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PARTE II – A PRÁTICA DOS PROFESSORES NA ESCOLA E NA ECBH ECBH

5 A PRÁTICA DOS PROFESSORES NA ESCOLA E NA ECBH

5.2 A PRÁTICA DOS PROFESSORES NA ECBH

Foi no cenário expositivo da ECBH que buscamos observar atentamente os trajetos realizados pelos professores e professoras, com o objetivo de analisar qual o lugar da história / memória e quais os saberes que esses profissionais mobilizam na sua prática quando da visita.

Meneses (2005) destaca a necessidade de se pensar a acessibilidade aos museus no sentido tanto físico como cultural. Para o autor, é importante instrumentalizar os cidadãos para a compreensão do sistema museal e de sua linguagem expositiva. Assim, o museu poderia ter uma postura autorreflexiva, em que os próprios mecanismos da exposição fossem revelados.

O autor aponta ainda que, de modo geral, para os visitantes que vão a museus, pouco lhes dizem respeito os objetos expostos; são memórias de terceiros. Assim, criar práticas de interlocução com a exposição seria uma forma de se reverter essa relação do público com o museu, neste caso específico com a ECBH. Dessa forma, o sentido de expor seria diferente do de Ramos (2004), para quem retirar o objeto do seu contexto é torná-lo uma “fratura exposta”. Para Meneses (2005), expor é tornar visível e deixar o diálogo aberto. A exposição deve propiciar espaços para fazer surgirem perguntas. Ela deve inquietar os viventes (alunos e professores) de forma que possam interagir com o espaço museal e os objetos; perceber que os objetos

são produções humanas, portanto, guardam especificidades do momento histórico em que foram produzidos. Isso só é possível se houver momento para a contemplação, momento raro nas visitas aos museus, mas necessário.

É possível, então, pensar a prática dos professores do ponto de vista da potencialização de novos olhares sobre o museu, um olhar criterioso, começando pela existência do acervo, com suportes materiais que são indícios de outros tempos, espaços e sociedades? Como olhar os objetos, possibilitando a percepção dos rastros da história e dos usos que lhes foram atribuídos?

Todo museu organiza sua exposição tendo como referência projetos políticos de memória e de história que nem sempre são explicitados e mobiliza diferentes elementos para assegurar as representações que quer transmitir. O público, ao entrar no museu, imagina que está em contato com a verdadeira história, que o museu pretensamente tenta reconstruir. Não podemos esquecer que o museu também está atrelado a uma concepção de história e memória.

O trabalho com objetos em museu envolve evidências da cultura material. De acordo com Ramos (2004, p. 21), “[...] é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas”. Para tanto, é necessário pensar o objeto como indício de um passado que é interpretado por quem o expõe, no nosso caso a ECBH.

Ao utilizarmos as estratégias de observação e análise de um objeto do passado, várias questões podem ser agregadas a partir da reflexão sobre permanências e transformações desse objeto em relação à função, à composição, ao valor, à técnica de produção e à forma, por exemplo. Por outro lado, podemos refletir sobre sua permanência física e sobre o sentido de sua seleção para a exposição museológica.

Segundo Ramos (2004, p. 36), [...] “torna-se fundamental estudar como os seres humanos criam e usam os objetos. Por outro lado, é igualmente necessário refletir sobre as formas pelas quais os objetos criam e usam os seres humanos”. Ao ler os objetos, estamos fazendo também uma leitura da nossa própria historicidade.

É possível questionar ainda a conservação e o valor do objeto em nossa sociedade, refletindo sobre o seu papel no sentido proposto por Cardoso e Mauad (1997), ou seja, como agente do processo de criação de uma memória que deve promover tanto a legitimação de uma determinada escolha quanto o esquecimento de outras, isto é, de políticas da memória para os usos públicos da história.

