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História da Ciência e da Tecnologia no Livro Didático de Química

SUMÁRIO

D) Função de ajuda na avaliação das aquisições

3.4 História da Ciência e da Tecnologia no Livro Didático de Química

Outro foco de análise sobre as coleções didáticas será sobre a abordagem da história da ciência e da tecnologia sobre os temas supracitados, pois, através desta é possível conhecer o contexto sociohistórico no processo de produção de conhecimento, neste caso, referente à obtenção dos materiais metálicos e vítreos. A abordagem nos livros didáticos sobre a história da ciência e da tecnologia é de grande importância para educação científica, tecnológica, socioambiental e socioeconômica, pois pode “levar o aluno a compreender e a reconhecer a natureza do conhecimento científico como uma atividade humana que, sendo histórica e socialmente construída, possui um caráter provisório, limitações e potencialidades, necessitando, pois, ser abordado em sua historicidade e em suas implicações na sociedade e em situações/ambientes diversificados” (BRASIL, 2006a, p. 124-125). Ou ainda, segundo o Guia de livros didáticos PNLD 2015 para a componente curricular Química:

Outro elemento importante para o ensino de Química é o tratamento da história da ciência nos livros didáticos. Toda ciência, como campo de investigação e produção de conhecimentos, que se estabelecem social e culturalmente, é fruto de redes de trabalho humano em torno de temas, problemas, situações e demandas sociais. Esse processo de constituição dessas redes apresenta, por isso, um importante caráter histórico que deve

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ser considerado nas situações de ensino (BRASIL, 2014, p. 9).

Assim sendo, a cultura química precisa ser abordada no processo de ensino-aprendizagem como uma ciência construída ao longo do tempo devido a demandas sociais, fabris, econômicas entre outras. Desta forma, a ciência química pode ser vista como benéfica na resolução de diferentes problemáticas ao longo das décadas.

No entanto, existem algumas barreiras a serem transpostas para proporcionar um ensino de maior excelência sobre a História da Ciência e da Tecnologia. Por exemplo, o seguinte autor aponta para os seguintes problemas:

− incorre em erros factuais grosseiros [1]; − ignora as relações entre o processo de produção de conhecimentos na Ciência e o contexto social, político, econômico e cultural [2];

− dá a entender que os conhecimentos científicos progrediram única e exclusivamente por meio de descobertas fabulosas realizadas por cientistas geniais [3];

− glorifica o presente e seus paradigmas, menosprezando a importância das correntes científicas divergentes das atuais, a riqueza dos debates ocorridos no passado, as descontinuidades entre passado e presente, etc [4];

− estimula a ideia de que os conhecimentos científicos atuais são verdades imutáveis [5] (BASTOS, 1998, p. 43).

Dentre os cinco problemas observados por Bastos (1998), o segundo e o terceiro serão alvo de análise, pois estes apresentam estreita relação com as relações CTS.

Por exemplo, alguns processos químicos surgiram devido a problemáticas tecnocientíficas vivenciadas no ambiente fabril. Ou em outras palavras, a produção de conhecimento tecnocientífico está ligada a desafios existentes no meio industrial. Desta forma, é possível desmistificar a ideia errônea na qual os cientistas chegam a conclusões geniais sem precisarem se esforçar continuamente na resolução de desafios tecnocientíficos.

Por exemplo, a história da produção do vidro plano, via

tecnologia float, apresenta a produção deste material a partir de uma

Chegou o século XVII e a França criou um processo para fabricar vidro plano, que logo fez sucesso, pois permitiu que fossem produzidas placas grandes desse material, com dois metros de comprimento e um metro e meio de largura! Para obtê-las, era preciso apenas despejar o vidro fundido numa superfície metálica e achatá-lo com um rolo feito de metal. [...]

Porém, [...] às vezes, quem olhasse por [esse vidro] via as imagens distorcidas. Isso ocorria quando as faces do vidro não estavam paralelas. Isto é, quando não havia a mesma distância entre elas [em todos os pontos].

Para fazer com as faces do vidro tivessem a mesma distância entre si, era preciso esfregar sobre elas certos materiais que iam desgastando a superfície do vidro e, assim, tornavam as suas faces paralelas. No entanto, como era arranhado, o vidro perdia a transparência. Então sua superfície também precisava ser polida.

