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3 – A BUSCA DE POSSÍVEIS INTERLOCUÇÕES

3 2 HISTÓRIA ORAL: POSSIBILIDADE METODOLÓGICA

A História Oral é uma metodologia que tem, na narrativa oral e na memória, fontes privilegiadas para o registro escrito da realidade social vivida, pois, de acordo com PORTELLI (1997), apenas os seres humanos são capazes de guardar lembranças. A História Oral (HO) toma, então, a memória como centro das discussões, o que significa também falar da história individual, social e coletiva dos sujeitos. Nesse sentido, tomar a narrativa das memórias das educadoras de creche como forma de acessar, não apenas sua compreensão de seu cotidiano de trabalho, mas também o papel da formação, pareceu ser mais uma forma de aproximação procedente para este estudo.

A narrativa tem-se apresentado como um elemento fundamental no processo de rememoração das histórias, quer sejam estas individuais, sociais ou coletivas. GUEDES- PINTO (2002, p.11), ao pretender fazer um percurso pela História Oral, a História Cultural e a Lingüística Aplicada em relação às memórias de leitura das professoras alfabetizadoras, ressaltou, ao concluir seu trabalho, que:

No interior desse movimento de olharmos para o passado, tivemos a possibilidade de refletir sobre nossas histórias[...] o processo interativo vivenciado pelas professoras e por mim durante a pesquisa forneceu possibilidades concretas para uma re-significação. Essa re-significação, ocorrida a partir da nossa interação, indica alguns caminhos metodológicos que podem ser trilhados nos cursos de formação, no interior da universidade, no sentido de proporcionar uma vivência mais plural (GUEDES-PINTO, 2002, p.134).

A reflexão e a ressignificação a que se referiu a autora aconteceram no transcurso da pesquisa por meio das entrevistas, nas quais a narrativa se apresentou como um elemento fundante da rememoração.

Quando falamos da história, quer seja ela individual, social ou coletiva, somos transportados para um cenário de lembranças... episódios... narrativas... testemunhos e, também, de situações do tempo presente. É transitar no tempo e no espaço. Nesse sentido, PORTELLI (1997) advertiu que:

A memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Em vista disso, as recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes – exatamente iguais (p.16).

Em seu percurso, a HO pode ser compreendida a partir de uma série de transformações das propostas vividas desde Tucídides a Heródoto, este último podendo ser considerado por muitos como pai da História Oral (VIDAL, 1990). A questão da importância da HO foi retomada pela moderna historiografia que a aborda. THOMPSOM e JOUTARD mostraram essa metodologia como possibilidade nova, moderna. Nascida após a Segunda Guerra, a História Oral problematizou o fato de que a guerra emudeceu os homens, tornou-os pobres em experiências comunicáveis, marcou o início do triunfo da informação sobre as trocas de experiências (p.77).

Sobre isso, VIDAL afirmou que

o pós-guerra trouxe novos desafios à História, que seriam: a ênfase no particular e a busca de uma identidade individual e coletiva pelos povos. A universalidade do saber desfez-se frente à

fragmentação imposta pela guerra, o interesse voltou-se à história do particular, do pequeno, do cotidiano (VIDAL, 1990, p.78).

Daí a possibilidade do entrecruzamento das perspectivas trazidas por CERTEAU (1994), SCHWARTZ (2000) e a História Oral: a preocupação com o particular, com o pequeno, com o cotidiano perpassa todos eles.

Nas minúcias do cotidiano, na interação com as pessoas, nas relações que se estabelecem entre os sujeitos que interagem na creche, na aproximação entre pesquisado e pesquisador e no compartilhar de experiências é que, através de um “olhar a la lupa”, busquei pistas, indícios, caminhos para entender o invisível e, como apontou QUEIROZ (1991), o indizível do cotidiano.

