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A Constituição Federal é a lei maior de um país soberano, e traz em seu texto geralmente a estruturação e organização básica do Estado, seja de forma territorial ou administrativa, direitos e garantias fundamentais individuais, direitos sociais (não sendo regra nas constituições de alguns países) e a organização judiciária daquele país. Com a evolução do Direito do Trabalho de forma geral e do Direito Coletivo, é natural que as constituições brasileiras insiram em seu texto o presente tema, seja na parte de direitos e garantias fundamentais seja na parte da organização judiciária. De forma mais aprofundada no estudo das nossas constituições passadas e da que vigora atualmente, promulgada em 1988, vamos buscar verificar a importância do direito coletivo do trabalho para a formação constitucional e também o inverso: como as constituições contribuíram para a efetivação do direito do trabalho como efetivo ramo do direito e a institucionalização do direito coletivo na sociedade.

Cabe ressaltar a diferença entre os direitos e garantias individuais dos direitos sociais, muito bem definida por Manoel Jorge e Silva Neto:

Os direitos sociais – restringindo-nos à sua conceituação – são direitos públicos subjetivos dirigidos contra o Estado, a determinar a exigibilidade de prestações no que se refere a educação saúde, trabalho, lazer, segurança e previdência social. Diferem, portanto, dos direitos e garantias individuais na medida em que impõem um comando programático para ser cumprido pelo Estado, comando positivo representado por um mínimo em termos de realização do projeto social. Aqueles impõem ao estado um não-fazer, uma

59 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 30

60 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

postura deliberadamente omissiva, de sorte a resguardar a esfera de liberdade individual.61

Portanto, o direito do trabalho encontra-se incluído no rol de direitos sociais, ou seja, constitui um dever do Estado em agir para que o direito seja efetivo e eficaz. Mas esses direitos sociais nem sempre encontraram-se presentes em algumas constituições brasileiras e até mesmo em textos constitucionais atuais, como por exemplo a Constituição de 1787 dos Estados Unidos, considerada liberal-individualista e que é silente em relação à proteção ao trabalho, e a considerada constituição não-escrita da Grã-Bretanha além de outras que, mesmo promulgadas depois de 1945 com a nova Declaração Universal dos Direitos Humanos do Homem não trazem explicitamente direitos sociais-trabalhistas.62 Fato é que cada Estado estabelece sua Constituição da forma mais adequada aos aspectos econômicos, culturais e até mesmo territoriais, não havendo regra para o que deve conter ou não na Carta Magna e nem podendo concluir que naqueles países que não trazem direitos sociais expressos, tais direitos são suprimidos ou não observados, podendo inclusive muitas vezes em alguns casos serem mais protetivos, seja pela legislação infraconstitucional seja na instituição de políticas públicas para possibilitar o exercício do direito na prática, em relação àqueles que trazem normas escritas mas que não têm efetividade nenhuma, sendo somente uma norma vazia, ineficaz. Mas entre exceções boas e ruins, mostra a história que tendem a ser mais protegidos e mais bem aplicados aqueles direitos que estão positivados, e quando estão positivados na Carta Magna são porque exigem uma proteção mais ampla e dedicada pois são essenciais para o convívio em sociedade, é o que sugere Amauri Mascaro Nascimento:

Sendo a constituição a norma jurídica fundamental que contém os valores considerados, pela Nação, aptos à realização dos seus fins primeiros, os direitos sociais devem ser nela incluídos, pelo significado de que se revestem na vida contemporânea. [...] Funda-se na ideia de que o fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais, dentre os quais destacam-se os do trabalhador, pode contribuir para a realização da justiça social, mediante a organização livre da sociedade como democracia providencialista ou social-econômica [...]63

61 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998, p. 49

62 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

63 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituição de 1998. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 2

