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Hipertensão em condições especiais

As condições clínicas de dislipidemia, insuficiência coronariana e cardíaca são discutidas nos capítulos específicos. Em seguida, algumas situações frequentes em idosos que merecem atenção:

1 - Hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE)

A HVE pode se associar à hipertensão arterial e é indicador independente de risco cardiovascular73,74. O tratamento

medicamentoso é fundamental, e deve-se recomendar restrição de sódio e controle do peso. Todos os anti- hipertensivos, à exceção dos vasodilatadores de ação direta,

Fig. 4 -Fluxograma para avaliação diagnóstica da hipertensão renovascular.

Tabela 7 - Fármacos e drogas que podem induzir hipertensão

Fármacos e drogas que podem induzir hipertensão

Classe farmacológica Efeito pressor e frequência Ação sugerida

Imunossupressores

Ciclosporina, tacrolimus, glicocorticóide Intenso e frequente Inibidor de ECA e antagonista de canal de cálcio (nifedipino/anlodipino). Ajustar nível sérico. Reavaliar opções Anti-inflamatórios não esteroides, inibidores da ciclooxigenase 1 e ciclooxigenase 2

Inibidores da COX-1 e COX-2 Eventual, muito relevante com uso contínuo Observar função renal e informar efeitos adversos Anorexígenos/sacietógenos

Anfepramona e outros Intenso e frequente Suspensão ou redução de dose Sibutramina Moderado, mas pouco relevante Avaliar a redução da pressão arterial obtida com a redução de peso Vasoconstritores, incluindo derivados do ergot Variável, mas transitório Usar por período determinado Hormônios

Eritropoietina humana Variável e frequente Avaliar hematócrito e dose semanal Hormônio de crescimento (adultos) Variável, uso cosmético Suspensão Antidepressivos

Inibidores da monoaminoxidase Intenso, infrequente Abordar como crise adrenérgica Tricíclicos Variável e frequente Vigiar interações medicamentosasAbordar como crise adrenérgica. Drogas ilícitas e álcool

Anfetamina, cocaína e derivados Efeito agudo, intenso. Dose-dependente Abordar como crise adrenérgica Álcool Variável e dose-dependente. Muito prevalente Vide tratamento não medicamentoso

reduzem a HVE, sendo os bloqueadores do sistema renina angiotensina aparentemente os mais eficazes75. Evidências

sugerem que a regressão da hipertrofia do ventrículo esquerdo está associada à diminuição da morbidade cardiovascular76-79.

2 - Hipertensão arterial e cognição

HAS é fator de risco para desenvolvimento de déficit cognitivo e demência. Alguns estudos transversais não mostraram correlação entre PA e função cognitiva. Entretanto, estudos longitudinais, mais adequados para avaliar essa associação, confirmaram esta correlação. No estudo de Framingham a análise de 1.702 indivíduos mostrou que a cognição se correlacionou negativamente aos níveis de PA80.

No estudo “Honolulu-Asia Aging”, com 3.735 indivíduos, observou-se que havia correlação significante entre entre PA sistólica elevada e redução na função cognitiva. O tratamento anti-hipertensivo reduziu déficit cognitivo81. Outro estudo

longitudinal, que avaliou 1.373 indivíduos, com idades entre 59 e 71 anos, mostrou relação entre HAS e declínio cognitivo e maior risco deste declínio nos indivíduos sem tratamento anti-hipertensivo82. Evidências mais recentes sugerem, ainda,

que a doença vascular cerebral hipertensiva favorece o aparecimento da doença de Alzheimer. Estudo prospectivo mostrou que elevações da pressão sistólica e dos níveis de colesterol quadruplicava o risco de doença de Alzheimer83.

Entretanto, há dados controversos sobre benefício do tratamento anti-hipertensivo e déficit cognitivo. Os estudos SHEP e MRC não demonstraram tal benefício6,84. No Syst-Eur

houve redução de demência vascular e Alzheimer (7,7 vs 3,8 casos por 1.000 pacientes-ano)85. Guo e cols.86 avaliaram 1.810

indivíduos com idade acima de 75 anos e mostraram que a prevalência de demência foi significativamente menor entre idosos em uso de anti-hipertensivos86. Análise de 1.900 idosos

afro-americanos concluiu que tratamento anti-hipertensivo reduziu o risco de declínio cognitivo em 38%87. No estudo

PROGRESS o tratamento anti-hipertensivo mostrou redução não significativa do risco de declínio cognitivo de 12% nos indivíduos estudados após seguimento de 4 anos. Entretanto, o tratamento reduziu déficit cognitivo em 34% naqueles que tinham acidente vascular cerebral recorrente88. Mais

recentemente, o estudo SCOPE não demonstrou benefícios evidentes do tratamento anti-hipertensivo em 4937 pacientes com idades entre 70 e 89 anos89. No estudo HYVET-COG90

houve redução não significante de demência com o tratamento (38 por 1.000 pacientes-ano com placebo e 33 por 1.000 pacientes-ano no grupo ativo). Uma das prováveis causas da ausência de benefícios foi a interrupção precoce do estudo devido à redução dos desfechos cardiovasculares. Apesar da controvérsia, uma meta-análise de quatro estudos randomizados e placebo-controlados (SHEP, Syst-Eur, PROGRESS e HYVET- COG) mostrou redução de 13% na incidência de demência entre os pacientes tratados (IC 0,76-1,00; p=0,045)90.

