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Em relação ao Direito do Trabalho em geral, sua evolução no Brasil se deu de forma quase contemporânea junto aos outros países ocidentais, isso porque já tínhamos início de um processo de transformação em escala mundial, nos séculos XVIII e XIX. Entretanto as mudanças aconteceram de forma lenta e gradativa, podendo essa lentidão ser justificada pelo colonialismo tardio e que muito perdurou até a independência de Portugal e a constituição do Império.

Carlos Alberto Barata Silva divide a evolução da legislação do trabalho no Brasil em dois períodos, compreendendo o primeiro o Império e parte do período Republicano e o segundo, desde 1930 até os dias atuais. No Império, a Lei de 13 de setembro de 1830 regulava o contrato escrito sobre prestação de serviços e a Lei n.

108 de 1837 regulava o contrato de prestação de serviços dos colonos, mas em 1879 foi publicado o Dec. n. 2.827, que revogou essas duas primeiras leis e estabeleceu as regras para o contrato de locação de serviços. Percebe-se nesse primeiro momento que as leis tratavam exclusivamente das relações agrícolas, tendo em vista a industrialização no país ainda estar em fase de iniciação e muito pouco desenvolvida.43 Nota-se também que o conceito de trabalho ainda era muito raso e não muito difundido, razão pela qual o Estado não tinha muito interesse em regular esse assunto. Além disso temos também a escravidão muito presente e que mesmo após a sua abolição em 1888 ainda deixou muitas consequências sociais, conforme entendimento de Pedro Paulo Teixeira Manus:

Lembre-se, ainda, que o trabalho executado no Brasil, nessa fase do liberalismo, salvo poucas exceções, era aquele desenvolvido pelos escravos que, considerados como “coisa”, não eram sujeitos de qualquer direito. Eis um motivo do retardamento da industrialização brasileira: o desprezo de que era alvo o trabalho pelos homens livres que aqui viviam e que grada raízes até os nossos dias. [...].44

Já em relação ao movimento sindical que, segundo Segadas Vianna, “demorou a aparecer”45 no Brasil, temos o surgimento de várias associações e sociedades no

43 SILVA, Carlos Alberto Barata, Compêndio de Direito do Trabalho: parte geral e contrato individual de trabalho. 2. ed. ver. e atualizada. São Paulo: LTr: 1978

44 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 29

45 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972, p. 30

fim do século XIX e início do século XX, como a Liga Operária em 1870 e a União Operária em 1880, mas estas não traziam em sua essência finalidades próprias ao proletariado. Temos como exemplo também a Sociedade União dos Foguistas em 1903, a União dos Operários estivadores no mesmo ano e a União dos Operários em Fábricas de Tecidos em 1917. Mesmo aparentando ser tímida e quase que inexistente a luta sindical no Brasil, Délio Maranhão destaca que no ano de 1919 vários movimentos de greve nos principais centros do país como Recife, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro colaboraram para intensificação do sindicalismo e percepção do Estado quanto a necessidade de regulamentação desse tema.46 Em relação à legislação, no ano de 1903 foi editado o Decreto n. 979 que permitiu a reunião em associações dos trabalhadores rurais, tanto da agricultura como das indústrias rurais, permitindo ainda a liberdade de escolha da forma de sindicalização e em 1907 foi expedido o Decreto 1637 de 5 de janeiro, que “criava as sociedades cooperativas e estendia o direito de se associarem em sindicatos a todos os profissionais, inclusive os liberais”47 e que estabeleceu as finalidades do sindicato, sendo o “estudo, defesa e desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e dos interesses individuais de seus membros”48, basicamente estendendo o direito de livre associação aos trabalhadores urbanos. No ano de 1923 foi instituído o Conselho Nacional do Trabalho pelo Decreto n. 16.027, de 30.4.1923 e em 1925 são concedidas as férias de 15 dias anuais para trabalhadores de estabelecimentos comerciais, industriais, e bancários através da Lei n. 4.982, de 24.12.1925.49 Podemos perceber nessa época, no início do século XX, uma maior estruturação da legislação trabalhista, conforme pensamento de Carlos Alberto Barata Silva:

Já se notava, assim, nesse período, uma maior preocupação os legisladores pela elaboração de normas reguladoras das relações de trabalho. Ou porque o desenvolvimento industrial já se viesse pronunciando, ou porque a exemplo dos legisladores das demais nações os nossos tivessem passado a encarar o assunto com mais seriedade, o certo é que no período analisado, notou-se acentuada melhoria na produção legislativa sobre Direito do Trabalho [...].50

46 MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1981, p.298.

47 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972, p. 31

48 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. 2. ed. São Paulo: LTr, 1984, p.51

49 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.

50 SILVA, Carlos Alberto Barata. Compêndio de Direito do Trabalho: parte geral e contrato individual de trabalho. 2. ed. ver. e atualizada. São Paulo: LTr: 1978, p. 47

Pode-se concluir que para um Estado que nada regulamentava sobre Direito do Trabalho realmente foi um período de grande avanço, entretanto é unanimidade na doutrina brasileira que o período que mais colaborou para a legislação trabalhista no Brasil, tanto no direito coletivo quanto no direito individual, se iniciou no ano de 1930, com a revolução.