A primeira constituição brasileira foi outorgada em 25 de março de 1824, logo após a declaração da independência por D. Pedro I no ano de 1822. Por se tratar de uma constituição imposta pelo Império e pelo recém criado Estado independente do Brasil, obviamente pouco se preocupou o Conselho de Estado que elaborou a Constituição em incluir direitos sociais no seu texto nem em estabelecer diretrizes para efetivação e proteção a esses direitos, por conta da característica liberal francesa que era modelo para atuação dos demais governos na época. Pelo contrário, atuou no sentido de tentar coibir movimentos sociais e associações e se baseou na Lei Chapellier proibindo as corporações de ofício, apesar do movimento associativo ainda ser muito fraco no Brasil.64 Sobre o direito do trabalho, a constituição limitou-se apenas a garantir a liberdade do trabalho evitando a proibição de qualquer gênero, desde que em conformidade com os costumes públicos, segurança e saúde dos cidadãos.65

Em 1889 com a proclamação da república tivemos a primeira constituição promulgada pelo Congresso Nacional em fevereiro de 1891. Com o foco em alterar a forma de governo do país, abandonando a Monarquia e aderindo ao modelo federal, republicano e presidencialista, mais uma vez pouco se importou o poder constituinte em inserir direitos sociais, ainda muito influenciada pelo liberalismo praticado nos países ocidentais. O primeiro rastro de direito trabalhista a aparecer em uma constituição, de forma ainda superficial e abstrata, surgiu com a reforma constitucional de 1926, que inseriu no texto da carta magna dispositivo que designava competência ao Congresso Nacional para legislar sobre direito do trabalho.66 Entretanto, apesar de estar incluso na Constituição, este dispositivo não foi capaz de acelerar o processo de legislação trabalhista, que só teve maior contribuição e assertividade com a revolução de 1930.

A revolução de 1930 traz um marco para o constitucionalismo brasileiro, rompendo de forma brusca com o liberalismo presente nas constituições e legislação passadas, incluindo de forma quase que definitiva os direitos sociais todas as constituições posteriores. No âmbito internacional a motivação para maior atenção estatal pelos direitos sociais foi o período pós-guerra cuja “[...]tendência social conheceu um marcante desenvolvimento e as novas Declarações inscreveram capítulo sobre os direitos sociais, correspondente às novas obrigações positivas do

64 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

65 Constituição de 1824.

66 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998.

Estado.”67 Ainda em um período de instabilidade, a revolução paulista de 9 de julho de 1932 despertou uma conscientização nacional sobre a necessidade de uma nova constituição brasileira, acarretando a convocação da Assembleia Nacional Constituinte por Getúlio Vargas. 68 Em 16 de julho de 1934 é efetivamente promulgada a nova constituição brasileira:

A Constituição de 1934 é um marco da evolução histórica de nosso direito constitucional, porque, em acesso inovador, inscreveu e garantiu os direitos sociais, inovação, por sua vez, não repugnada ou esquecida pelos textos seguintes, porquanto passaram a eleger o constitucionalismo social como instrumento à consecução do bem-estar geral, como programa a ser desenvolvido pelo administrador e obedecido pelo legislador, mitigando as tensões oriundas da relação entre o capital e o trabalho.69

De fato, a constituição trouxe um capítulo exclusivo sobre a ordem econômica e social, incluindo neste último ponto de forma inédita proteções ao direito coletivo do trabalho. Em seu art. 120 reconheceu a atividade sindical e assegurou a pluralidade dos sindicatos sua completa autonomia, reconhecendo também no artigo subsequente a legalidade das convenções coletivas do trabalho, entretanto se omitiu quanto à greve.70 Foi prevista também a instituição da justiça do trabalho que não chegou a ser efetivamente criada por falta de lei regulamentadora.71 Apesar da grande importância e do pioneirismo em incluir os direitos sociais em seu texto, na prática a constituição de 1934 não produziu os efeitos desejados, até porque vigorou por curto espaço de tempo insuficiente para aplicação de suas diretrizes, tendo em vista logo em 1937 ser instituído o Estado Novo de Getúlio Vargas com a Constituição outorgada de 1937.72

Rompendo com as liberdades associativas previstas na última carta magna, a Constituição de 1937 retrocedeu de certa forma com os direitos trabalhistas coletivos, buscando manter em seu texto direitos básicos e fundamentais para evitar insatisfação social.

