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INTRODUÇÃO À ESTRUTURA DA TESE

CAPÍTULO 1: POR QUE TEMER A TECNOLOGIA?

2.2 Hiperlink, Hipermídia, Hipermodalidade

Tanto o desenvolvimento e expansão dos programas computacionais quanto da internet possibilitaram o surgimento do hipertexto. Entre suas características estão o fato de ele estar em mudança constante; possuir nós e conexões diversificadas (e.g. palavras, imagens); ter uma estrutura fractal, além do fato de que qualquer nó ou conexão podem ser compostos por uma rede complexa - sendo que a relação entre os nós geralmente é baseada na proximidade existente entre os significados (LEVY, 1993). Como Landow (2006) aponta, o hipertexto coloca em suspensão a noção de unidade - algo com começo, meio e fim bem estabelecidos - que era geralmente associada à construção do texto impresso.

Ao pensar sobre as questões que envolvem a natureza de um texto que possua uma estrutura hipertextual, Braga e Ricarte (2005) apontam situações novas como a quebra do texto em partes menores correlacionadas por meio de links68. Através de uma experiência de retextualização69 de uma reportagem publicada em uma revista de grande circulação nacional e levando em consideração apenas a informação verbal nela contida, os autores observaram que as seguintes alterações seriam necessárias durante a elaboração do hipertexto:

 segmentação das informações textuais;

 introdução de redundância para tornar fragmentos coerentes;

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Link é o nome dado quando um nó se conecta a outro. 69

A noção de retextualização adota por Braga e Ricarte (2005) se baseia no conceito desenvolvido por Marcuschi (2001) que ressalta que a retextualização não se limita a uma simples transcodificação, uma vez que ela é constituída por etapas mais complexas que tem como objetivo adequar a linguagem ao meio, assim como à situação de uso.

 definição de associações entre fragmentos;

 estabelecimento de caminhos de leitura possíveis.

Uma experiência semelhante foi realizada por Schlindwein (2007). Na primeira etapa do experimento alguns alunos de graduação da Unicamp foram convidados a confeccionar fanzines70 impressos sobre seus temas favoritos. Finalizada a produção foi-lhes proposto o desafio de transformar a versão impressa em um e-zine - nome que o fanzine recebe quando é produzido e publicado digitalmente. Para essa segunda etapa foi utilizada uma plataforma de editoração pessoal conhecida como Wordpress71 e sua escolha foi baseada em vários quesitos, como o fato de ser livre (seu tipo de licença é o de código aberto), grátis e teoricamente fácil de usar. Depois que uma parte do e-zine já estava pronto um questionário composto por perguntas abertas foi aplicado com o objetivo de observar como essa experiência foi vivenciada pelos colaboradores.

Embora os criadores do Wordpress afirmem que seu uso é fácil, os participantes da experiência relataram momentos de frustração frente aos limites das ferramentas de editoração naquele momento disponíveis - isso ocorreu provavelmente porque os colaboradores, por estarem acostumados a usar diferentes recursos computacionais, superestimaram as potencialidades do Wordpress. Como o domínio das linguagens de programação exige certo grau de especialização, as pessoas - no geral - buscam programas de autoria pré- construída, porém, isso tem algumas consequências, como a necessidade de “ajustar suas intenções comunicativas às opções de padrão e formato textual oferecidos por esses programas” (BRAGA; RICARTE, 2005, p.75), o que pode gerar frustração.

Essas duas experiências (BRAGA; RICARTE, 2005; SCHLINDWEIN, 2007) apontam que os caminhos de leitura disponibilizados pelo hipertexto são

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Contração (ou aglutinação) de duas palavras inglesas (fanatic e magazine), o fanzine é um tipo de publicação de pequena tiragem, alternativa e livre de censura, não tendo regras para a sua edição ou editoração e cuja periodicidade não segue uma norma. Sua distribuição geralmente é gratuita ou é cobrado um valor simbólico para cobrir os custos de produção.

