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Hitler o «pintor de tabuletas»

No documento A caminho do Estado Novo e o Terceiro Reich: a (páginas 104-131)

4. A ascensão do Partido Nacional-Socialista ao Poder

4.4. Hitler o «pintor de tabuletas»

A 30 de janeiro de 1933, o homem que viria a marcar a História de toda a Humanidade, chegava, finalmente, ao posto de chanceler alemão. Entre as elites jornalísticas portuguesas as opiniões sobre um possível sucesso político de Hitler, que o conseguisse levar até ao mais alto posto do Governo alemão, tinham, até este momento, divergido substancialmente. De entre todas as forças políticas que em Portugal iam sendo toleradas pela Ditadura Militar, o movimento nacional-sindicalista era, sem dúvida, a força que mais fé tinha tido no triunfo do líder nazi e era, inequivocamente, aquela força política que mais inspiração ia buscar ao nacional-socialismo alemão. Não admirará portanto ao leitor que a nomeação de Hitler como chefe do Governo alemão, tenha sido entusiasticamente celebrada pelos nacional-sindicalistas, que aproveitaram as páginas do Revolução para transmitir todo o seu contentamento e satisfação pelo desenrolar dos acontecimentos políticos que, na Alemanha, culminavam na vitória do nacional-socialismo.

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«O Momento Internacional. Uma conjuração de intrigas hitlerianas e nacionalistas contra o chanceler von Schleicher» , in Novidades, 12.1.1933, Lisboa, p. 1.

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Logo no próprio dia da nomeação de Hitler como chanceler do Reich, o Revolução exclamava o título: «chegou a hora!». Era verdade. Depois de tanta indecisão e dúvida, a tal “hora de Hitler” tinha, finalmente, chegado. E isto apesar de, para o Revolução, os nazis terem sido «perseguidos, atacados, escarnecidos, caluniados» mas, ainda assim, não terem desanimado nem hesitado «na luta ao cabo da qual estava a vitória» - curiosa esta afirmação já que, como vimos anteriormente, foi o próprio Rolão Preto quem chegou a criticar Hitler pelas suas hesitações, as quais, acreditava então o líder nacional- sindicalista, levavam à derrota do nacional-socialismo. De qualquer forma, a vitória de Hitler tinha realmente chegado e ela era aproveitada pelos nacional-sindicalistas para enviar um recado à «gente moça» portuguesa sublinhando que: «para aqueles que não desanimam, para aqueles que querem, a vitória acaba sempre por vir!»203. Pouco depois, seria Rolão Preto quem, parecendo reconciliar-se com a estratégia adotada por Hitler – que como vimos, chegou a acusar de poder vir a ser a perdição do nacional- socialismo -, exaltava a «hora do triunfo» do Führer nazi.

Rolão Preto via, depois da nomeação de Hitler, com enorme satisfação «um dos grandes povos europeus» sacudir «definitivamente o seu pesadelo democrata», enquanto «um novo César» subia agora «triunfalmente as escadarias do Capitólio». Esse «novo César» teria feito uma «prodigiosa carreira!» já que, de desconhecido, tinha conseguido chegar ao ponto de não haver quem o não conhecesse «em toda a Europa....». Numa Alemanha na qual «tudo parecia perdido», até «mesmo a honra», tinha aparecido um salvador sem o qual o país germânico continuaria a cair «no caos» ficando «às portas do comunismo». E «todo o segredo do seu fulminante triunfo» estaria apenas na sua «organização e sacrifício» que, em alturas em que «parecia tudo baldado, tudo inútil», lhe tinha permitido superar a «dura e cavilosa [sic] guerra que se fazia ao nacional- socialismo». Afinal o Führer sempre tinha conseguido fazer com que «o mais forte e perigoso obstáculo», que tinha sido Von Schleicher, fosse «varrido como os outros...», vitória para a qual, para Rolão Preto, teriam sido importantes condições «o ardor da mocidade e a perseverança dos patriotas» mas, acima de tudo, teria sido «a alma do chefe» quem a tinha tornado possível. De facto, teria sido essa «alma “alucinada” crente [e] pueril»204 de Hitler que tinha feito o nacional-socialismo, finalmente, alcançar a vitória. Mas o líder nacional-sindicalista nem sequer volta a aflorar toda a descrença que

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«Chegou A Hora! Hitler, chanceler do Império», in Revolução, 30.1.1933, Lisboa, p. 1. (Negrito no original)

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tinha demonstrado, ainda há muito pouco tempo atrás, na ação política de Hitler e nas possibilidades de sucesso da mesma. Aliás, sobre o suposto declínio no qual, pouco antes da demissão de Von Schleicher, os jornais portugueses acreditavam ter entrado Hitler e o seu nacional-socialismo, Rolão Preto não escreve nem mais uma palavra.

