• Nenhum resultado encontrado

No s´eculo XVIII a economia foi marcada por importantes tra- balhos que, conjuntamente, serviram de base para a constru¸c˜ao do con- ceito de utilidade. Jeremy Bentham, em “Princ´ıpios da Moral e da Le- gisla¸c˜ao”, publicado inicialmente em 1789, afirma que o ser humano ´

e dominado por dois senhores, sendo eles (i) a dor e (ii) o prazer. O princ´ıpio da utilidade refere-se `a sujei¸c˜ao do ser humano a estes dois se- nhores.Bentham(1789) acreditava que a utilidade em termos de prazer e dor poderia ser medida numericamente em uma escala ´unica. Al´em do mais, a utilidade poderia ser mensurada considerando a intensidade, dura¸c˜ao e grau de certeza de prazer ou dor. O conceito de utilidade est´a relacionado com uma propriedade que existe em qualquer coisa. Propri- edade esta que proporciona benef´ıcio, vantagem, prazer, bem-estar ou felicidade, sempre buscando evitar a ocorrˆencia do contr´ario (dano, dor, mal ou infelicidade). Para o autor, existem quatro fontes do prazer e da dor: fonte f´ısica, fonte pol´ıtica, fonte moral e fonte religiosa. A utili- dade de Bentham diz respeito `a tendˆencia de um objeto ou de uma a¸c˜ao em aumentar ou reduzir a felicidade. Atrav´es do princ´ıpio da utilidade, somado `a l´ogica, aritm´etica e evidˆencia experimental,Bentham(1789)

30 Cap´ıtulo 2. Contexto hist´orico

tentou deduzir todos os princ´ıpios morais e legais.

Daniel Bernoulli (1700-1782) tamb´em foi de fundamental im- portˆancia para o desenvolvimento do utilitarismo. Na verdade, Ber- noulli desenvolveu seus trabalhos antes de Jeremy Bentham. Inclusive, ´e poss´ıvel que Bernoulli tenha influenciado Bentham. No entanto, algo que difere o conceito de utilidade apresentado por ambos ´e que Ber-

noulli(1954) apresenta uma abordagem mais voltada `a probabilidade.

ConformeBernoulli(1954), a utilidade est´a relacionada com preferˆen- cias em tomadas de decis˜oes que envolvam resultados incertos. ´E uma hip´otese que afirma que, se certas condi¸c˜oes forem satisfeitas, ent˜ao o valor subjetivo associado a uma determinada decis˜ao sob incerteza ´e uma esperan¸ca estat´ıstica da avalia¸c˜ao do indiv´ıduo para determinados resultados poss´ıveis.

Um exemplo demonstrado por Bernoulli ´e o Paradoxo de S˜ao Petersburgo. Digamos que um indiv´ıduo esteja diante das seguintes possibilidades de escolha:

1. Ganhar R$ 1.000,00.

2. Jogar uma moeda justa por N vezes. O indiv´ıduo receber´a a quan- tia de R$2, 00N, considerando que N representa a primeira vez que o indiv´ıduo jogou e a moeda caiu como “cara” – sendo que todas as outras N− 1 vezes que a moeda foi jogada o resultado foi “coroa”. Se o resultado for “cara” na primeira jogada, ent˜ao o indiv´ıduo n˜ao recebe valor algum.

Este exemplo simula uma situa¸c˜ao na qual um indiv´ıduo po- der´a receber uma certa quantia em dinheiro por jogar “cara ou coroa” com uma moeda. Se a primeira vez que o indiv´ıduo jogar e a moeda cair como “cara” for apenas na quarta tentativa, ent˜ao o montante recebido ser´a de R$16,00. Se isso ocorrer na d´ecima segunda tentativa, ent˜ao o ganho ser´a de R$ 4.096,00. O ponto principal deste paradoxo ´e que a op¸c˜ao 2 possui esperan¸ca infinita em termos de ganhos poss´ıveis. No en- tanto, a maioria dos indiv´ıduo opta pela op¸c˜ao 1 – ganhar R$ 1.000,00. Sendo assim, Bernoulli (1954) demonstra a diferen¸ca existente entre utilidade e dinheiro.

Posteriormente, o utilitarismo permeou a economia atrav´es de autores como John Stuart Mill e Alfred Marshall, representando al- guns dos principais frutos do pensamento positivista na economia. Mill contribuiu com o utilitarismo ao refinar a defini¸c˜ao de utilidade, argu-

2.1. Utilitarismo e a utilidade esperada 31

mentando que prazeres intelectuais e morais s˜ao superiores aos prazeres f´ısicos.Marshall(1982, p. 126)1, por sua vez, comenta que n˜ao se mede o valor real das coisas para um homem pelo pre¸co que se paga por elas. O exemplo dado pelo autor para exemplificar esta afirmativa diz respeito aos pre¸cos do sal e do ch´a. O sal, apesar de possuir um pre¸co inferior ao do ch´a, ´e muito mais importante na vida do ser humano. Sendo assim, o sal possui uma alta utilidade total, mas uma baixa uti- lidade marginal (pois ´e abundante). O mesmo exemplo pode ser dado substituindo o ch´a e o sal pelo diamante (sup´erfulo, caro e escasso) e a ´

agua (essencial, barata e abundante), respectivamente. Neste contexto a teoria da utilidade surgiu como uma proposta de definir um padr˜ao de comportamento dos agentes econˆomicos. Ao definir um padr˜ao de com- portamento seria poss´ıvel criar modelos que explicassem os fenˆomenos econˆomicos, seguindo uma lente positivista. Marshall possu´ıa forma¸c˜ao em matem´atica e era especialista em economia pol´ıtica. Sendo assim, procurou desenvolver o lado matem´atico da teoria econˆomica, insclusive sendo considerado como um dos presursores da hoje chamada Econo- metria (MARSHALL,1982).

