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Muitas vezes, ao tomar decis˜oes, o ser humano acaba por uti- lizar atalhos no processo de escolha. Estes atalhos s˜ao chamados de heur´ısticas, que podem levar a vieses, mas n˜ao necessariamente, pois muitas vezes servem para agilizar o processo de tomada de decis˜ao, gerando um impacto positivo (SHEFRIN,2010).

Tversky e Kahneman (1974) comentam da existˆencia de trˆes

3.1. Heur´ısticas e vieses 37

heur´ıstica da representatividade, (ii) da disponibilidade e (iii) da anco- ragem.

A primeira, representatividade, diz que os indiv´ıduos avaliam a probabilidade de um evento “B” pelo n´ıvel em que um evento “A” se assemelha a “B”. Um exemplo dado por Tversky e Kahneman (1974) ajuda na compreens˜ao desta heur´ıstica. Digamos que um indiv´ıduo pos- sui as seguintes caracter´ısticas: ´e muito t´ımido e retra´ıdo; sempre pronto a ajudar, por´em possui pouco interesse nas pessoas e no mundo a sua volta; ´e tranquilo e organizado; tem necessidade de ordem e estrutura e uma paix˜ao por detalhes. Digamos que este indiv´ıduo ´e engajado em uma profiss˜ao espec´ıfica. Dessa forma, com base nas caracter´ısticas do indiv´ıduo as demais pessoas tendem a imaginar a poss´ıvel profiss˜ao dele utilizando o estere´otipo de diversas profiss˜oes (como por exem- plo, f´ısico, matem´atico, bibliotec´ario, vendedor, m´edico ou fazendeiro). Contudo, utilizar esta abordagem a julgamentos de probabilidade pode conduzir a s´erios erros, pois a similaridade (ou representatividade) n˜ao ´

e influenciada por diversos fatores que deveriam afetar julgamentos de probabilidade.

A segunda heur´ıstica ´e a da disponibilidade. Tversky e Kah-

neman(1974) afirmam que as pessoas julgam a frequˆencia ou a proba-

bilidade de um evento pela facilidade com que exemplos ocorrem em suas mentes. Por exemplo, um indiv´ıduo pode calcular a probabilidade de um jovem ter problemas card´ıacos recordando quantos casos deste tipo j´a ocorreram com seus conhecidos. A disponibilidade acompanha os seres humanos na vida cotidiana e de maneira geral ´e um m´etodo de efic´acia relativa na tomada de decis˜oes sobre frequˆencia.

A terceira heur´ıstica ´e a da ancoragem. Pode-se dizer que a ancoragem ´e um desdobramento da heur´ıstica da representatividade. Nela os indiv´ıduos focalizam a aten¸c˜ao sobre uma informa¸c˜ao recente- mente recebida e usam como referˆencia para fazer uma estimativa ou tomar uma decis˜ao. A ˆancora ´e um valor relevante que est´a dispon´ıvel ao tomador de decis˜ao. As pessoas fazem estimativas a partir de um valor inicial, que ´e ajustado para produzir a resposta final. A ˆancora pode ser inserida na formula¸c˜ao do problema em quest˜ao, ou pode ser resultado de uma an´alise parcial (TVERSKY; KAHNEMAN,1974).

Ainda a respeito da ancoragem,Tversky e Kahneman(1974, p. 1128) pediram aos participantes de seu estudo que girassem uma roleta para sortear um n´umero qualquer entre zero e cem. Ap´os o sorteio os autores realizaram algumas perguntas sobre certas quantidades (como

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por exemplo, quantos pa´ıses africanos eram membros da ONU). Como resultados,Tversky e Kahneman(1974) perceberam que aquele n´umero aleat´orio previamente sorteado teve forte influˆencia nas respostas dos participantes. Grupos de pessoas que receberam n´umeros pr´oximos a 10 no sorteio estimaram que cerca de 25 pa´ıses africanos eram membros da ONU, enquanto esta estimativa subiu para 45 quando o n´umero retirado na roleta foi pr´oximo a 65.

Muitas decis˜oes que ocorrem diariamente, n˜ao somente no con- texto financeiro, s˜ao baseadas em probabilidades de eventos incertos tais como o resultado de uma elei¸c˜ao, valoriza¸c˜ao do real ou do d´olar, a culpa de algum acusado.Tversky e Kahneman (1974) afirmam que as pessoas confiam em um n´umero limitado de heur´ısticas que reduzem a complexidade de algumas tarefas. Essas heur´ısticas tornam o processo de tomada de decis˜ao mais r´apido e f´acil, contudo podem conduzir os indiv´ıduos a cometerem erros.

Shefrin(2010) sintetiza estas trˆes heur´ısticas da seguinte forma:

• Representatividade ´e a tendˆencia em utilizar estere´otipos para realizar julgamentos. Um exemplo desta heur´ıstica ´e esperar re- tornos futuros positivos de ativos apenas por terem apresentado retornos passados tamb´em positivos.