O cotidiano é formado por movimentos, ações, falas, gestos que compõem a sociedade atual, feita de imagens e movimento. A metodologia da História Oral vem justamente atender a esse apelo da contemporaneidade e imprime ação ao documento pelo ritmo da pausa, da incerteza e da segurança no tom de voz, pelo meneio dos gestos e olhares (VIDAL 1990, p.78).

Optei também pela pesquisa-ação, por entender que do lugar em que estou, como pedagoga de uma das instituições pesquisadas, essa é a forma que me possibilita dialogar com a inserção de alguém em um campo, de certa forma, conhecido.

PARK20, ao relatar sua pesquisa com educadoras de creche, ressaltou que não conseguimos transformar aquilo que não conhecemos, salientando com isso a importância de pesquisarmos dentro da área em que já atuamos e cuja realidade nos é familiar.

Para desenvolver a pesquisa, buscando interpretar, explicitar e entender o fenômeno a ser pesquisado, THOMPSON (2002), destacou alguns elementos importantes como:

[...] a interpretação da história e das mutáveis sociedades e culturas através da escuta das pessoas e do registro de suas lembranças e experiências, a história oral tem um poder único de nos dar acesso às experiências daqueles que vivem às margens do poder, e cujas vozes são ocultas porque suas vidas são muitos menos prováveis de serem documentadas nos arquivos (p. 9 e 17).

20 Palestra ministrada no evento Memória e Patrimônio, em outubro de 2003, no auditório da Biblioteca Central da Unicamp.

Entendo que a metodologia da HO pode ser um instrumento democratizador, por permitir aos grupos dominados retomarem suas memórias como possibilidade de transformação social, e, como também afirmou THOMPSON (1992, p.22), pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história, um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras.

Como apontaram os pesquisadores da História Oral, os grupos marginalizados socialmente são constituídos de sujeitos comuns, que são diferentes e são pessoas de origens sociais diversas, que constroem, cada um a seu modo, a história da humanidade.

Esses sujeitos, como tão bem definiu NEVES (2001),

[...] são os sujeitos construtores da História, são líderes comunitários, empresários, militares, trabalhadores anônimos, jovens que cultivam utopias, mulheres que labutam no cotidiano da maternidade e, simultaneamente, em profissões variadas, são líderes e militantes de movimentos étnicos, são educadores que participam da formação das novas gerações, são intelectuais que pensam e escrevem sobre os problemas da vida e do mundo, são artistas que através do seu ímpeto criativo representam as realidades e sentimentos nas artes plásticas, nos projetos arquitetônicos, nos versos, nas composições musicais, são cientistas que plantam o progresso e a inovação tecnológica, são políticos que se integram à vida pública, adotando ou uma prática de estrutura maior ou fazendo do espaço público, local de práticas patrimonialistas (p. 24).

Contar a história do lugar em que se está... é exatamente isso que o pesquisador faz, conta a sua história de pesquisa do lugar em que está: a academia. Não há como ser neutro na condução das entrevistas, como ressaltou VIDAL (1990, p.80), um aceno de cabeça, ou um “hum! hum!"descuidado [ou um sorriso], são indicadores para a extensão ou supressão de um assunto ou tema. A distância entre pesquisador e pesquisado é estreita, pois o testemunho do pesquisador também está contido nos gestos efetuados durante a entrevista. Junto a isso, sinalizou a autora, o pesquisador também traz a sua proposta de pesquisa quando procura o depoente. As narrativas são construídas dentro do escopo do estudo do pesquisador, que é constantemente renegociado durante a entrevista.

Buscando compreender a problemática que me propus a entender, utilizei os seguintes instrumentos de pesquisa:

2. Diário de campo, no qual constam anotações das entrevistas realizadas, das observações do cotidiano das instituições e das conversas informais com os sujeitos da pesquisa.

3. Registro fotográfico disponibilizado a mim nos acervos das duas instituições.

Esses instrumentos, utilizados forma integrada, buscaram melhor detalhar todo o processo da pesquisa e trouxeram informações importantes sobre o contexto da mesma, ou seja, buscaram caracterizar as condições de produção deste estudo.