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3 HISTÓRIA, MEMÓRIA, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

3.1 HISTÓRIA E MEMÓRIA NO ENSINO DE HISTÓRIA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Pode-se chamar de políticas da memória o “[...] conjunto de intervenções de atores públicos que objetivam produzir e impor lembranças comuns a uma dada sociedade, em favor do monopólio de instrumentos de ações públicas” (MICHEL, 2010, p. 14). Conforme o autor, esses “instrumentos de ações públicas” seriam, ao mesmo tempo, dispositivos técnicos e sociais específicos entre o Poder Público e os seus destinatários em função de representações, tais como comemorações oficiais, programas escolares de História, leis memoriais, panteões, museus, entre outros, respeitando-se seus determinados períodos históricos.

Nesse sentido, quando os poderes públicos constroem uma dada narrativa coletiva, esta se torna parte integrante desse modo de ação pública, pois se orienta para supostamente unir membros de uma sociedade ao redor de uma história comum.

Tomando como base a reflexão de Michel (2010), propomos questionar, em nossa investigação, como se têm constituído, na Região da Grande Vitória, políticas de memória no tocante ao ensino de História, quais relações de poder estão imbricadas nessa constituição e quais representações emergem dessa constituição.

Para tentar responder a essas questões, apropriamo-nos de duas categorias de conceitos descritas por Michel (2010): esquecimento-manipulado e esquecimento- direcionado.

O esquecimento-manipulado é um procedimento ativo e voluntário, por vezes estruturado, de esquecimento diretamente imputável aos atores públicos encarregados de elaborar e transmitir a memória pública oficial (e nesse caso talvez se insiram em uma dada política da memória). Aqui podemos destacar os programas escolares oficiais da disciplina História e os livros didáticos oficialmente reconhecidos (ou manuais de ensino). O esquecimento é acionado, como resultado de despojamento, por parte dos atores sociais, ao narrarem a si próprios.

Depois dessas considerações, concluímos que as formas ativas de esquecimento mobilizadas, por exemplo, pelos programas escolares oficiais da disciplina História podem estar vinculadas a um dado contexto, que tem como objetivo construir a identidade nacional e, portanto, um esquecimento direcionado: acontecimentos ou ações passadas julgadas humilhantes, que possam vir a prejudicar a identidade nacional, são direcionadas ao esquecimento.

Em nossa investigação, consideramos que, para se pensar a problemática social da memória e sua relação com a história e seu ensino, é necessário considerar os sujeitos e suas práticas, as instituições e seus contextos. Nesse sentido, elaboramos uma pergunta (de n.º 9 – Anexo D), solicitando aos professores que nos falassem sobre os PCNs e as Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental no município em que trabalhavam, com o objetivo de perceber melhor a relação dos professores com os documentos oficiais que têm sido organizados e publicados como orientações em relação ao ensino de História.

Das dez professoras entrevistadas, uma disse não conhecer os PCNs. As demais falaram de maneira superficial, mas reconheciam a importância do documento, considerando-o um referencial muito forte. Ressaltaram que os PCNs ainda são documentos de referência para a construção das Diretrizes Curriculares Municipais. Três professoras alegaram que, em seu município, não existiam ainda Diretrizes

Curriculares (elas seguiam as do município de Vitória), mas que estavam no difícil processo de construção dessas diretrizes.

Pela fala das professoras, mesmo nos municípios em que existem Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental, estas não são seguidas pelas escolas. Isso resulta num descompasso, principalmente em relação aos conteúdos que deveriam ser trabalhados em determinada série e não em outra. A professora Clara assim nos relatou:

Os PCNs são ainda uma referência. Tem todo um trabalho feito pelos PCNs. A gente teve uma formação na UFES, e depois ela foi multiplicada nas escolas. E, aí, teve todo um trabalho dentro da teoria da metodologia, que foi feito; a gente ia, estudava e aplicava. E a Prefeitura fez depois disso uma organização curricular, e era a partir desse documento que a gente deveria fazer o planejamento da escola... O PPP da escola tem a parte que a gente senta, discute o plano anual. Mas o que falta nessa escola, a gente faz isso junto. Mas eu não sei se a minha colega da manhã está com a mesma proposta que a da gente, porque o legal seria que a escola desse um retorno para a gente... O ideal é que a escola tivesse um norte. Por exemplo, ficamos sabendo depois que não era para trabalhar o Espírito Santo no quarto ano, mas, sim, no quinto ano.

A fala da professora vem corroborar a nossa constatação a respeito da importância de os professores estarem cientes e participantes do que se tem produzido para o ensino da História. Quando isso não ocorre, gera-se um descompasso nos usos da História para os anos iniciais, causando, até certo ponto, um prejuízo para o aluno em relação aos conhecimentos que deveriam ser construídos naquela série.

Juntamente com os PCNs e as Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental, para a compreensão das políticas de memória e usos públicos da história na formação dos professores para os anos iniciais, é de fundamental importância a análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia bem como do PPP do Curso de Pedagogia, no que se refere à estrutura do currículo, com ênfase na disciplina História, ministrada pelas diversas IESs da Região da Grande Vitória (Vitória, Cariacica, Serra, Vila Velha, Viana, Guarapari e Fundão). Pensamos que a partir dessa análise será possível identificar o lugar da disciplina História em relação à educação museal. É sobre essa análise que discorreremos a seguir.