Mas Dutra Faria, esse, não se esquivaria a reconhecer a surpresa que constituía a vitória do nazismo nessa altura. Para Dutra Faria, era curioso que «a hora de Hitler» tivesse soado «justamente quando se julgava já o famoso chefe nazi em franca e rápida decadência». Como tal, «para quase toda a gente» a nomeação de Hitler como chanceler teria surgido como «uma surpresa». Para muitos mas não, obviamente, para os nacional- sindicalistas que, segundo Faria, sempre teriam acreditado «no triunfo inevitável de Hitler». E o triunfo seria, para o nacional-sindicalista, verdadeiramente de Hitler já que o novo governo alemão não era, para Dutra Faria, «um governo nacional-socialista» mas sim um «governo de Hitler». Isto porque, sendo o novo gabinete «um ministério de concentração nacionalista», havia ainda que confirmar se os nacional-socialistas conseguiriam vir a dominar «inteiramente as outras correntes nacionalistas». Tarefa que não seria de fácil concretização para os nazis já que, assumindo «o aspecto eminentemente social do seu movimento», eles teriam de usar de todo o cuidado na dose de contemporização que dispensariam às restantes «forças essencialmente conservadoras» que os acompanhavam no novo governo. O sucesso da experiência governativa dos nazis estaria, portanto, na sua capacidade de agradar às restantes forças nacionalistas alemãs sem, no entanto, abandonar a «extrema-esquerda» do partido, e as ideias defendidas por essa suposta fação. No caso de Hitler conseguir manter esse equilíbrio, isso significaria «o triunfo definitivo da revolução alemã»205 já que o líder nazi e a revolução nacional alemã, para Dutra Faria, se confundiam entre si.

Numa onda de puro entusiasmo, que havia sido despertado no movimento nacional- sindicalista pelo sucesso de Hitler, vem, pouco depois de Dutra Faria, Pinto de Lemos propagandear os feitos do líder nazi. Para Pinto de Lemos, Hitler tinha-se revelado um «extraordinário escultor de multidões» e, com o Führer a comandar os destinos da Alemanha, já nada nem ninguém se conseguiria «opor à marcha da “Revolução Nacional”», que mergulharia «as [suas] raízes na própria alma germânica». Assim sendo, Lemos não tem dúvidas em afirmar que se iludiam todos aqueles que julgavam que Hitler viria a ser «queimado ou assimilado por outras forças», já que, no dia em que

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essas forças o tentassem, o líder nazi saberia sacudi-las e governaria «então como verdadeiro senhor, como César». E Pinto de Lemos conclui que o sucesso deveria ser o destino de Hitler já que era «a Alemanha que o deseja[va], que o quer[ia], que o aclama[va]...»206.

Pouco surpreendente será também o facto de o República fazer uma interpretação da nomeação de Hitler como chanceler completamente diferente daquela que se fazia nas páginas do diário nacional-sindicalista. Numa longa análise do momento político alemão, o diário republicano português questiona-se se essa ascensão de Hitler ao mais alto cargo do governo alemão significaria «o êxito do movimento de que ele era o cartaz». Para o República, era óbvio que não. Com efeito, essa vitória teria acontecido apenas no caso de Hitler ter conseguido que o presidente Hindenburg lhe tivesse oferecido o lugar de chanceler na sequência das eleições legislativas de julho de 1932. Ora, já que o presidente alemão se tinha, então, recusado a «referendar a vitória que Hitler obtivera num momento de exaltado desvario da Alemanha», preferindo «entregar o governo a [...] Papen, político conservador, receoso de extremismos – da esquerda ou da direita – [que] começou a executar claramente uma obra de destruição do movimento hitleriano» - curiosa esta caracterização de Von Papen já que o mesmo, para além de ter sido o grande responsável da conciliação entre Hitler e o presidente Hindenburg, se encontrava agora na posição de vice-chanceler do governo liderado pelo líder nazi -, essa ação teria levado a que, desde então, o povo alemão tivesse começado a «descrer do messianismo do antigo austríaco, pintor de tabuletas» o que, por sua vez tinha levado a que, «depois de ter subido a um ponto altíssimo», o nacional-socialismo tivesse entrado em claro «declínio». Assim sendo, o República não acompanhava «a imprensa hitleriana e a imprensa de vários países, representante de movimentos idênticos ao de Hitler, todos filiados, afinal, no figurino italiano» - inserindo o articulista nesta categoria, certamente, também o movimento nacional-sindicalista português e o seu jornal – na ideia de que esta fosse, efetivamente, uma verdadeira hora de triunfo para o nazismo. Isto porque, para o diário republicano, era necessário ter em conta as condições em que Hitler tinha conseguido formar governo. Nesse sentido, parecia ao

