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A estatística do resultado fiscal: impactos de regras e ciclos

3.1 Hipóteses e metodologia

Nosso trabalho busca identificar uma relação de causalidade entre a proximidade das eleições e a deterioração do resultado fiscal dos estados brasileiros. A atenção se volta para o período que começa com a introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que seus rigores para o ano final de mandato suscitam a hipótese nula H0 de não mais haver correlação negativa entre o período eleitoral e os indicadores de desempenho fiscal. Para verificarmos a persistência de oportunismo fiscal nos governos estaduais, contrapomos àquela suposição a seguinte hipótese alternativa:

H1: Na vigência da LRF, o período eleitoral afeta negativamente o desempenho fiscal dos estados brasileiros.

Para o teste de H1, considera-se basicamente a significância estatística da variável representativa dos ciclos político-orçamentários no intervalo setenial com início em 2000. Entretanto, a decisão pela aceitação da hipótese H1, e conseqüente rejeição de H0, depende não apenas da significância dos ciclos em face do resultado primário, mas também do seu sinal e intensidade quando relacionados com os demais indicadores do desempenho fiscal dos estados.

Os modelos são obtidos a partir dos métodos de estimação auto-regressivos para dados em painel AR(1), com correção para auto-correlação e heterocedasticidade, e logísticos binomiais, os quais devem fornecer as seguintes equações, respectivamente:

Y (i)t =

φ

1Y(i)t -1 + α 0 + β 1 X1 (i)t + β 2 X2 (i)t ... + β n Xn(i)t +

ε

(i)t e

LogitY(i)t = α 0 + β 1 X1 (i)t + β 2 X2 (i)t ... + β n Xn(i)t +

ε

(i)t

Onde:

 Y(i)t : resultado fiscal do estado i no ano t;

φ

1Y(i)t -1 : correção para auto-correlação de primeira ordem (lag 1);

 LogitY(i)t , ou log

(

) 0 P(Y ) 1 (Y P t (i) t (i) = =

)

: chance (odds) de ocorrência de déficit fiscal para

 X1, X2,..., Xn: variáveis explicativas; β1 , β2 ,..., βn: coeficientes das variáveis; α 0: constante;

ε

: erro.

Nas regressões AR(1) as variáveis dependentes são contínuas, correspondentes a percentuais de resultado fiscal. A medida de resultado primário (RPRIM) é tomada por variável resposta principalmente pelo fato de a redução de déficits e a geração de superávits primários serem pré-requisitos para o acatamento das metas fiscais instituídas em decorrência da LRF. Contudo, outros indicadores são também utilizados, notadamente o resultado financeiro (RFIN) e o resultado nominal (RNOM), para se testar a influência dos ciclos oportunistas em formas diversas de mensuração do resultado fiscal. Já nas regressões logísticas, o déficit primário (DPRIM) é a variável resposta, categórica e dicotômica, assumindo o valor “1” na ocorrência de déficit primário, ou “0” no caso contrário. O plano é verificar a freqüência de geração de déficits primários nos anos eleitorais em comparação com os outros anos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Crimes Fiscais são contemporâneas e se complementam na caça ao oportunismo fiscal. Em função disso, adota-se nos modelos a dummy “REGRAS”, para medir o efeito combinado da LRF e da LCF. A dummy é uma variável binária que funciona como proxy da presença ou da ausência de limites numéricos para o balanço fiscal. Ou seja, se o resultado fiscal se referir à fase de vigência da LRF e da LCF a dummy assume valor igual a 1, ou a 0, no caso contrário. São tidas como constantes no período da LRF as regras com efeitos fiscais instituídas em anos anteriores, como a Lei Camata (LC nº 82, de 1995), Lei Kandir (LC nº 87, de 1996), a Lei de Refinanciamento (Lei nº 9496, de 1997), a Emenda de Reeleição (EC nº 16, de 1997), dentre outras. Os

efeitos isolados dessas regras na performance fiscal também são difíceis de se definir com exatidão, dada a confluência de variáveis que compõem o ambiente político e institucional dos estados. Porquanto foram tais regras ratificadas desse ou daquele modo pela LRF, esta última tem sido a principal referência para a análise das alterações no resultado primário dos estados a partir de 2000.14