O maior mérito da Revolução de 1930, no que toca ao Direito do Trabalho, constituiu na criação do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio, pelo Dec. n. 19.443, de 26 de novembro de 1930. Pouco depois foi organizado o Departamento Nacional do Trabalho, pelo Dec. n. 19.671-A de 4 2 -1931. A necessária fiscalização da aplicação do trabalho desdobrou-se, progressivamente, em órgãos regionais e locais.51

Temos nessa época uma forma totalmente diferente de atuação do Estado que antes era liberal e com mínima intervenção nas relações sociais e agora passa a ser largamente intervencionista, dando finalmente foco às questões sociais, mas na verdade como uma maneira de manter o controle do Estado através do sistema jus trabalhista.52 Em 1931 o Decreto n. 19.770 de 31.3.1931 estabeleceu de forma oficial e expressa a estrutura sindical, mas de forma oficial e atribuindo cada vez mais um caráter público e corporativista, na tentativa de transformar a associação num órgão estatal e estabelecendo a figura do sindicato único.53 As mudanças no sindicalismo foram vastas e perceptíveis, segundo Segadas Vianna:

Antes, os sindicatos eram pessoas jurídicas de direito privado. depois, a sua publicização foi manifesta. Antes, os sindicatos eram livremente criados pelos interessados, com administração e estatutos próprios. Depois, sob a custódia do Ministério Público do Trabalho, Indústria e Comércio, concebidos como órgãos de colaboração do Governo e com estatutos personalizados perderam a sua autonomia, dependendo do reconhecimento do Estado, que deles exigia a apresentação de relatórios da sua atividade.54

Claramente perceptível a extrapolação da intervenção do Estado no sindicalismo, de certa forma engessando sua atuação e restringindo sua liberdade de atuação já com o intuito de controlar e evitar ações dos trabalhadores contra o Estado em caso de insatisfação. Entretanto tal modelo não agradou a sociedade e não

51 PRADO, Roberto Barreto. Curso de Direito Coletivo do Trabalho. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:

LTr, 1991, p. 183

52 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.

53 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.

54 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972, p. 57.

perdurou por muito tempo, e logo em 1934 com a nova Constituição, voltou o modelo de pluralidade sindical além da autonomia, passando o sindicato a ser “teoricamente, compreendido como pessoa jurídica de direito privado, dotado de liberdade de ação, de constituição e de administração.”55 Importante notar o termo “teoricamente”

adotado pelo autor, isto porque, apesar da regulamentação trazer tais liberdades sindicais, outras regras e fatores impediam o exercício da liberdade na prática, como por exemplo a necessidade de reunir obrigatoriamente no mínimo 1/3 de empregados da mesma classe na mesma região, praticamente impossibilitando a pluralidade de associações sindicais. Outro ponto era a autonomia sindical, que não era totalmente respeitada, uma vez que era obrigatória a participação de um delegado do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em assembleias sindicais, no intuito de controlar os atos praticados e até mesmo coibir atitudes contrárias ao Estado.56

Também não perdurou tal sistema e no ano de 1937, no golpe do Estado Novo, a nova constituição outorgada (que será mais detalhada no próximo tópico) trazia novamente a figura do sindicato único, voltando a ser uma entidade oficial e sob o controle do governo regulados posteriormente pelo Decreto nº 1.402 de 5.7.39.57 Nesse intermédio entre 1930 e 1939 vários decretos e leis foram editadas com assuntos protetivos ao trabalhador, como proteção ao trabalho do menor, regulamentação do trabalho feminino, criação de carteira profissional, fixação de jornada máxima de trabalho e outros assuntos que em 1943 foram estruturados e reunidos em um único diploma normativo, o Decreto-lei n. 5.452 de 1.5.1943 que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), assumindo a natureza de código e reunindo desde então até os dias atuais as principais normas pertinentes ao Direito do Trabalho.58 Entretanto, à época a CLT ainda carregava uma característica muito corporativista e deixava o sindicato sob a sombra e controle do Estado conforme Constituição que vigora na época de sua instituição. Mesmo assim a atuação dos movimentos sindicais ainda perdurava e insistia, buscando melhorias e conquistando direitos que são essenciais atualmente, conforme destaca Pedro Paulo Teixeira Manus:

Ainda que sob o regime corporativo, a atuação sindical entre nós é cada vez mais frequente, trazendo sempre melhoria nas condições de vida e de salário

55 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972, p. 59

56 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972.

57 VIANNA, José de Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1972.

58 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

dos trabalhadores. Veja-se a propósito a Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, que instituiu o repouso semanal remunerado; e a Lei nº 4.090 de 13 de julho de 1962, que instituiu a Gratificação Natalina, conhecida como décimo terceiro salário, estas que são frutos da ação sindical entre nós.59

Após esse período de evolução passamos por certa estagnação e restrição no direito à greve no ano de 1964, passando por um período de arrocho salarial, perseguições a trabalhadores e até morte de líderes do movimento sindical. A situação só vem a melhorar no final dos anos setenta, com a volta dos movimentos sindicais em todo o país e a criação de entidades como a CUT, aumentando a proteção aos trabalhadores e incentivando novamente a negociação coletiva, situações que seriam também inseridas posteriormente na Constituição de 1988. 60

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