República que, desde logo, os nazis teriam de deixar «posto de parte» o seu programa

«no campo internacional» já que, a simples presença de elementos como «von Neurath, […] Papen e Schleicher» - note-se que, na realidade, Von Schleicher não fazia parte do

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Governo liderado por Hitler - deveria ser «suficiente para neutralizar os ímpetos do agitador» nazi que agora controlava o governo. E, se «no ponto de vista da política interna» os nazis teriam razões para ficarem mais «satisfeitos», isso não impedia que, para o República, «o fracasso» fosse manifesto» e que se concluísse que o hitlerismo tinha mesmo entrado «definitivamente na agonia»207.

Por outro lado, Afonso Lucas levanta uma questão muito interessante nas páginas do

Revolução. O nacional-sindicalista questionava-se sobre qual viria a ser a relação que

Hitler viria a estabelecer com a Constituição alemã. Quanto a essa futura relação, Afonso Lucas acreditava que não existiria a «menor dúvida» de que o líder nazi viria a «servir-se da Constituição para o que quiser e quando já não lhe servir para nada...era uma vez uma Constituição!». Afinal, perguntava-se o articulista, que importância poderia ter o juramento a «um “papel” que a ninguém interessa?» - os nacional- sindicalistas desvalorizavam assim a própria aprovação da Constituição em Portugal, em abril de 1933. E quanto a uma possível submissão de Hitler às restantes forças políticas que integravam o governo que liderava, Lucas responde, na forma de uma interrogação afirmativa que deveria fazer meditar os que acreditavam na possibilidade de o Führer nazi poder vir a ser “domado” no poder: afinal «quem é o Chanceler?!»208.

Nesse mesmo número do Revolução, no suplemento Revolução dos Trabalhadores que se passa a publicar como separata ao jornal nacional-sindicalista, era a vez de

Francisco de Paula209 se dedicar à análise do momento político alemão. Francisco de

Paula defende que, logo desde o momento em que tinha assumido o poder, Hitler teria

iniciado «com denodo, a luta contra o comunismo» e «a repressão da guerra civil» com a qual a Alemanha se debatia «desde a derrota […] [de] 1918». Para o articulista nacional-sindicalista, a vitória de Hitler tinha a «magnífica significação» de ser «a vitória da nova geração sobre as velhas gerações cansadas e falidas» e, mais importante ainda, de ter significado «a vitória da revolução nacionalista sobre o egoísmo burguês, sobre a hipocrisia maçónica, sobre a inércia conservadora, sobre a tirania capitalista...». Mais ainda, para os nacional-sindicalistas, a vitória do nacional-socialismo seria, «ao mesmo tempo a vitória da Ordem, da verdadeira ordem, sobre a desenfreada e sangrenta

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«O caso alemão. A subida de Hitler ao poder é a morte do movimento hitleriano», in República, 2.2.1933, Lisboa, p. 8.

208

LUCAS, Afonso, «Filosofia da acção. A verdadeira lição de Hitler», in Revolução, 4.2.1933, Lisboa, p. 1.

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demagogia marxista, inimiga da Família e da Pátria» e, por todas essas razões,

Francisco de Paula decide terminar o artigo com um estusiástico «viva Hitler!»210.