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tanto resultado de opções e hierarquizações que ocorrem no nível do sentido almejado pelos escritores, assim como das escolhas feitas resultantes do acesso ou domínio que os autores têm dos recursos técnicos.

Além da quebra da linearidade textual, outras características distinguem o hipertexto do texto impresso, como a grande variação de cotexto72 e a presença de outras mídias, tais como som e vídeo (BRAGA, 2003; 2005). Essa tendência ocorre devido ao fato de o ambiente eletrônico ser intersemiótico, permitindo o uso de diferentes aportes sígnicos (ícones animados, música e etc.) em uma única página. Essas características, dentre outras, demandam o desenvolvimento de habilidades e estratégias de leitura específicas para o meio digital (XAVIER, 2005). Ao analisar os tipos de hipertextos existentes na década de 1990, Snyder (1996; 1998 apud BRAGA, 2003) propôs a seguinte classificação:

 Hipertexto fechado: apresenta um sistema fechado, como nos CD- ROMs, em alguns journals (como o Journal of Visual Communication73) ou em algumas hiperficções;

 Hipertexto aberto: apresenta um sistema aberto, como a web.

Essa classificação ainda é válida e sua relevância reside no fato de como sua estrutura (aberta ou fechada) afeta as construções de caminhos de leituras possíveis. Com relação às formas como as ligações entre as lexias podem ocorrer, observam-se dois grupos que se subdividem (LANDOW, 2006):

A) Ligações entre lexias: que podem ser unilaterais (de uma lexia para outra) e bidirecionais (entre as lexias);

B) Ligações entre segmentos de textos dentro de lexias:

 um segmento de um texto (como uma palavra ou frase) para lexia (essa ligação pode ser unilateral ou bidirecional);

72 Cotexto é aqui entendido como o “conjunto de esquemas interpretativos que foram acionados durante o processo de leitura que influenciam a interpretação dos novos segmentos lidos” (Braga, 2005, p.249). 73

 um segmento de um texto para outro segmento em outra lexia (essa ligação pode ser unilateral ou bidirecional);

 um segmento de um texto para vários outros em lexias diferentes;

 vários segmentos de um texto em lexias diferentes que apontam para um único segmento em uma mesma lexia;

typed link (por exemplo, uma janela pop-up) que contém informação que pode exemplificar, contra-argumentar, ilustrar e etc.

Novamente as ligações entre lexias ou trechos são importantes porque elas também afetam a construção do sentido do hipertexto. Como observa Santaella (2004, p.175):

a leitura orientada hipermidiaticamente é uma atividade nômade de perambulação de um lado para outro, juntando fragmentos que se vão unindo mediante uma lógica associativa e de mapas cognitivos personalizados e intransferíveis.

As histórias elaboradas através do uso de hipertextos podem apresentar, portanto, “mais de um ponto de entrada, muitas ramificações internas e nenhum final bem definido”, pois “as narrativas hipertextuais são intricadas teias de fios emaranhados” (MURRAY, 2003, p.65). Pelas características anteriormente mencionadas, as tipologias de hipertexto estabelecidas por Landow (2006), bem como as reflexões tecidas por outros autores citados nesta tese (SNYDER, 1996; MURRAY, 2003; BOLTER; GRUSIN, 2000; SANTAELLA, 2003, 2004, 2007) se mostraram relevantes para a abordagem aqui proposta e por isso foram adotadas como parâmetros para as análises realizadas no capítulo 4.

Retomando as características apresentadas até o momento a respeito do hipertexto, elas refletem a teoria de descentralização postulada por Derrida, assim como a concepção de Deleuze e Guatarri (LANDOW, 2006) de uma

estrutura rizomática - inspirada na estrutura das raízes de plantas como as gramíneas, como ilustra a imagem 13:

Imagem 13: Estrutura rizomática Fonte: Blog Saranelma (2013)

Um rizoma não possui um eixo central e único de onde derivam ramificações; ele é uma estrutura descentralizada, não-hierarquizada, com expansões para todas as direções. Essa analogia facilita a visualização do que ocorre em hipertextos abertos, onde um link leva a outro texto que contém outro link que por sua vez repete o processo ad infinitum.

Murray (2003) observou em seus estudos sobre histórias construídas no formato hipertextual que os indivíduos geralmente confundem, por exemplo, narrativas multisequenciais com não sequenciais. De acordo com a autora, essas pessoas acreditam que “a inexistência de um formato linear convencional significa a ausência da causalidade narrativa” (MURRAY, 2003, p.9). Para evitar esse tipo de confusão, a pesquisadora prefere adotar o termo multisequencial e multiforme ao invés de “não-linear”. Acatando as colocações de Murray (2003), ao discutirmos ciberliteratura estaremos privilegiando os termos multisequencial e multiforme.

Outra característica apontada ao observarmos as diferenças entre escrita impressa e digital é a hipermodalidade, ou seja, uma junção de modalidades (multimodalidades) estruturadas de forma hipertextual. A multimodalidade aponta para a importância de considerarmos, além da linguagem em uso, “outras semioses [semiotics] como a imagem, a música, o gesto e etc.” (IEDEMA, 2003, p.33) e cabe ressaltar que ela não é uma característica exclusiva dos ambientes digitais - textos impressos também podem ser multimodais, sendo um exemplo interessante os chamados livros pop up, em que as imagens “saltam” das páginas (Imagem 14).

Além dos livros pop up há os livros ilustrados, os musicais e os com cheiro, geralmente voltados para o público infantil. Cabe observar que a presença de elementos tipográficos também compõe um texto multimodal, como aponta Lima-Lopes (2014). Outro exemplo nos é dado por Eisner (1989, p.10) que, ao analisar os componentes de uma história em quadrinhos, comenta que o letreiramento (a forma como as letras são usadas) “tratado ‘graficamente’ e a serviço da história, funciona como uma extensão da imagem”, podendo fornecer “o clima emocional, uma ponte narrativa” ou “a sugestão de um som”.

Retomando a questão da hipermodalidade, ela ocorre quando as relações entre as modalidades são complexas em vez de apresentarem um padrão linear ou sequencial:

Hipermodalidade é a combinação de multimodalidade e hipertextualidade. Não temos apenas a conexão entre unidades de textos em vários níveis, temos também a conexão entre unidades de textos, elementos visuais, e unidades sonoras E essas conexões vão além dos padrões Imagem 14: Exemplo de livro pop up

convencionais dos gêneros multimodais tradicionais74 (LEMKE, 2002, p.301).

Devido a essas características, a construção do sentido em um material hipertextual se dá nos caminhos trilhados pelo leitor ao combinar os significados das diferentes semioses. Mas esses significados podem ser mais ou menos definidos pelo autor quando ele faz opções e hierarquizações no nível do sentido (ponto de vista, intenções e etc.) assim como aquelas que acontecem na elaboração técnica (e.g. organização das informações, grau de interatividade do hipertexto entre outras).

Assim, se por um lado as teorias que buscam explicar o sentido das imagens não dão conta da parte linguística, por outro lado, de acordo com Kress e Mavers (2006, p.172), apenas a língua não consegue nos proporcionar acesso pleno aos sentidos produzidos por muitas mensagens contemporâneas, pois elas são constituídas de diversos modos:

As páginas contendo escrita ou imagem; em telas, através de CD-ROMs e da Web; na fala, música, imagem - estática ou em movimento; no gesto, cor e trilha sonora. Em tais textos cada modo, linguagem incluída, é apenas um portador parcial de sentido (destaque dos autores)

Considerando a perspectiva de Kress e Mavers (2006) em conjunto como afirmação de Santaella (2004, p.177-8) que a “linguagem hipermídia presente nos ambientes imateriais do ciberespaço inaugura uma maneira nova de ler”, coloca-se a seguinte pergunta: como será possível a leitura dessas novas produções? Os tópicos que seguem buscaram apontar caminhos possíveis para a construção de uma abordagem que responda a tal questão.

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