A Constituição outorgada em 1937 pelo governo de Getúlio Vargas, e que traz a marca do Estado Novo e os princípios intervencionistas que o

67 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998, p. 64.

68 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

69 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998, p. 65

70 Constituição de 1934

71 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

72 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998.

assinalaram, foi altamente restritiva para as relações coletivas de trabalho, não só quanto à concepção de greve, como à de organização sindical.

Organizou a economia de produção em corporações e estas foram concebidas como órgãos do Estado e sob a proteção deste.73

A greve e o lockout foram estabelecidos basicamente como delitos, sendo justificada pelo constituinte como “recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses de produção nacional”74. Voltamos a unicidade do sindicato, devendo a entidade ser reconhecida pelo Estado para poder representar legalmente a categoria, além da “publicização do sindicato, com o seu programa de ação determinado pelo Estado como delegação do Poder Público.”75 Amauri Mascaro Nascimento observa que:

Iniciou-se, assim, um período da história do nosso movimento sindical, do qual só agora, com a Constituição de 1988, começaríamos a nos libertar, não sem muitas dificuldades, algumas opostas por setores do próprio sindicalismo, ciosos dos seus privilégios e desvinculados dos interesses as bases sindicais.76

Entretanto o autor Arnaldo Süssekind discorda e afirma que a constituição de 1946, esta promulgada, foi “o melhor dos estatutos fundamentais brasileiros”77. Influenciada pelo pós-guerra com a derrota dos governos totalitários, se fez necessária a instituição de uma assembleia constituinte para a retomada da democracia que havia sido prejudicada com o Estado Novo, sendo esse talvez o compromisso principal da Constituinte, trazendo na ordem econômica e social os

“princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”78

Em relação ao direito coletivo, dispositivos confirmaram a liberdade de associação, deixando para que lei posterior regulasse a forma de constituição dos sindicatos, além de exaltar novamente a legalidade da representação nas convenções coletivas. Pela primeira vez o instituto da greve é reconhecido como direito dos trabalhadores, devendo este também ser regulamentado por lei posterior. Outro

73 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituição de 1998. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 9

74 Constituição de 1934 art. 139

75 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituição de 1998. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 9

76 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituição de 1998. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 9

77 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 32.

78 Constituição de 1946 art. 145

importante ponto foi a transferência da Justiça do trabalho do poder executivo para o judiciário estabelecendo paridade entre empregado e empregador e conferindo aos seus órgãos autonomia para julgar os dissídios coletivos. 79

A constituição de 1967, considerando também a emenda de 1969, basicamente repetiu o disposto na constituição de 1946 em relação aos direitos coletivos. Pela primeira vez o tema de dispensa arbitrária se faz presente em uma constituição, mesmo que indiretamente com o disposto no inciso XIII do art. 15880, que garante ao trabalhador estabilidade no trabalho, sendo sujeito de recebimento de indenização em caso de despedida, situação bastante similar com a disposta na atual Constituição de 1988. Outro ponto que vale ressaltar como fato novo é a obrigatoriedade do voto nas eleições sindicais, além da legitimação da contribuição anual compulsória do sindicato, também conhecida como “imposto sindical”.81

Com a decadência da ditadura militar o país se encontrou novamente com a democracia após eleição para estabelecimento da Assembleia Nacional Constituinte em 1986,

[...]que importou a consagração do novo Estado Social de Direito, lastreado no sistema democrático e apto a assegurar, com base na solução pacífica das controvérsias e na harmonia, o exercício dos direitos sociais (Preâmbulo, Constituição Federal de 1988), elegendo como fundamentos (razões ontológicas) da unidade política nacional a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa privada e o pluralismo político (art. 1º, III, IV e V, CF), delineando ainda como objetivos fundamentais – que se não confundem com os fundamentos do Estado brasileiro, à vista de aqueles representarem as suas finalidades essenciais – “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, bem como promover o bem de todos (art. 3º, III e IV).82