O DM dava a palavra a João Ameal211 para que este dissertasse sobre a política alemã e sobre a personalidade do líder nazi. Antes de mais, João Ameal diz não ver com qualquer surpresa a ascensão de Hitler ao poder. Bem pelo contrário, para ele, que ia seguindo «de longe, há oito anos, a sua lenta mas segura progressão», não tinha havido «surpresa nenhuma» no triunfo do Führer nazi. Ameal passa em seguida a denunciar toda uma suposta campanha de descredibilização da figura de Hitler por parte daqueles que tinham insistido em chamar-lhe «medíocre», «aventureiro» ou «“o pintor de tabuletas”», e que, segundo Ameal, tinham usado «tudo quanto pudesse contribuir para o […] desprestígio ou para o […] fracasso» do líder do nacional-socialismo. Mas afinal, com tal campanha, teriam sido esses críticos que tinham levado Hitler ao poder, justamente «porque Hitler, indiferente aos golpes da batalha, ia sabendo, cada vez melhor, interpretar e unificar as aspirações do seu país. Ia sabendo ligar ao seu movimento os valores tradicionalistas e os valores revolucionários construtivos». Seria por todas essas razões que Hitler tinha conseguido chegar ao posto de chanceler e era também pelas mesmas que Ameal dizia agora adivinhar «à distância, o entusiasmo das populações alemãs ao verem tomar as rédeas do Governo o homem que tinha conquistado uma posição única de relevo nacionalista», o mesmo homem que trazia «à volta do seu nome, uma verdadeira auréola messiânica»212. E, numa clara apologia do programa nazi, João Ameal faz constar nas páginas do DM algumas transcrições do

Mein Kampf, como forma de dar a conhecer aos leitores portugueses a ideologia do

nacional-socialismo, prometendo até, posteriormente, continuar a divulgar a obra, e respetivo pensamento político, do líder nazi.

No número imediatamente a seguir, àquele em que se haviam produzido as anteriores afirmações de João Ameal, nas páginas do DM defende-se que Hitler apresentava agora «um programa equilibrado e sensato» fazendo declarações «de serenidade e paz» que seriam demonstrações dos «firmes propósitos de concórdia» que agora animariam os

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PAULA, Francisco de, «De todo o mundo. Hitler», in Revolução dos Trabalhadores, 4.2.1933, Lisboa, p. 6.

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Nome literário de Joâo Francisco de Sande Barbosa de Azevedo e Bourbon Aires de Campos (1902-1982): historiador, escritor e político. Militante monárquico tradicionalista que chegou a integrar a organização nacional- sindicalista tendo integrado a grupo de dissidentes desse movimento que haveriam de vir a decidir-se pelo apoio a Salazar. Viria a fazer parte de várias estruturas criadas pelo Estado Novo incluindo um período em que viria a ser deputado na Assembleia Nacional e procurador à Câmara Corporativa. Foi igualmente membro da Academia Portuguesa da História e da Academia de Ciências.

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AMEAL, João, «O pensamento estrangeiro. Panorama político – O que quer Hitler», in Diário da Manhã, 6.2.1933, Lisboa, p. 3.

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nacional-socialistas. E, com toda a pertinência, pergunta-se de seguida que era «feito do aventureiro espectaculoso, do condottieri [sic] feroz, do chefe alucinado dum bando de desordeiros?»213. Efetivamente, apesar de André Cany ter chegado a adjetivar Hitler de «insigne demagogo»214, ou de F. A. de C. ter caraterizado o líder nazi como um «político excitado, […] “condottieri” [sic] de atitudes quixotescas»215, a verdade é que os articulistas do DM tinham vindo a ser bastante comedidos na forma de adjetivação que escolhiam para o Führer nazi – facto ao qual não será certamente estranha a ideia, que desde cedo se pareceu desenvolver entre os analistas políticos que no DM se dedicavam a acompanhar o momento político alemão, de que mais tarde ou mais cedo Hitler acabaria por chegar ao poder.