Por fim, utilizamos também uma dummy de tendência temporal “CICLO” que assume valores diferentes para cada ano, de acordo com a seguinte convenção: primeiro ano do mandato = 0; segundo ano do mandato = 0,25; ano pré-eleitoral = 0,75; ano eleitoral = 1. A idéia de a dummy assumir valores crescentes acompanha o pressuposto de que o oportunismo fiscal vai se tornando mais nítido nas imediações do certame. A significância, sinal e intensidade da dummy revelam a influência dos ciclos eleitorais sobre as variáveis dependentes. A variável que controla os impactos das diferenças regionais é o PIB per capita, que não apenas mede a quantidade de riquezas produzidas no estado, mas relaciona também os itens de receita e despesa ao tamanho da população. As demais variáveis explicativas são definidas segundo as considerações teóricas do capítulo precedente, colhidas da literatura nacional e internacional.

Na eleição das variáveis explicativas e de controle, o intento é atrair estimadores relativos ao contexto político, econômico e fiscal dos estados brasileiros. Note-se, porém, que a dificuldade aqui é a mesma de grande parte de estudos nas ciências sociais aplicadas: o problema da variável omitida. A bem dizer, é possível que a análise deixe de fora variáveis importantes para uma configuração mais precisa do impulso fiscal oportunista dos governantes, o que a limitação (e, na maioria dos casos, a inexistência) de dados

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Doravante, sempre que nos referirmos aos efeitos da LRF, estaremos nos referindo à ação combinada da LRF e LCF.

impossibilita. Por outro lado, a inclusão ad infinitum de variáveis seria impraticável e estatisticamente proibitiva. O quadro seguinte resume as variáveis escolhidas para os testes econométricos.

Quadro 3.1: Especificação das variáveis

Sinal esperado Variável e definição

RPRIM DPRIM RNOM RFIN DPUB CICLO

Dummy para os anos eleitorais

– + – – +

REGRAS

Dummy para a vigência da LRF

+ – + + –

IDEO

Ideologia do partido do governador

+/– +/– +/– +/– +/–

ALINT

Alinhamento partidário com o governo federal

+ – + + –

REEL

Expectativa de vitória do candidato governista

+ – + + –

FRAG

Fragmentação partidária na assembléia

– + – – +

COMPET

Competitividade por vagas na assembléia

+ – + + –

COLIG

Coligação do governador na assembléia

_ + _ _ +

PIB

PIB estadual anual per capita

+/– +/– +/– +/– +/–

TRANSF

Total de transferências recebidas da União

+ + + + +

TRIBUT

Receita tributária estadual

+ + + + +

DIVIDA

Despesa com serviços da dívida pública

– + – –

PESSOAL

Despesa com pessoal e encargos sociais

– + – –

GSOC

Gastos com políticas sociais

– + – –

INVEST

Despesas com investimentos

– + – –

As regressões se efetuam a partir de um painel de dados sócio-econômicos, fiscais e eleitorais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. O Quadro 3.2 informa os

procedimentos de obtenção dos estimadores políticos e orçamentários.

Quadro 3.2: Tábua operacional dos indicadores políticos e orçamentários

Estimador Operacionalização Fonte dos dados

IDEO (ESQUERDA=1; CENTRO=2; DIREITA=3)15 TSE

ALINT O partido do governador é o mesmo do Presidente da República? (NÃO=0, SIM=1)

TSE REEL Percentual médio de intenção de votos para o

governador ou candidato do seu partido nas pesquisas iniciais do primeiro turno

Datafolha e IBOPE

FRAG Fórmula da dispersão do percentual de cadeiras e do número de partidos nominais na assembléia

TSE e IUPERJ COMPET Número de candidatos para deputado estadual /

cadeiras na assembléia

TSE e IUPERJ COLIG Percentual de votos válidos da coligação na assembléia

(quantidade de deputados aliados/ total de deputados)