Em idosos com demência tratados com inibidor da acetilcolinesterase, observou-se aumento de síncopes, fraturas, bradicardia e implante de marca-passo91.

3 - Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

A DPOC foi considerada uma das cinco comorbidades

mais frequentes entre idosos hipertensos que desenvolveram insuficiência cardíaca92. Trabalho realizado em idosos com

DPOC demonstrou que a presença de doenças CVs foram o principal determinante do prognóstico93.

Deve-se ter cuidado ao usar betabloqueadores em idosos com asma brônquica. Testou-se a tolerabilidade do carvedilol em pacientes com DPOC e insuficiência cardíaca (IC), não se observando influência significativa do fluxo aéreo94.

No entanto, o mesmo estudo mostrou que, em pacientes com asma e IC, ocorreu broncoconstrição, com acentuada limitação do fluxo aéreo.

Os betabloqueadores cardiosseletivos são menos propensos a causar broncoespasmo, e podem ser considerados para uso naqueles com doença leve a moderada95.

4 - Obesidade

A obesidade é caracterizada pelo aumento da massa corpórea, baseada na relação entre o peso e a altura elevada ao quadrado (índice de massa corpórea ou IMC). Todavia, os valores tradicionais de IMC merecem atenção especial no idoso (capítulo “Prevenção”). O modelo tradicional de redução de calorias no idoso deve ser avaliado e prescrito com cautela. A redução de peso e da ingestão de sal mostrou bons resultados em idosos no Estudo TONE96.

5 - Síndrome metabólica e diabetes mellitus (DM)

A síndrome metabólica (SM) é constituída pela associação de obesidade abdominal, HAS, intolerância à glicose e dislipidemia. Associa-se a risco 5,9 maior de demência frontal- subcortical e 2,2 vezes de déficit cognitivo. Pode ser fator determinante do envelhecimento neurológico97. Associação

entre hipertensão arterial e diabetes acarreta aumento de eventos CVs. O tratamento da HAS em diabéticos contribui para prevenção CV, renal e da retinopatia diabética98, e a

meta de PA sugerida é abaixo de 130/80 mmHg99.

Todos os anti-hipertensivos podem ser utilizados em pacientes com SM ou DM. Os IECAs e os BRAs são benéficos do ponto de vista metabólico e apresentam mais evidências de benefícios para prevenir microalbuminúria, e impedir a progressão da doença renal e cardiovascular. Os ACCs são neutros do ponto de vista metabólico. Os diuréticos, que devem ser usados em baixas doses, e betabloqueadores podem aumentar a intolerancia à glicose e elevar o risco de DM. 6 - Doença arterial obstrutiva periférica (DAOP)

Os principais aspectos da DAOP são discutidos no capítulo “Prevenção”. Quanto ao tratamento do idoso hipertenso com DAOP, o ACC é o fármaco de primeira linha, juntamente com o IECA e BRA que podem ser utilizados isolados ou juntos com o diurético tiazídico. Dados do estudo HOPE (Heart Outcomes

Prevention Study Evoluation), que incluiu pacientes com DAOP

e utilizou o IECA ramipril na dose de 10 mg/dia para prevenção de eventos vasculares maiores (morte, infarto e AVC), mostraram redução de 47% no risco dos pacientes tratados70.

7 - nefropatias

progressiva da função renal, verificada por clearance de creatinina < 60 ml/min por mais de 3 meses, com ou sem lesão renal. A maioria dos idosos apresenta algum grau de deterioração da função renal. A prevalência de IRC moderada a importante, representada pelo clearence de creatinina < 30 ml/min é estimada em 11 a 38%100,101. O idoso apresenta maior

probabilidade de IRC por alterações fisiológicas na estrutura e função renal, associada à alta prevalência de HAS e DM. Metade dos pacientes em terapêutica dialítica tem idade ≥ 65 anos. Idosos entre 75 e 84 anos representam o segmento em diálise que mais cresce102. Portadores de IRC podem progredir para

doença renal terminal rapidamente. A maioria dos pacientes com IRC morre de eventos CV antes do desenvolvimento de doença renal terminal. Assim, é importante o controle agressivo dos fatores de risco CV103. A HAS é frequentemente associada

à IRC, desenvolvendo-se em mais de 75% dos nefropatas, podendo ser causa ou consequência da IRC.