Essas duas operações eram demoradas e exigiam muita mão de obra. Resultado: faziam com que o vidro plano de boa qualidade ficasse muito caro. [...]

A solução capaz de reduzir os custos de produção do vidro surgiu por acaso. Um inglês chamado sir Alastair Pilkington estava ajudando sua esposa a lavar a louça quando percebeu que a gordura solidificava na superfície da água dentro da pia, formando uma camada. Nesse momento, ele teve uma ideia: pensou que poderia fabricar uma lâmina de vidro ao fazer com que o vidro fundido flutuasse sobre algum líquido (MAIA, 2003a, p. 20-21).

Caminhando nesta direção, conclui-se que dois problemas foram os propulsores para a invenção do processo float, a saber: baixa produtividade e a necessidade de muito retrabalho das placas de vidro. Assim, o estudo histórico do processo float, por exemplo, pode ser uma fonte em “reconhecer e compreender a ciência e as tecnologias químicas como criação humana, portanto inseridas na história e na sociedade em diferentes épocas; [...]” (PCN+, BRASIL, 2002, p. 92).

Nesta vertente, verifica-se que a origem da tecnologia química está relacionada à busca de resoluções de problemas econômicos. Outro

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benefício gerado pelo estudo histórico desta tecnologia é apontar para o contexto histórico, pois esta surgiu no final da década de 50 do século passado. Assim surgiu, a tecnologia float, pois, após a fusão do vidro este é encaminhado para um tanque de flutuação com estanho líquido que possibilita a moldagem do vidro e a obtenção de chapas de vidro com excelente transparência. O estanho líquido foi o metal escolhido devido às propriedades físicas propícias para moldagem do vidro.

Outra justificativa, na qual me baseio para abordar a história da ciência e que apresenta estreita relação com a análise dos livros didáticos reside na constatação realizada por Porto (2011), a saber:

Constatamos que a maioria dos alunos pesquisados, [licenciandos do Instituto de Química da USP], considera que a História da Ciência pode auxiliar no ensino de Química,

entretanto a maior parte se declara também insatisfeita com a abordagem encontrada nos livros didáticos de Química. Além disso, mesmo

entre os licenciados que afirmaram ter acesso a outras fontes de informação em História da Ciência, parcela significativa não se declarou satisfeita com elas (p. 169, itálico nosso).

Ainda, segundo Porto (2011), a abordagem deficiente sobre a História da Ciência nos livros didáticos está ligada a falta de profissionais “com formação especializada em História da Ciência constitui-se em grande empecilho para a ocorrência da necessária interação entre historiadores da Ciência e educadores em Ciência” (p. 170).

Caminhando nesta direção, Porto (2011) explica que:

Por conta dessa dificuldade é recorrente, em materiais didáticos e de divulgação, a permanência de erros factuais e de concepções historiográficas já ultrapassadas ─ como aquelas apontadas por Bastos, e às quais podemos acrescentar ainda a caracterização da Ciência como linear e cumulativa, ou a caracterização ingênua e não problemática da atividade científica (p. 170).

Sendo assim, nos livros didáticos a História da Ciência pode ser explorada como uma atividade científica dinâmica e construída historicamente, ou em outras palavras, estabelecer “relações entre o

processo de produção de conhecimentos na Ciência e o contexto social, político, econômico e cultural” (BASTOS, 1998, p. 43).

Assim, a História da Ciência e da Tecnologia desvela-se como um campo a ser mais explorado nos livros didáticos de Química neste caso especificamente, sobre o processo de construção do conhecimento científico interligado ao desenvolvimento dos processos tecnológicos. Ou ainda, é preciso abordar a História da Ciência e da Tecnologia através da contextualização sociohistórica e, assim apresentar os problemas vivenciados pelos cientistas na resolução de problemáticas tecnocientíficas.

Para finalizar, espera-se que a abordagem sobre a História da Ciência e da Tecnologia presente nos livros didáticos de Química, demonstre que “o pensamento químico se desenvolve de acordo com a necessidade de resolver os novos problemas apresentado pelo meio sociocultural em instalação” (MALDANER, 2006, p. 158).