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HISTÓRIA ORAL: UMA FORMA ESPECÍFICA DE DISCURSO A História Oral (HO) é uma metodologia de pesquisa que deve

RELATOS DAS ESTUDANTES DO IFPE 273 ANEXO A – EMENTA DO CURSO DE MECÂNICA

1.3 HISTÓRIA ORAL: UMA FORMA ESPECÍFICA DE DISCURSO A História Oral (HO) é uma metodologia de pesquisa que deve

ser compreendida como uma forma específica de discurso. O vocábulo “história” evoca uma narrativa de fatos ocorridos; “oral”, por sua vez, indica um meio de expressão utilizado nas interações realizadas pelos sujeitos. Creio que seja importante ressaltar que a opção por essa metodologia deu-se em virtude de minha busca por um caminho metodológico qualitativo que me oportunizasse uma melhor

14 Os “vícios da profissionalização”, na minha concepção, são as ideologias assumidas e defendidas pelos sujeitos em suas práticas discursivas profissionais.

compreensão das relações de gênero num contexto localizado, definido em um período de tempo recente.

Podemos afirmar que a HO é uma metodologia qualitativa porque, dentre outros aspectos, reconhece a transitoriedade dos seus resultados e a não neutralidade do pesquisador. Constitui um campo que passou a ser mais conhecido nos círculos acadêmicos a partir da metade da década de 70 do século XX, principalmente com a Conferência em Bologna “Antropologia e História Oral: Fontes Orais” em 1976. (GARNICA, 1998)

Segundo Portelli (2010, p. 210), o território da HO é cruzado pela História, Antropologia, Linguística e Literatura, ou seja, “uma narração dialógica que tem o passado como assunto e que brota do encontro de um sujeito que chamaria de narrador e de outro sujeito que chamarei de pesquisador”. Neste encontro, mediado pelo gravador, ambos buscam uma relação entre a experiência individual e um contexto histórico ou cultural mais amplo.

Atualmente inúmeros campos de saber têm se apropriado dessa metodologia para reconstruir mapas sociais capazes de representar uma realidade coerente da sociedade. Através desses mapas, é possível conhecer e aprofundar alguns aspectos sobre determinadas realidades, como os padrões culturais, as estruturas sociais, os processos históricos ou os laços do cotidiano. Considero que esses aspectos podem ser conectados à AD francesa, sendo essa a razão de essa metodologia integrar este estudo de perspectiva interdisciplinar.

A opção pela HO justifica-se também porque, segundo seus pressupostos, o narrador do relato sempre trava um diálogo com diversas vozes, o que me permitiu utilizar nas análises categorias como gênero, geração, etnia e camadas sociais. Em outras palavras, ao se utilizar esse método, torna-se possível, na realização de uma pesquisa, o estabelecimento de um diálogo entre os “papéis” desempenhados tanto pelo pesquisador como pelo entrevistado.

Neste estudo fiz opção pela vertente italiana da HO por acreditar que esta proporciona uma visão refinada em termos de metodologia e teoria. Essa vertente é baseada em abordagens positivistas superiores, atravessada por estudos da subjetividade, dos mecanismos da memória e da narrativa de aspectos linguísticos. E é por isso que considero natural associá-la à AD francesa, através dos estudos dos aspectos linguísticos, e das questões sobre interdiscurso e memória.

Compreendo ser importante salientar que a HO atualmente superou o debate sobre a confiabilidade de sua fonte quando levanta a questão do papel do pesquisador na constituição destas mesmas fontes,

por ser um produto do encontro dialógico, e não um monólogo. Por isso, a narração oral, segundo Portelli (2010), é uma forma de relação entre história e memória. Sendo assim, a narração oral da história toma forma no diálogo ocasionado pela pesquisa de campo, cabendo ao pesquisador provocar o encontro e o diálogo.

Para mim, a utilização da HO nas interações linguísticas com os entrevistados, através de seus relatos orais, oportunizou o contato com as lembranças e visões de mundo desses sujeitos, necessárias para este estudo. Pois, como afirma Portelli (2010), as pessoas ao focalizarem suas lembranças pessoais, constroem uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do grupo social ao qual pertencem. Por isso, a HO objetiva primordialmente registrar a memória viva (emoções, paixões, olhares), numa perspectiva peculiar dos sentimentos de sujeitos das mais diversas origens socioculturais. Muitas vezes esses relatos ficaram à margem da história oficial, como é o caso dos relatos de muitas mulheres. (CASSAB; RUSCHEINSKY, 2004)

Como esta pesquisa evidencia os relatos de mulheres na rede de educação tecnológica do Brasil, a escolha pela HO pode também ser justificada pelo fato de essa metodologia, como aponta Michelle Perrot (2005), ser compreendida como uma espécie de revanche das mulheres uma vez que oportuniza

dar palavra aos deserdados, às pessoas sem história, aplicar às populações urbanas contemporâneas os métodos empregados pelos etnólogos para os pseudo-“primitivos”: tais foram, no início, os pressupostos deste procedimento. (PERROT, 2005, p. 40)

Pode-se afirmar que as mulheres representam esse grupo de sujeitos “sem voz”. Assim, uma enorme interrogação sobre a vida das mulheres foi desenvolvida com o surgimento do movimento feminista que se preocupava em narrar histórias de mulheres. Na falta de testemunhos escritos fez-se uso do testemunho oral. “Dizer ‘eu’ não é fácil para as mulheres a quem toda uma educação inculcou a conveniência do esquecimento de si mesma...” (PERROT, 2005, p. 42)

Há a partir de então uma emergência do relato de vida. As mulheres entrevistam e são entrevistadas. Isto é natural até porque as mulheres vivem mais e são testemunhas dos acontecimentos da comunidade a qual pertencem. Segundo Perrot (2005), no entre guerras,

por exemplo, foram os relatos das mulheres que propiciaram entendimentos que ajudaram a compreender o fenômeno público que foram as guerras.

Há, portanto, uma intrínseca relação entre a história das mulheres e a HO. Isto me permite assegurar que nas pesquisas no campo das Ciências Humanas é de suma relevância, ao se propor refletir sobre as relações de gênero, levar em consideração essas questões, uma vez que é possível afirmar que são as mulheres que falam da família; homens são mudos a esse respeito. Isso é marcado principalmente nas famílias operárias. Segundo Perrot (2005, p. 41), para o homem “falar de si é expor-se, entregar-se ao olhar de seus inimigos, desta burguesia sempre pronta para o desprezo”.

Assim, podemos afirmar que a memória é marcada pelo sexo em todas as classes porque, na rememoração, as mulheres são, em suma, as porta-vozes da vida privada. Mas será que existe uma especificidade da memória feminina? Perrot (2005) diz que sim, uma vez que a memória é sexuada. Na concepção da autora, é necessária uma demarcação do substrato biológico, pois as práticas socioculturais são marcadas pelo masculino/feminino.

Ao registrar, através do uso da HO, a história de algumas mulheres que compõem a comunidade do IFPE, acredito que contribuo para dar lhes visibilidade. A história delas, feita através de seus relatos e de suas memórias ficará nos anais do Instituto possibilitando novos estudos e reflexões.

No próximo item, trago considerações sobre as categorias memória e interdiscurso, que na concepção da Análise do Discurso de linha francesa guardam uma estreita relação entre si.

1.4 MEMÓRIA E INTERDISCURSO: CONSTRUÇÕES