• Disponibilidade ´e a tendˆencia em formar julgamentos baseados em informa¸c˜oes que est˜ao prontamente dispon´ıveis. Contudo, ao mesmo tempo o indiv´ıduo acaba subvalorizando as informa¸c˜oes que n˜ao est˜ao prontamente dispon´ıveis.

• Ancoragem ´e a tendˆencia de formular uma estimativa atrav´es do uso de um processo que come¸ca com um n´umero inicial (a ˆancora) e segue com ajustes posteriores em rela¸c˜ao a esta ˆancora.

Shefrin(2010) explica que, apesar de alguns vieses estarem as-

sociados especificamente a algumas heur´ısticas, outros derivam de uma s´eries de outros fatores. Tende a ser mais f´acil identificar a existˆencia de um vi´es no processo decis´orio do que identificar a sua causa.

Alguns destes vieses s˜ao apresentados na Tabela1. Uma discus- s˜ao mais detalhada a respeito do efeito disposi¸c˜ao pode ser encontrada na Se¸c˜ao3.4.

3.1. Heur´ısticas e vieses 39

Tabela 1 – Alguns vieses que interferem em decis˜oes financeiras

Vi´es Caracter´ıstica Autores relevantes

Avers˜ao a per- das

O impacto de uma perda ´e maior do que o im- pacto de um ganho na mesma propor¸c˜ao. Em outras palavras, o medo de perder costuma superar a satisfa¸c˜ao de ganhar. Estudos mos- tram que este impacto costuma ser em m´edia duas vezes maior para o campo das perdas. A avers˜ao a perdas pode levar a outros vie- ses, como o efeito dota¸c˜ao ou ainda o efeito disposi¸c˜ao. Genesove e Mayer (2001) Kahneman, Knetsch e Tha- ler(1991) Tversky e Kahne- man(1991) Custos afun- dados (sunk costs)

Consistem na forte tendˆencia em continuar um empreendimento uma vez que um inves- timento em dinheiro, esfor¸co ou em tempo j´a tenha sido realizado. Muitas vezes refletem na insistˆencia em projetos que n˜ao est˜ao cor- respondendo `as expectativas. Arkes e Blumer (1985) Whyte(1993) Excesso de con- fian¸ca

As pessoas tendem a sobreavaliar suas habili- dades ap´os terem obtido resultados positivos, o que provoca um comportamento de maior propens˜ao ao risco, aumentando significati- vamente o volume de ativos transacionados. No mercado este vi´es pode refletir em altas excessivas dos pre¸cos, bem como bolhas es- peculativas. Lichtenstein e Fis- chhoff(1977) Klayman et al. (1999) Statman, Thorley e Vorkink(2006) Menkhoff, Schme- ling e Schmidt (2013) Efeito disposi- ¸ c˜ao

Indiv´ıduos realizam ganhos de forma r´a- pida e tendem a reter ativos perdedores por bastante tempo em suas carteiras. Este efeito pode ser resultado de v´arios fatores, tanto psicol´ogicas, como a avers˜ao `a perdas, quanto racionais, como a revers˜ao `a m´edia, por exemplo. Al´em disso, o excesso de confi- an¸ca pode provocar o efeito disposi¸c˜ao.

Shefrin e Statman (1985) Odean(1998) Barberis e Xiong (2009) Kaustia(2010) Status quo

Tendˆencia em manter a situa¸c˜ao atual, resis- tˆencia `a mudan¸ca. A avers˜ao ao arrependi- mento pode ser uma causa que explica este vi´es.

Samuelson e

Zeckhauser(1988) Saurin et al.(2011)

Efeito dota¸c˜ao

A disposi¸c˜ao para aceitar um bem ´e geral- mente superior `a dispos¸c˜ao para pagar por aquele bem. Este vi´es pode conduzir ao sta- tus quo, no sentido de que os indiv´ıduos ten- dem a valorizar mais os bens que est˜ao sob sua propriedade, o que pode levar o indiv´ı- duo a permanecer na in´ercia.

Kahneman, Knetsch e Tha- ler(1990)

Knetsch(1989)

House money

O grau de avers˜ao a perdas do investidor depende de seus ganhos e perdas anteriores. Uma perda que vem ap´os um ganho ante- rior ´e menos dolorosa do que o oposto, pois ela ´e amenizada por tal ganho precedente. Ao contr´ario, uma perda que vem ap´os uma perda anterior ´e mais dolorosa. Este compor- tamento reflete em uma menor avers˜ao ao risco ap´os um ganho e uma maior avers˜ao ao risco ap´os uma perda.

Lucchesi(2010) Thaler e Johnson (1990)

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