, como nos serviços de P&D, design, projetos de engenharia e arquitetura, consultorias, softwares, serviços técnicos especializados, serviços sofisticados de TI, branding, marketing, comercialização, dentre outros.

As últimas atividades são responsáveis por grande parte do valor adicionado gerado nos serviços considerados mais sofisticados, pois incorporam maior conhecimento ou qualificação do trabalho. A curva intitulada “Boca Sorridente” (OCDE, 2013; cap. 7) procura descrever essas mudanças ao longo da cadeia de valor, por um lado, a parcela da manufatura (produção – etapa intermediária) na geração de valor vem sendo gradativamente reduzida; por outro lado, os outros elos pré-produção (P&D com alto, Projetos com médio e Logística com baixo Valor Adicionado) e pós-produção (Vendas com alto, Marketing com médio e Logística com baixo Valor Adicionado) têm aumentado a contribuição no valor adicionado, potencializada pelas inovações em processo, diferenciação de produtos e criação de novos modelos de negócios (OCDE, 2013; 217). A curva explicita como a partilha da renda está sendo redistribuída entre as atividades econômicas, favorecendo certos serviços – pré e pós-produção – em detrimento da manufatura13 nas últimas décadas.

Para Howells (2006; 9) duas tendências paralelas explicam a agregação de valor no setor de serviços, outsourcing (terceirização) e offshoring (organização do processo de produção em diferentes países). O autor analisa os fenômenos associados com a mudança na divisão internacional do trabalho. Na década de 1980, almejando a redução de custos, o foco inicial da terceirização (outsourcing) foi nas funções empresariais de baixa qualificação da mão de obra – serviços de alimentação, limpeza, etc. Porém, posteriormente, as atividades de maior valor

agregadas e intensivas em conhecimento, como tecnologia da informação (TI), P&D e serviços jurídicos, também passaram a ser terceirizadas.

Aliado ao processo da terceirização, o fenômeno do offshoring (internacionalização de algumas atividades corporativas com ou sem terceirização) tem favorecido o aumento dos serviços também no comércio internacional especialmente de duas formas: i) as empresas que utilizam as prestadoras de serviços no mercado onde passaram a atuar, e; ii) as empresas contratam serviços de empresas sediadas no exterior, isto é, a internacionalização do setor de serviços (HOWELLS, 2006; 9). Para Schettkat e Yocarini (2005; 145), além da terceirização e o offshoring, a especialização e o direcionamento para demanda final possibilitaram o crescimento e as inovações no setor, que favoreceram o aumento da participação dos serviços na economia.

Para Greenhalgh e Gregory (2001; 644), as mudanças na estrutura nos serviços têm proporcionado adição de valor, que tem aumentado nos últimos anos com o potencial de inovações ocorridas nestes setores. Gallouj e Savona (2008; 155) classifica a inovação em serviços em três abordagens: i) tecnológica – utilização de tecnologias ou absorção de inovações de outras indústrias, por exemplo, das tecnologias de informação e comunicação (TICs); ii) orientada para diferenciação dos serviços – destaca a forma como o serviço é oferecido, customização dos serviços e; iii) integrada – que avalia a tendência para a convergência entre produtos manufaturados e prestação de serviços. A abordagem tecnológica, que pressupõe a importância dos serviços nos setores e produtos industriais, está centrada cada vez mais no uso intensivo de tecnologias, impulsionado muitas vezes pela adoção de equipamentos tecnológicos, fato que torna muito difícil a distinção entre os produtos dos serviços e industriais. As duas últimas abordagens estão relacionadas aos chamados novos modelos de negócios, onde os bens manufaturados são vendidos ou alugados com grande customização do produto a partir da diferenciação de serviços.

