• Nenhum resultado encontrado

O momento e a prova da desconsideração da personalidade jurídica

No que tange ao momento e à prova da desconsideração da personalidade jurídica, doutrina e jurisprudência adotam posições divergentes entre si, cabendo ao operador do direito ponderar sobre as inúmeras indagações que permeiam estas questões, porém duas delas necessariamente devem ser postas.

A primeira delas: pugna-se ao Juízo pela desconsideração no exato momento em que se toma conhecimento do concilium fraudis, ou seria curial a deflagração de demanda autônoma?

A segunda: o Juízo deve dar guarida ao pedido de desconsideração fundamentando a sua decisão em presunções do abuso da personalidade jurídica,

primando pela teoria da aparência, ou imperiosa a apresentação de provas irrefutáveis dos elementos autorizadores da desconsideração?

Respondendo à primeira delas, Anco Márcio Valle136 defende a tese de que:

O eventual ajuizamento de uma ação de cognição para aplicação da teoria da penetração não faz qualquer sentido, pois o pressuposto autorizador da desconsideração da pessoa jurídica é simples e objetivamente verificável. Basta que o Juiz ouça os interessados sobre a questão, tanto a sociedade quanto os sócios responsáveis, deferindo-lhes a possibilidade de produzir provas, para que, ao final, possa decidir pela desconsideração da personalidade jurídica, caso tal solução seja a mais indicada na espécie.

Por sua vez, Fábio Ulhoa Coelho137 diverge, asseverando que:

O juiz não pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores. Nessa ação, o credor deverá demonstrar a presença do pressuposto fraudulento. Em outros termos, quem pretende imputar a sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar esta última, mas a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizadas. Se a personalização da sociedade empresária será abstraída, desconsiderada, ignorada pelo juiz, então a sua participação na relação processual como demandada é uma impropriedade. Se a sociedade não é sujeito passivo do processo legitimado a outro título, se o autor não pretende a sua responsabilização, mas a de sócios ou administradores, então ela é parte ilegítima, devendo o processo ser extinto, sem julgamento de mérito, em relação à sua pessoa, caso indicada como ré.

Há que se ressaltar que alguns magistrados138 têm perfilhado da primeira tese ao defender que:

136 VALLE, Anco Márcio. O Direito do Consumidor à Desconsideração da Personalidade Jurídica, em Caso de Falência da

Sociedade Fornecedora. AJURIS, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. vol. II, p. 663, março 1998. Edição Especial.

137

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6a ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p.55.

138 REsp 211619/SP. 3a Turma do STJ. Rel. Min. Eduardo Ribeiro. Relator p/ Acórdão Min. Waldemar Zveiter, decisão em

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.

Do mesmo modo, alguns magistrados139 defendem a impossibilidade da desconsideração sem a propositura de uma ação autônoma:

O pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve ser trazido pelo autor na peça vestibular do processo de conhecimento. Impossibilidade de acatar o pedido de desconsideração de personalidade jurídica, sob pena de violar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, uma vez que o sócio-gerente não foi citado em nome próprio e sua responsabilidade não ficou demonstrada na fase inicial do processo de cognição.

É interessante analisar que alguns defensores da tese da propositura de ação autônoma afirmam que, desconsiderada a personalidade jurídica a qualquer momento no processo de execução, isso afrontaria o princípio do contraditório, assim como o princípio do devido processo legal, que estão constitucionalmente inseridos no art. 5o, LIV e LV, da Constituição Federal de 1988, isto porque os sócios não integraram a lide no processo cognitivo.

Todavia, se o magistrado ordenar a citação dos sócios, posteriormente à sua decisão de levantar o véu da pessoa jurídica, acredita-se que tais preceitos fundamentais serão respeitados. Ademais, em caso de subsistir qualquer dúvida, o magistrado poderá determinar a dilação probatória.

139

Mister ressaltar que, inúmeras vezes, a insolvência da pessoa jurídica só é constatada na fase de execução, tornando-se um momento propício para se requerer a desconsideração.

Com relação à segunda indagação, embora grande parte da doutrina e da jurisprudência tenha perfilhado do entendimento de que se faz necessária a comprovação plena da prática de abuso da personalidade, para só então desconsiderar a personalidade jurídica, Leonardo de Faria Beraldo140 apregoa:

Apesar de, em um primeiro momento, concordarmos com essa tese, depois de uma maior reflexão temos que esse não é o melhor caminho a se trilhar. Lembremos que o CC/2002, no seu art. 212, IV, dispõe que o fato jurídico pode ser provado mediante presunção. Presunção, segundo o sempre brilhante Humberto Theodoro Júnior, “é mais um tipo de raciocínio do que propriamente um meio de prova”. E acrescenta que “com ela pode-se chegar a uma idéia acerca de determinado ato sem que este seja diretamente demonstrado”. Em outras palavras, é técnica de raciocínio

sobre fato concreto e provado, comumente chamada pela doutrina de prova indireta. Seria injusto com o credor, que não conseguiu trazer provas

irrefutáveis de sua alegação, negar a aplicação dessa norma (...) Ora, se esta prática não começar a ser rechaçada pelo Poder Judiciário todas as pessoas mal-intencionadas passarão a adotar esse recurso como regra de conduta. O caso mais comum na jurisprudência, de aplicação da desconsideração, é justamente em decorrência de dissolução irregular da sociedade. Sendo assim, se essa prática viciosa e ilícita vigorar, não existirá mais dissolução irregular, pois sempre será alegado, como matéria de defesa, que a sociedade ainda está em pleno funcionamento141.

Portanto, há de se aplicar inclusive a teoria da aparência, e, se a presunção for de abuso da pessoa jurídica, há de ser deferido o pedido de desconsideração.

Em suma, denota-se que, se por um lado existe a preocupação com os princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, por outro, esta questão poderia ser superada com a citação dos sócios, além do que o momento

140 Op. cit. nota 126. p. 113.

141 Leonardo de Faria Beraldo exemplifica esta questão mencionando o caso da sociedade empresária, regularmente inscrita

na Junta Comercial, com sede própria e que possua uma ou várias filiais. No mencionado registro, conta que a sua sede fica em algum bairro isolado, de preferência onde o IPTU e o lote sejam muito baratos. Assim, em caso de insolvência momentânea, fecham-se as portas da filial, ainda mais se a loja for alugada, lesando, assim, seus credores, principalmente o locador. Muitas vezes a sede desafia, até mesmo, as leis de engenharia, de tão mal construída que é. Entretanto, ao requerer- se a desconsideração de sua personalidade jurídica, será alegado, na contestação, que a sociedade não se dissolveu e que está em pleno funcionamento. Em outras palavras, a sede é mera fachada e só existe para lesar terceiros.

processual no qual se detecta a insolvência da sociedade ocorre por diversas vezes durante a execução.

De igual maneira, embora doutrina e jurisprudência preguem a necessidade de provas irrefutáveis para que se declare a desconsideração da personalidade jurídica, não se deve olvidar que em algumas hipóteses elas não se farão presentes, ao menos de forma clara, sendo, pois, necessária a aplicação da teoria da aparência.

9 . UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE A RESPONSABILIDADE DOS