Von Neumann e Morgenstern(1945), com base no trabalho de

Bernoulli(1954), estabeleceram uma das bases das finan¸cas modernas

ou neocl´assicas com o desenvolvimento da Teoria dos Jogos. Durante a d´ecada de 50 a economia foi bastante influenciada por esta teoria, que tem como pressupostos impl´ıcitos de que o mercado ´e eficiente e os agentes econˆomicos possuem racionalidade ilimitada.Von Neumann e

Morgenstern(1945) questionam a no¸c˜ao matem´atica tradicional de tra-

balhar com jogos de escolhas (ou decis˜oes sob risco), que possui como premissa de que as escolhas deveriam ser feitas com o prop´osito de maximizar o valor esperado. O valor esperado de uma aposta ´e obtido atrav´es da multiplica¸c˜ao dos resultados poss´ıveis pelas suas respectivas probabilidades. Contudo, a premissa de que as pessoas se comportam de acordo com a abordagem de valor esperado n˜ao era refletida na rea- lidade. Sendo assim, na teoria da utilidade esperada as pessoas buscam maximizar sua utilidade esperada, e n˜ao o valor esperado de um bem. Dessa forma, o conceito da palavra utilidade diz respeito a tudo o que as pessoas querem alcan¸car e respeita a diversidade dos objetivos huma- nos. ´E um valor subjetivo, e valores subjetivos variam de pessoa para pessoa.

Na economia, teoria dos jogos e teoria da decis˜ao, a teoria da utilidade esperada se refere a uma hip´otese de que determinados pres-

32 Cap´ıtulo 2. Contexto hist´orico

supostos s˜ao satisfeitos. Al´em disso, o valor subjetivo que um indiv´ıduo associa a uma aposta ´e uma esperan¸ca estat´ıstica de quais s˜ao suas ex- pectativas. A utilidade esperada ´e diferente do valor esperado, ou seja, enquanto o valor esperado leva em considera¸c˜ao apenas os tamanhos dos recebimentos poss´ıveis e suas respectivas probabilidades, a utili- dade esperada inclui um valor subjetivo, que diz respeito `a percep¸c˜ao do agente em rela¸c˜ao a determinado recebimento poss´ıvel. O termo ini- cial dado `a utilidade esperada foi “esperan¸ca moral”, em contraste ao termo “esperan¸ca matem´atica”, e foi sugerido porBernoulli(1954).

A teoria da utilidade esperada (TUE) apresentou uma enorme inova¸c˜ao por inserir a utilidade nas an´alises econˆomicas e financeiras. Por´em, o que faltou foi a inclus˜ao de um ponto de referˆencia. Por exem- plo: podemos supor que dois indiv´ıduos possuem R$ 500 mil. Pela TUE ambos deveriam apresentar o mesmo grau de satisfa¸c˜ao / felicidade. Contudo, se o primeiro indiv´ıduo tinha R$ 1 milh˜ao e recentemente perdeu R$ 500 mil e o segundo indiv´ıduo tinha R$ 1 mil e ganhou R$ 499 mil, ´e claro que o segundo indiv´ıduo apresentar´a um grau de satisfa¸c˜ao muito maior que o primeiro.

A TUE engloba o conceito de homo economicus, o qual assume como premissas de que o tomador de decis˜oes conhece todas as op¸c˜oes e resultados poss´ıveis na decis˜ao a ser tomada, percebe diferen¸cas su- tis existentes entre as op¸c˜oes e age de forma totalmente racional com rela¸c˜ao `a escolha das op¸c˜oes dispon´ıveis (STERNBERG; MIO, 2009). A TUE foi fortemente difundida e serviu de base para o desenvolvi- mento de outras teorias na economia e tamb´em nas finan¸cas, como a regra de M´edia/Variˆancia desenvolvida por Harry Markowitz, o Modelo de Apre¸camento de Ativos de Capital (CAPM), proposto por William Sharpe, entre outros. Contudo, Kahneman e Tversky (1979) afirmam que a TUE n˜ao prevˆe com exatid˜ao como os tomadores de decis˜ao ava- liam as op¸c˜oes de escolha, principalmente quando se fala em decis˜oes que envolvam perdas. Desta forma, com base nas cr´ıticas `a TUE,Kah-

neman e Tversky (1979) apresentaram um modelo alternativo a esta

teoria, o qual chamaram de Teoria do Prospecto, que ser´a discutida no Cap´ıtulo3.