TSE TRANSF Total anual de transferências recebidas da União / RCL STN

TRIBUT Receita tributária anual / RCL STN

DIVIDA Despesa anual com encargos e amortização da dívida interna e externa / RCL

STN e BACEN PESSOAL Despesa com pessoal e encargos sociais / RCL STN e IPEA GSOC Gasto anual com políticas sociais (assistência e

previdência; saúde e saneamento; trabalho e renda; educação e cultura; agricultura) / RCL

STN e IPEA

INVEST Despesa anual com investimentos (obras,

equipamentos, instalações) e inversões financeiras (aquisição de imóveis e bens de capital e outras) / RCL

STN e IPEA

Os indicadores de desempenho fiscal e demais variáveis orçamentárias são calculados em percentual da Receita Corrente Líquida (RCL), por ser este, e não outro, o parâmetro nomeado pela LRF para a mensuração do grau de solvência dos estados. Além disso, permite-se a comparação entre as variáveis e entre as unidades da Federação; e o

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Os espectros ideológicos são classificados da seguinte forma: Partidos de esquerda: PDT, PC do B, PT, PPS, PSB, PT do B; Partidos de centro: PMDB, PL, PSDC, PMN, PSDB, PST, PV, PRN, PSL, PTN; Partidos de direita: PFL, PTB, PRONA, PP, PPR, PPB, PSN, PSC, PRP, PSD, PRTB. Vide: Rodrigues, L. M. (2002). “Partidos, Ideologia e Composição Social”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 17, nº 48. p. 31-47.

peso relativo de cada item de receita e despesa ao longo dos anos fica preservado. O cálculo do resultado primário para os anos de 1995 a 2004 segue a metodologia atual da Secretaria do Tesouro Nacional: a receita total, excluídas as receitas financeiras,16 as

operações de crédito e as alienações de bens, menos a despesa total, não computadas nesta as despesas com juros e amortizações das dívidas. Para os anos de 1993 e 1994, a sistemática é esta: receita total, excluídas as receitas de capital e as operações creditícias, menos a despesa total, diminuída das despesas com encargos das dívidas interna e externa. A mudança na metodologia de cálculo se deve à alteração na nomenclatura dos valores divulgados pela STN a partir de 1995.

As séries temporais abrangem quatro eleições para governador (1994, 1998, 2002 e 2006). São comparados dois intervalos (1993-1999, que representa a fase pré-LRF, e 2000-2006, a fase de vigência da regra), para efeito de monitorar alterações na significância das variáveis explicativas. O ano de 2000 é incluído na fase posterior em razão de o ponto de inflexão na curva do resultado primário ocorrer ali, conforme visto no Gráfico 1.1. Além disso, é fato que, embora os orçamentos para aquele exercício houvessem sido aprovados no ano anterior, já há em 2000 uma predisposição dos governos estaduais em dar início ao processo de ajuste fiscal, face às medidas fiscais adotadas até então e às negociações com o governo federal para aprovação da Lei.

Embora a estatística empregada seja relativamente simples, é de se esperar que suas inferências sejam bastante razoáveis, visto que não se pretende aqui estabelecer uma relação exata de causalidade entre as combinações de variáveis e determinado indicador de

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Segundo a metodologia adotada pela Secretaria do Tesouro Nacional, as receitas não-financeiras correspondem ao total da receita orçamentária, deduzidas as operações de crédito, as provenientes de rendimentos de aplicações financeiras, os recursos oriundos de empréstimos concedidos e as receitas de privatização. Despesas não-financeiras correspondem ao total da despesa orçamentária, deduzidas as despesas com juros e amortização da dívida interna e externa, com a aquisição de títulos de capital integralizado e os empréstimos concedidos.

resultado fiscal. O empreendimento é menos ambicioso: enxergar a cada passo alterações na significância estatística dos ciclos eleitorais, na presença e na ausência da Lei de Responsabilidade Fiscal.