Para Kon (2007; 27) a reestruturação na composição das atividades produtivas das economias de diferentes níveis de desenvolvimento foi associada à velocidade e ao grau de inovação tecnológica nos processos produtivos e organizacionais, ligados ao setor de serviços, mais especificamente nos campos da telemática, e outros processos de telecomunicações, serviços de informática, relacionados à transferência de informação e conhecimento. Ademais, a autora destaca que o papel dos serviços é mais do que complementar nas atividades manufatureiras, pois é fundamental para intensificar a capacidade de inovação, produção, circulação, distribuição e regulação das atividades produtivas (KON, 2013; 84).

Ao analisar as interações e as capacidades de inovação nos serviços Miozzo e Soete (2001) desenvolvem uma taxonomia para estes setores14. Essa proposta classifica as atividades de serviços em três grupos:

i) Dominado por fornecedor: Serviços pessoais (restaurantes, hotéis, lavandaria, serviços de reparação, cabeleireiros e outros serviços de beleza) e serviços públicos e sociais. As empresas do primeiro subsetor são geralmente pequenas, com pouco ou nenhum desenvolvimento de P&D e engenharia. Eles apropriam pouco de tecnologias, competências profissionais, marcas comerciais e publicidade. As firmas do segundo subsetor, serviços públicos e sociais, são grandes organizações. No geral, dominada pelo fornecedor fazem apenas contribuições menores para o processo tecnológico, a maioria das inovações vem de fornecedores de equipamentos, informações e materiais;

ii) Redes físicas intensivas em escala e Redes de Informação. O primeiro subsetor, redes físicas intensivas em escala, envolve processos em grande escala com considerável divisão de trabalho, simplificação de tarefas e a substituição de trabalhador por máquinas. O seu desenvolvimento está intimamente relacionado com a aplicação de tecnologia de comunicação, inicialmente, com o objetivo de reduzir os custos. As empresas fortemente dependentes redes físicas intensivas em escala podem ser encontradas nos transportes e comércio, os serviços relacionados a distribuição. O segundo subsetor inclui firmas dependentes de redes de informação (comunicações). Em ambos, as inovações tecnológicas podem ter origem na indústria, com a adoção de máquinas e equipamentos, o uso dessas inovações será fortemente determinado pela prestação dos serviços, ou seja, pela demanda por serviços especializados;

iii) Baseado em Ciência e Fornecedores Especializados. Nas últimas décadas surgiu um número crescente de serviços relacionados à P&D, software, e o desenvolvimento e aplicação das tecnologias da informação. Em todas estas atividades, as principais fontes de tecnologia são a pesquisa, desenvolvimento e atividades de programação no setor de software.

14 Os autores utilizaram como base o estudo de Pavitt (1984), que desenvolve uma taxonomia a partir do

desenvolvimento tecnológico e que depende da interação entre as indústrias de características e dinâmicas tecnológicas diferentes; a saber: (1) dominadas por fornecedores são receptoras da maior parte do conhecimento utilizado e geralmente dão contribuições secundárias à inovação oriundas dos fornecedores; (2) Intensivas em

escala – as vantagens econômicas da produção em larga escala; (3) Fornecedores especializados – essas empresas

usam muito dos conhecimentos gerados pelas firmas “intensivas em produção” para desenvolver grande parte de suas tecnologias; (4) Baseadas em ciências: são firmas que realizam elevado esforço tecnológico (P&D interno), sustentado também em fortes relações com universidades e institutos de pesquisa e com os fornecedores especializados.

Como essas atividades são intensivas em mão de obra qualificada, em geral os “bens produzidos” por esses serviços incorporam alto grau de conhecimento técnico-científico.