Imbuídos dessas ideias, acrescidas de outras tantas, tais como perceber como a relação entre história e memória foi enunciada pelo monitor da visita, pelos alunos e pelos professores, mediados pelos objetos e textos museais; captar as emoções desses sujeitos ao que lhes era apresentado, os diálogos traçados com os objetos museais a partir de suas lembranças, a relação entre passado e presente, e entender qual ou quais usos da história estavam presentes na fala dos sujeitos, observamos e analisamos atentamente dez turmas em visita à ECBH entre os meses de fevereiro a junho de 2013.

5.2.1 Memórias, histórias e experiências na ECBH

A recepção da ECBH segue o mesmo protocolo para todas as turmas visitantes. O acolhimento acontece no auditório (o que denominamos de Primeiro Ato) por um membro da direção da ECBH e pelos monitores destinados para a visita. Nesse momento, são feitas várias recomendações aos alunos sobre como devem comportar-se durante a visita: “não ultrapassar a linha amarela”, “não tocar nos objetos”, “não correr”... Conforme já nos referimos anteriormente, é a tirania da “pedagogia do não” (SIMAN, 2003 – b), porém ressaltamos que em alguns momentos esse “não” é justificado.

Destacamos que essas recomendações são sempre feitas com explicações sobre por que não agir desta ou daquela forma. Por exemplo: “não ultrapassar a linha amarela” significa proteger o acervo, mas, ao mesmo tempo, zelar pela segurança das crianças, já que, por trás da linha amarela, ficam grandes aquários de vidro

representando os ecossistemas aquáticos e terrestres. Existem limitações a respeito do espaço a ser percorrido, mas essas limitações são explicadas, o que no nosso entender vem minimizar a “pedagogia do não”. Existe um “não”, mas um “não” que é justificado. Percebemos que esse simples ato, se não abriu as portas e as janelas, abriu pelo menos as janelas para o diálogo que pode vir a ocorrer entre alunos, professores e monitores no espaço museal. Assim, um aluno expressou:

Que bom, tio, que você está explicando para a gente, porque os outros só sabem proibir, mas não falam por quê. Temos que ter cuidado para não quebrar o vidro dos aquários, para não se machucar e também para proteger os bichinhos, né? (Paulo)

Outro protocolo é a apresentação dos “roteiros temáticos”, que sempre se inicia no auditório com vários slides sobre o tema proposto. Se, para alguns, nos pareceu uma estratégia interessante e eficaz, como, por exemplo, “O local como experiência de história e memória: o Bairro Santo Antônio”, para outros, tornou-se confuso e cansativo, como, por exemplo, “Vitória: de vila a cidade”. Talvez seja este o momento sobre o qual a direção pedagógica da ECBH deveria refletir: a importância de todas as apresentações dos “roteiros temáticos” começarem pelo auditório. Em alguns casos, observamos que os assuntos abordados nos slides foram os mesmos apresentados aos alunos durante o percurso expositivo, de forma muito mais interessante e participativa.

Após fazermos essas ressalvas iniciais em relação ao acolhimento dos alunos e dos professores, passaremos para o que denominamos Segundo Ato: a entrada nos cenários expositivos.

As discussões de Siman (2003 – b), Ramos (2004), Pereira e outros (2007), Pereira (2008 – b), Chagas (2006, 2009 – b) e Pereira e Siman (2009) nos estimulam a pensar nas diversas implicações que a movimentação, a circulação de monitores, alunos e professores nos espaços museais podem produzir nas formas de sociabilidade, nas sensibilidades e na interação com esse espaço. Isso também nos aproxima da noção de educação dos sentidos desenvolvida por Peter Gay (1988), que lida com uma noção ampla de sujeito histórico dotado simultaneamente de racionalidade e sensibilidade, dessa forma alargando a nossa percepção para que atentássemos aos indícios de emoções, impressões, expectativas, desejos,

frustrações, diálogos nas diversas situações que pretendíamos observar no espaço expositivo da ECBH. A noção de educação dos sentidos, associada a diferentes processos socioculturais, de onde procedem os indivíduos (alunos, professores, monitores), propicia diversas percepções do espaço expositivo bem como dos diversos usos da história.

O que ressaltamos ao acompanharmos quatro turmas em visita ao roteiro temático “Ecossistemas do Espírito Santo: a diversidade que estamos perdendo”.