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Uma análise comparativa entre a Responsabilidade dos Sócios e a Teoria da

JURÍDICA

Ao contrário da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a Responsabilização dos Sócios não representa uma quebra no princípio da separação entre a pessoa jurídica e os seus dirigentes.

Esta afirmação é muito discutida pela doutrina, pois grande parte da doutrina entende que, de fato, a disregard doctrine não se aplica aos atos de má gestão dos sócios, infração à lei, excesso de poderes ou desrespeito a contrato social.

Suzy Elizabeth Cavalcante Koury142 faz parte da doutrina que perfilha deste entendimento afirmando que o comportamento dos sócios que agem com dolo ou culpa, em violação à lei ou ao estatuto, não pode ser imputado senão a eles mesmos, independentemente de se invocar a disregard doctrine.

Portanto, apesar de Rubens Requião entender que essas hipóteses de responsabilização dos sócios seriam um embrião da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, melhor seria classificá-las como hipóteses de responsabilização dos sócios por atos próprios, sendo despiciendo a busca da disregard doctrine, para assim atingir o patrimônio pessoal daqueles que perpetraram atos irregulares.

142 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de

A responsabilidade destes está descrita no contrato social que, por sua vez, será respeitado e obedecido enquanto a sociedade existir. Dessa forma, isso constitui uma reafirmação da sociedade, pois, ao responsabilizar-se de forma direta o sócio, percebe-se que não há obstáculo à existência da pessoa jurídica.

Equivocam-se, portanto, aqueles que têm entendido que algumas normas legais em vigor, que responsabilizam os sócios por atos da sociedade, nada mais são que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Na realidade, quando a própria lei determina que o sócio é o responsável pela dívida alheia, não se estará, aí, aplicando a disregard doctrine, mas simplesmente imputando a obrigação ao ente correto.

Desse modo, para responsabilizar os sócios, é mister a prova de que não agiram em conformidade aos seus deveres e encargos previstos no contrato social, causando com isso prejuízos à sociedade ou mesmo a terceiros.

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho143 expõe:

(...) circunstância de o ilícito ter sido efetivado no exercício da representação legal de uma pessoa jurídica ou em função da qualidade de sócio ou controlador em nada altera a responsabilidade daquele que, ilicitamente, causou danos a outrem. Não há, portanto, desconsideração da pessoa jurídica na definição da responsabilidade de quem age com excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou contrato social, ou por qualquer outra modalidade de ato ilícito.

Por exemplo, na hipótese de má administração, o sócio-administrador é responsabilizado por não ter empregado, na condução de sua empresa, o empenho que a sociedade exige de um homem probo.

Constata-se que essa responsabilidade não necessita da sociedade, posto que esta permanece com a sua personalidade ilesa, diverso do que ocorre na teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Nos primórdios, a teoria da separação entre as pessoas jurídicas e os seus dirigentes reinava absoluta, não comportando qualquer relativização.

Por sua vez, os precursores da teoria da desconsideração afirmaram que nenhum princípio de Direito poderia ser respeitado em detrimento da justiça, pois o abuso de qualquer instituto não deveria obter guarida no ordenamento jurídico.

Para eles, se o Estado por meio de lei concede o direito à personalidade jurídica autônoma ao ente abstrato, nada mais justo do que o Estado fiscalizar também o uso correto deste direito, autorizando excepcionalmente o afastamento episódico da personalidade, sempre que houver a presença de abusos e fraudes.

Nesse sentido, podemos citar o célebre acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relatado pelo Desembargador Edgar de Moura Bittencourt, no qual restou assentado:

A assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu a entravar a própria ação do Estado, na realização de perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude

do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao direito (RT, vol. 238/393).

Conclui-se que, em se tratando da responsabilização do sócio por um ato ilícito, e.g., prestação de aval quando este ato está vedado no contrato social, a aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é inócua, pois a ilicitude foi propagada pelo sócio, não pela pessoa jurídica.

E é exatamente isso que preconiza Luciano Amaro144:

Portanto, quando a lei cuida de responsabilidade solidária, ou subsidiária, ou pessoal dos sócios, por obrigação da pessoa jurídica, ou quando ela proíbe que certas operações, vedadas aos sócios, sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é preciso desconsiderar a empresa, para imputar as obrigações aos sócios, pois mesmo considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal. O mesmo se diga se a extensão da responsabilidade é contratual.

Da mesma forma, quando existe a utilização da pessoa jurídica para o cometimento de alguma fraude ou abuso, mister primeiro desconsiderar-se a sua personalidade, para posteriormente coibir a pessoa física que dela fez mau uso e com isso perpetrou um ilícito.

Assim tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça145, ao dispor que: “A despersonalização da pessoa jurídica é efeito da ação contra ela proposta; o credor não pode, previamente, despersonalizá-la, endereçando a ação contra os sócios”.

Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica apresenta alguns aspectos distintivos da responsabilidade dos sócios e de outras figuras, posto que a

144 AMARO, Luciano. Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito Mercantil

no 88, out/dez. 1992. p. 70/80.

aplicação do conceito culmina na desconsideração episódica da sociedade e, em decorrência disso, em eventual não-reconhecimento da separação patrimonial entre a entidade e seus membros; a desconsideração só é aplicada quando se constata a existência de uma pessoa jurídica devidamente constituída e juridicamente válida; a desconsideração não implica a anulação ou nulidade da pessoa jurídica, e tampouco resulta na anulação dos atos praticados pela pessoa jurídica, mas sim na atribuição destes atos a terceiros.

Como se vê, tanto a responsabilização dos sócios como a teoria da desconsideração da personalidade jurídica objetivam a proteção de terceiros, porém a natureza de ambas se mostra distinta; a primeira tem as suas bases assentadas no contrato social, e a segunda, na vedação prevista no ordenamento jurídico, que repudia a utilização da pessoa jurídica para a prática de atos abusivos e fraudulentos.