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Hipótese prevista no art 50 do Código Civil

7. A desconsideração da personalidade jurídica

7.10. Hipótese prevista no art 50 do Código Civil

O Ministro Moreira Alves introduziu no art. 48 do Projeto de Lei do Código Civil a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica:

A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios, ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.

Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração.

Contudo, após a emenda apresentada pelo Senador Josaphat Marinho, alterando a redação original do Projeto, este artigo passou a dispor o seguinte:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

O senador se justificou afirmando que não se trata da anulação da personalidade jurídica, mas sim de declará-la ineficaz para determinado efeito, ou seja, afirmar a sua ineficácia de forma episódica.

Por sua vez, o Deputado Ricardo Fiúza acolheu a mencionada emenda, salientando em seu parecer a importância da teoria, afirmando que “a questão referente à desconsideração da personalidade jurídica, finalmente normatizada, vem sendo objeto de importantes construções jurisprudenciais”.

De fato, houve uma mescla das teorias objetiva e subjetiva, estabelecendo que somente o desvio de finalidade ou a confusão de patrimônio podem gerar a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, sem a indesejável amplitude do Código de Defesa do Consumidor ou da lei que dispõe sobre a ordenação do meio ambiente, limita a penetração nos bens pessoais dos sócios a situações específicas e que devem ser indubitavelmente comprovadas.

Com isso o novo Código Civil admite a excussão de bens particulares dos sócios pelas dívidas da sociedade, mas apenas no caso de abuso da personalidade jurídica, a qual se caracteriza pela ocorrência do desvio de função ou pela confusão patrimonial.

Para Fábio Konder Comparato135:

A desconsideração da personalidade jurídica é operada como conseqüência de um desvio de função, ou disfunção, resultando, sem dúvida, as mais das vezes, de abuso ou fraude, mas que nem sempre constitui um ato ilícito.

Surge esta figura sempre que o sócio se desviou do objeto social para perseguir fins diversos daqueles previstos contratualmente ou proibidos por lei, de modo que não só se desviou do objeto social, mas, com propósito escuso, visou fraudar terceiros.

Podemos caracterizar o desvio de finalidade pela conduta dos seus sócios que, embora atuando dentro dos limites de seus poderes, desvirtuam os objetivos e a finalidade da sociedade, afastando-a daquelas previstas em lei.

Poderia servir como exemplo a esta definição a criação de empresas cujos bens inexistem de fato ou, quando existem, não estão livres e desembaraçados, ou ainda aquelas que foram fundadas com o objetivo precípuo de se tornarem inadimplentes e posteriormente sofrerem diversas alterações societárias, admitindo novos sócios que não possuem bens suficientes para adimplir com as obrigações sociais, não possuindo quaisquer bens penhoráveis.

135 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense,

Um segundo exemplo de desvio de finalidade é a criação de uma empresa “familiar”, constituída por três filhos e seu pai, na qual os aportes foram feitos com a maioria ou a totalidade dos bens pessoais deste último. Por sua vez, o filho pródigo que não fizera parte da sociedade, com o falecimento de seu progenitor, passa a ter direito a sua parte legítima. Entretanto, ela não mais se constituirá em bens tangíveis, fora ela reduzida às quotas sociais, que, ao seu turno, uma vez herdadas, não constituirão a maioria, não sendo conferida a ele a possibilidade de opinar sobre o rumo da empresa, restando-lhe apenas vendê-las a um preço irrisório aos seus irmãos.

Por sua vez, a confusão patrimonial entre os bens pertencentes à empresa e os bens de propriedade dos sócios, ou seja, a ausência de limitação clara e transparente que delineia o que compõe o patrimônio da empresa e o que compõe o patrimônio particular dos sócios, encontra óbice neste dispositivo do Código Civil.

Exemplo disso seria a utilização de numerários do caixa da empresa para benefício particular dos sócios, como no pagamento de mensalidade da escola dos filhos.

O correto neste caso seria o sócio lançar mão do seu pró-labore para fazer frente às suas despesas pessoais, malgrado a utilização dessa prática a fim de subtrair valores da sociedade em prol dos seus interesses particulares.

Portanto, na confusão patrimonial não é imprescindível a detenção de 99% das quotas por apenas um dos sócios, mais elementos se fazem necessários. É

condição sine qua non que se comprove que efetivamente houve a confusão dos patrimônios, de modo que a empresa foi utilizada de forma abusiva com o vil propósito de servir de escudo para se proteger das conseqüências originadas nas falcatruas que porventura foram perpetradas.

Finalmente, há que se reconhecer que as hipóteses ensejadoras da desconsideração da personalidade jurídica se encontram suficientemente esclarecidas neste artigo do Código Civil, as quais devem ser utilizadas com as devidas cautelas, a fim de não desencorajar aqueles que desejam empreender.

8. O MOMENTO E A PROVA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE