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INTRODUÇÃO À ESTRUTURA DA TESE

CAPÍTULO 3: C:\USERS\CIBERLITERATURA(S)

3.1 O que entendemos por “literatura”?

Eagleton (1994) não hesita em deixar clara a impossibilidade de tratar a definição de literatura como uma categoria “objetiva”:

Não seria fácil isolar, entre tudo o que se chamou de “literatura”, um conjunto constante de características inerentes. Na verdade seria tão impossível tentar isolar uma única característica que identificasse todos os tipos de jogos. Não existe uma “essência” da literatura (Idem, p.9-10)

Para os dualistas de plantão - que classificam o mundo como sendo ou não-sendo - as palavras de Eagleton são uma verdadeira fonte de frustração. Para aumentar ainda mais o desconforto criado por esse autor, vejamos as reflexões de Lajolo sobre a literatura:

O relacionamento linguagem/mundo, então, ora esgarça e diminui a distância e a convenção que separam palavras e coisas, ora cimenta e fortalece o espaço que se interpõe entre as coisas e as palavras. O homem, assim, constantemente se faz recordar que os nomes não são coisas. Mas, no mesmo movimento, percebe que as coisas só existem para ele, homem, quando incorporadas à sua linguagem. E é nesse jogo de avanços e recuos, entre a momentânea certeza de que as palavras e coisas constituem uma unidade e a igualmente momentânea angústia de que palavras e seres jamais se interpenetram, que se configura a linguagem. E é dessa linguagem, na sua manifestação mais radical, que surge a literatura (LAJOLO, 1992, p.113).

Apesar de críticos contemporâneos terem apontado os obstáculos ao se tentar definir o que é literatura de maneira fechada (é isso, não é aquilo), Lovell (1996, p.433) observa que ainda há os que tentam fazê-lo em termos de certas “qualidades distintivas do texto literário que o destacam de outros tipos de texto; em termos de uma reação estética por parte do leitor; e em termos de sua função social”. Com relação ao primeiro tipo - qualidades distintivas do texto - Eagleton (1994) irá tecer uma série de argumentos que refutam tal classificação, opinião compartilhada por Lajolo:

Nada, entretanto, de receitas literárias. Nem prescrições, nem proscrições. Toda e qualquer palavra, toda e qualquer construção linguística pode figurar no texto e literalizá-lo. Ou, ao contrário, não literalizá-lo coisa nenhuma, apesar de todo o pedigree literário que certas palavras e construções parecem arrastar atrás de si (LAJOLO, 1992, p.114).

Com relação à definição de literatura a partir da sua função social, Lajolo (2001, p.19) alerta que a escola tem funcionado como “avalista e fiadora do que é literatura”, sendo tal instituição apontada como uma das “maiores responsáveis pela sagração ou pela desqualificação de obras e de autores” desfrutando de “grande poder de censura estética (...) sobre a produção literária”. Como disse Roland Barthes, literatura é aquilo que nos é ensinado (LOVELL, 1996, p.434).

Além da escola, Abreu aponta outras “instâncias de legitimação” que definem o que devemos considerar “grandes obras” literárias:

a universidade, os suplementos culturais dos grandes jornais, as revistas especializadas, os livros didáticos, as histórias literárias etc. Uma obra fará parte do seleto grupo da Literatura quando for declarada literária por uma (ou de preferência, várias) dessas instâncias de legitimação. Assim, o que torna um texto literário não são suas características internas, e sim o espaço que lhe é destinado pela crítica, e, sobretudo, pela escola no conjunto dos bens simbólicos (ABREU, 2006, p. 40).

Além da visível dificuldade em se definir o que é literatura, quando pensamos na questão de suporte material do texto, a associação entre literatura e livro impresso é muito sedimentada, o que aumenta o debate sobre se certos textos veiculados em meios não impressos são, ou não, literatura, como observa Zilberman (2001, p.119):

Livro e literatura constituem, por força da índole da escrita e da materialidade do papel, as duas faces de uma única moeda. A expansão do primeiro garantiu a ascensão da segunda, que, até a invenção da imprensa, circulava entre grupos seletos e aristocráticos; ou então se sustentava graças à circulação oral, efêmera, por natureza.

Murray (2003, p.23) comenta que as pessoas se agarram aos livros como se acreditassem que o “pensamento humano coerente só fosse possível

sobre as páginas numeradas e encadernadas”. A fetichização do livro pode ser vista em romances e em produções fílmicas, como, por exemplo, no filme The Book of Eli (EUA, 118 min., 2010). Sua trama se desenrola em uma América do Norte pós-apocalíptica, desértica e violenta e Eli - o personagem principal interpretado por Denzel Washington - tem como missão transportar um livro (a bíblia do rei James) que pode ser a chave para refazer a sociedade humana (ou destruí-la, se a publicação cair em mãos erradas). Sobre a percepção do livro como receptáculo “natural” do saber humano, McLuhan (1972, p.113) comenta que essa noção “provavelmente derivada da distinção medieval entre clérigos e leigos”, distinção essa que podemos notar em obras que retratam a relação entre a Igreja e o conhecimento, como o livro Em nome da Rosa, de Umberto Eco. Vemos aqui a retomada do tema abordado no capítulo 1, ou seja, em universos distópicos os livros são destruídos/banidos ou precisam ser controlados devido às ideias que contêm, ideias essas que podem trazer desequilíbrio ao status quo, algo não desejado pelas instituições de poder.

Retomando a discussão sobre literatura, se, no âmbito teórico, há um conjunto de controvérsias sobre a natureza do texto literário, é de se esperar que o recorte do que tentamos definir como literatura se torne ainda mais indefinido quando extrapolamos o universo do texto impresso e ingressamos na complexa integração de semioses que constituem as formas expressivas da cibercultura de uma forma mais geral ou da automação do processo de autoria, como é o caso da Literatura Gerada por Computador.