Recomendações para idosos hipertensos nefropatas104:

• Portador de IRC e microalbuminúria (relação urinária albumina/creatinina ≥ 30 mg/g): usar IECA ou BRA.

• Meta de PA: deveria ser menor que 140/85 mmHg e pode ser menor que 130/80 mmHg em alguns casos. Entretanto, idoso requer avaliação mais cuidadosa do risco/ benefício na consideração destas metas pressóricas.

• Portador de IRC não proteinúrica (albumina/creatinina < 30 mg/g): usar IECA, BRA, diurético tiazídico (se clearance >30 ml/min), betabloqueadores ou ACC longa ação.

• Paciente com DM associado: usar IECA ou BRA (associação é discutível), com meta de PA inferior a 130/80 mmHg, se possível guardadas as ressalvas anteriores.

• Portador de hipertensão renovascular: tratar semelhante ao paciente não diabético e não proteinúrico. Uso cuidadoso de IECA ou ARA por risco de insuficiência renal aguda. 8 - Acidente vascular cerebral (AVC)

A HAS é FR importante para AVC, com o risco aumentando proporcionalmente ao incremento da PA sistólica105, e

reduzindo com controle da HAS106. A HAS crônica é um dos

fatores predisponentes para AVC tromboembólico agudo, embora a elevação da PA possa ser importante para manter fluxo em áreas cerebrais isquêmicas limítrofes107. A elevação

espontânea da PA que se segue à isquemia cerebral aguda confirma hipótese protetora, embora elevações secundárias ao estresse após evento agudo e internação hospitalar possam também contribuir para uma pressão elevada108. O

efeito hipertensivo é transitório, já que ocorre uma queda de 20 mmHg na pressão sistólica e/ou 10 mmHg na pressão diastólica em aproximadamente 10 dias após o evento. Com estabilização do AVC, controle cuidadoso da PA é mandatório.

O estudo PROGRESS71 analisou 6.105 pacientes, idade

média 64 anos, com antecedentes de AVC isquêmico, AVC hemorrágico ou ataque isquêmico transitório nos 5 anos precedentes (8 meses em média). Utilizou-se perindopril, na dose de 4 mg/dia versus placebo. O diurético indapamida foi adicionado, quando necessário, ao grupo perindopril. Houve redução da PA no grupo perindopril com redução absoluta de risco de 4% no desfecho primário e redução relativa de risco

de 28%. Houve ainda redução relativa de eventos vasculares maiores de 26%. Observou-se redução similar de AVC no grupo hipertenso e não hipertenso (p<0.01). A combinação do perindopril com indapamida apresentou redução mais significativa da PA e reduziu o risco de AVC em 43%. Apesar do pequeno número de eventos, houve redução adicional de 50% da taxa de AVC hemorrágico.

O estudo MOSES109 analisou 1.405 pacientes hipertensos

de alto risco, com antecedentes de evento cerebral comprovado por exame de imagem em até 24 meses precedentes. Comparou eprosartan (BRA) versus nitrendipino (ACC). O tempo médio de seguimento foi 2,5 anos. Desfecho primário: mortalidade total e eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. Redução dos níveis tensionais similar nos 2 grupos. Houve redução de eventos cerebrovasculares de 21% no grupo eprosartan.

O estudo PROFESS110 randomizou 20.332 pacientes com

antecedentes de AVC isquêmico não embólico para receber telmisartan (80mg/dia) ou placebo por seguimento médio de 2,5 anos. Não houve diferenças entre os 2 grupos quanto a AVC recorrente, assim como eventos cardiovasculares maiores ou novos casos de diabetes, embora PA fosse menor no grupo telmisartan.

O estudo HYVET61 randomizou 3.845 pacientes com

idade ≥ 80 anos e hipertensão sistólica ≥ 160 mmHg para diurético de liberação sustentada (indapamida) ou placebo. Perindopril foi adicionado ao grupo indapamida para manter pressão alvo de 150/80 mmHg, quando necessário. Desfecho primário era AVC fatal ou não fatal e os pacientes foram seguidos por um período médio de 1,8 anos. Houve redução de 30% de AVC fatal ou não fatal, 39% da mortalidade por AVC, 21% da mortalidade total, 23% da mortalidade cardiovascular e 64% de redução de ICC, favorecendo o grupo indapamida ± perindopril.

Assim, deve-se iniciar ou intensificar a terapêutica anti-hipertensiva nos idosos com antecedentes de ataque isquêmico transitório ou AVC, sem contraindicação para redução de PA111. As diretrizes do American Heart Association

e American Stroke Association112 recomendam tratamento

com diurético isolado ou em combinação com IECA, sem determinar metas pressóricas estritas a serem atingidas. Pacientes devem ser monitorados para evitar hipotensão arterial secundária à falência da autorregulação cerebral. Reduções muito intensas da PA podem associar-se a complicações e resultados deletérios em idosos.