A partir de uma análise empírica com dados Community Innovation Survey (CIS) da União Europeia, Castellacci (2008) desenvolve uma taxonomia15 complementar a Miozzo e Soete (2001). O autor desagrega o setor de serviços em três grupos: i) Intensivos em conhecimento: são fornecedores de conhecimento especializado e soluções técnicas como

software, P&D, engenharia e consultoria, atividades com grande capacidade tecnológica de

gerar conhecimento; ii) Serviços de infraestrutura física e de rede, prestam serviços especializados e intermediários na cadeia produtiva, as inovações nestes setores estão concentradas na capacidade de absorção de máquinas e equipamentos para o aumento da eficiência. Os prestadores de infraestrutura física são, por exemplo, transporte e comércio. Os prestadores de infraestrutura de rede são, por exemplo, as atividades de finanças e telecomunicações, atividades que manuseiam informações; iii) Serviços pessoais dominados pelos fornecedores, serviços direcionados aos consumidores finais, por exemplo, hotéis e restaurantes, as inovações estão relacionadas à organização dos serviços oferecidos. O autor complementa a discussão introduzindo reflexões sobre a importância desta forma de análise para o desenvolvimento das políticas industriais, defende as formulações de políticas verticais considerando as características de cada setor e suas relações intersetoriais (CASTELLACCI, 2008; 992).

Com base nos trabalhos apresentados nesta seção, classificamos os setores de serviços utilizados na World Input-Output Database (WIOD, 2014), base de dados utilizada na tese – Quadro 1.

15 A taxonomia foi desenvolvida para os setores da indústria e dos serviços. Pelo recorte metodológico deste

Quadro 1 – Diagrama Teórico das Atividades de Serviços

Fonte: Elaboração própria.

Conforme observado no diagrama teórico, as atividades de serviços retratam elevada heterogeneidade, dada pelas características tecnológicas e estruturais. Na literatura desta seção os autores condicionam dentro das transformações na estrutura das atividades de serviços elementos que explicam o aumento do setor de serviços na economia. As principais transformações estão atreladas ao direcionamento da demanda (especialização), ao potencial de geração de valor adicionado e à capacidade de inovação desses setores atualmente. A próxima seção complementa esses estudos apresentando a composição das atividades de serviços nos países selecionados.

Setores na Matriz Insumoxproduto - WIOD (2013) Grupo de Serviços - Singelmann (1978) Orientação dos Serviços - Singelmann (1978)

Relação entre Indústria e Serviços - Arbache (2014) Geração de Valor Adicionado “Boca Sorridente” - (OCDE, 2013) Abordagrm da Inovação - Gallouj e Savona (2008) Taxonomia - Miozzo e Soete (2001) Taxonomia - Castellacci (2008)

Comércio por atacado Comércio por varejo Transportes Terrestres Transporte Aquaviário Transporte aéreo

Agências de viagem e Outros Apoios Auxiliares de Atividades de Transporte

Electricidade, Gás e Abastecimento de Água

Dominado por

fornecedor Infraestrutura física

Intermediação Financeira Redes de Informação Infraestrutura de

rede

Atividades Imobiliárias Dominado por

fornecedor Infraestrutura física

Locação de M & Eq e outras atividades de negócio

Custos de produção e Agregação valor

P&D e Projetos- Alto VA Integrada e Tecnológica Baseado Ciência e Fornecedores Especializados Intensivos em conhecimento

Correios e Telecomunicações Custos de produção Redes de Informação Infraestrutura física

Administração Pública e Defesa - Dominado por

fornecedor

Pessoais dominado pelos fornecedores

Educação Agregação valor

(Universidades) Baseado Ciência (Universidades) e Dominado por fornecedor Intensivos em conhecimento (Universidades) e Pessoais dominado pelos fornecedores

Saúde e Assistência Social

Venda, manutenção e reparação de veículos automóveis e venda de combustível

Hotéis e Restaurantes

Outros serviços comunitários, sociais e pessoais Orientada para diferenciação dos serviços Intermediários Para o consumidor Dominado por fornecedor Pessoais dominado pelos fornecedores Infraestrutura física Vendas - Alto VA Logística - Baixo VA - - Redes físicas intensiva em escala Orientada para diferenciação dos serviços Serviços de Distribução Serviços Produtivos Serviços Sociais Serviços Pessoais Custos de produção -