Ronaldo Maurílio Cheib ainda acrescenta:

Pela primeira vez, em toda a história constitucional do país, assistimos à consolidação da democracia com a atuação soberana da Assembleia em seus trabalhos, auxiliada pela participação popular, inclusive na elaboração de propostas e emendas constitucionais. Este espírito democrático e de justiça social é extraído do preâmbulo da Constituição, que a introduz e sob este prisma deve ser interpretada e analisada.83

79 Constituição de 1946.

80 Cf 1967 art. 158.

81 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999

82 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998, p. 69.

83 CHEIB, Ronaldo Maurílio. Inovações constitucionais no direito do trabalho. Rio de Janeiro:

Aide Editora, 1989, p. 13

Portanto, a nova constituição federal trouxe de volta o Estado Democrático de Direito, reorganizando o Estado e reestabelecendo direitos e garantias fundamentais, além dos direitos sociais.

A valorização social do trabalho e a livre iniciativa, bem assim o pluralismo político, juntamente com a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, estão acoplados aos valores superiores do Estado brasileiro e são como um sinal, um farol a conduzir à meta estatal. São o ponto de partida do resto do ordenamento jurídico.84

No âmbito do direito coletivo, consagrou a liberdade sindical, mas se contrapôs ao manter em seu texto a unicidade sindical, restringindo de certa forma a liberdade associativa. Impediu a intervenção do Estado nas organizações sindicais e vedou a necessidade de autorização do Estado para fundação das entidades, permanecendo obrigatório somente registro no órgão competente, mas, mais uma vez, a decisão do próprio Estado em estabelecer somente uma entidade sindical na mesma categoria e na mesma base territorial já não pode ser considerada como uma intervenção nas organizações sindicais, impedindo de certa forma a pluralidade e a liberdade da criação de novos sindicatos?85 Manteve também a cobrança compulsória da contribuição sindical, que inclusive, veio a ser retirada posteriormente com a reforma trabalhista de 2017.

Em relação ao direito de greve percebe-se certo avanço, enquanto na carta magna anterior o assunto ainda era obscuro pois dependia de regulamentação infraconstitucional, no texto atual não restaram dúvidas: “a greve pode ser exercida livremente pelos empregados privados, que responderão civil e criminalmente pelos abusos que cometerem”86, entretanto não houve tanta clareza em relação ao direito de greve dos servidores públicos, já que está também depende de regulamentação por lei, o que até o presente ano de 2019 não ocorreu.

No tocante à negociação coletiva a Constituição de 1988 repetiu o reconhecimento das convenções coletivas das outras constituições, mas foi além ao estabelecer a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.87

84 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo:

Malheiros Editores, 1998, p. 71

85 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

86 CHEIB, Ronaldo Maurílio. Inovações constitucionais no direito do trabalho. Rio de Janeiro:

Aide Editora, 1989, p. 140

87 CF 88 art. 7º e 8º

Por fim, em relação à despedida arbitrária, buscou-se a instituição de um dispositivo que substituísse a estabilidade decenal que havia sido abolida, e a forma encontrada para proteger a dispensa arbitrária pelo empregador foi o pagamento de indenização compensatória além da concessão de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.88 Em tempo, nada foi regulamentado sobre a despedida coletiva.

Proteger a relação de emprego é, em princípio, impedir que se extinga, que possa ser desfeita sem atender aos direitos do trabalhador. Assim, não é possível afastar a interpretação segundo o qual a proteção da relação de emprego consiste na adoção de medidas ordenatórias da dispensa imotivada do trabalhador, sendo uma forma de restrição ao direito potestativo de despedir. Coincidira, de certo modo, com a ideia de estabilidade absoluta e seria mesmo identificável com ela, caso não tivesse a Constituição indicado a possibilidade de indenização de dispensa.89

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