A verdade é que Hitler aparecia agora, para o DM, como «um homem resoluto mas calmo» que agora se dirigia «a todo o povo alemão e a todos os países do concerto internacional» com «frases dignas e normais de estadista». Esta aparente «metamorfose de Hitler», que o DM denunciava como tendo sido uma ideia errada criada por aqueles que tinham assumido uma «visão demasiado simplista» do que politicamente se ia passando na Alemanha, não deveria, segundo o órgão da União Nacional, ser definida como tal. Afinal, «o chefe nacional-socialista» nunca teria sido «um energúmeno». Pelo contrário, Hitler era visto agora como «um homem enérgico e decidido, portador duma grande missão, e consciente das responsabilidades que essa missão lhe traz[ia]». Aliás, o Führer parecia, para o jornal português, mostrar-se «bem decidido» em realizar os princípios pelos quais se tinha «batido sempre e que o levaram ao triunfo». Assim sendo, o que realmente teria mudado, tinha sido apenas a «posição de Hitler» que, enquanto «chefe duma facção […] falava apenas em seu próprio nome» e representava apenas «as opiniões e desejos dum grupo», mas agora, que havia assumido a chefia do Governo alemão, ele procuraria «encarnar […] as aspirações, as necessidades» e «os interesses da alma colectiva», de forma a assumir-se como «intérprete da Alemanha inteira». E esse seria afinal, concluía o DM, o único caminho que poderia levar Hitler a ser «digno das promessas que fez» e só assim ele poderia ser capaz de «construir, sobre as ruínas do velho Estado falido da Social-Democracia de Weimar, um autêntico Estado

Novo, capaz de resolver os problemas do presente e de garantir as prosperidades e as

213

«A Pátria e o Partido», in Diário da Manhã, 7.2.1933, Lisboa, p. 1. (Itálico no original).

214

CANY, André, «Diário Internacional. Carta de Paris – Um erro de visão psicológica», in Diário da Manhã, 22.1.1932, Lisboa, p. 5.

215

F. A. de C, «Diário Internacional. A caminho do “Terceiro Reich”?», in Diário da Manhã, 9.12.1931, Lisboa, p. 5. (Artigo já citado anteriormente)

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grandezas do futuro»216. Ou seja, parece evidente que, para o diário que incondicionalmente apoiava a Ditadura Nacional, Hitler ia procurar conseguir fazer na Alemanha aquilo que, em Portugal, Salazar estava já em vias de concretizar: a criação – pelo menos a nível legal – desse “autêntico Estado Novo”.

A verdade é que o DM não era o único órgão da imprensa nacional a ver Hitler como o possível criador de um “Estado Novo” na Alemanha. Artur Zuzarte de Mendonça viria a defender essa mesma ideia nas páginas do Revolução afirmando que o povo alemão esperava agora «crente, na reorganização do Novo Estado» - assim mesmo descrito e, neste caso, não na ordem inversa dos termos – já que ele saberia que «o seu salvador»217 acabaria por conseguir atingir as suas pretensões. Pouco depois, seria Dutra Faria que parecia fazer uma análise em concordância com aquela que se havia feito nas páginas do

DM. Com efeito, Faria salientava que, ao moderar o seu discurso, Hitler revelava-se

«tão hábil como timoneiro da nau do Estado – como hábil se revelara já na arte difícil e ingrata de empolgar e de conduzir multidões». Obviamente que, para o nacional- sindicalista, isto não significava que o líder nazi tivesse mudado a sua atitude, nem mesmo o seu discurso, já que, nesse, Dutra Faria não encontrava, na realidade, «absolutamente nada» de novo. O que teria mudado seria «o tom, simplesmente»218.

A visão que o República tinha sobre a nomeação de Hitler como chanceler do Reich era, definitivamente, diferente daquelas que vimos anteriormente. Nas páginas do jornal republicano português admitia-se que «o nacional-socialismo alemão» vinha «marcar um dos seus maiores triunfos políticos, com a recente subida de Hitler à chancelaria do Estado». E, ainda que esse triunfo não fosse «completo porque outras forças, aliás poderosas» estavam igualmente no governo, ele representava «indiscutivelmente, para os racistas, uma grande vitória». O leitor que não prosseguisse na leitura dos restantes parágrafos deste artigo poderia ficar com a impressão que, também o República, subscrevia a ideia de que o nacional-socialismo viria a crescer na sua força, até ao ponto de conseguir criar na Alemanha o, tão ansiado por muitos, “Estado Novo”. Mas esse leitor enganar-se-ia. Isto porque o artigo continuava confirmando que o nacional- socialismo, apesar da vitória que lhe era reconhecida, continuaria, para o diário republicano português, «em franco declínio», afirmando-se os republicanos portugueses «certos de que os seus dias estão contados e de que o fracasso há-de acentuar-se com a

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«A Pátria e o Partido», in Diário da Manhã, 7.2.1933, Lisboa, p. 1. (Itálicos no original).

217

MENDONÇA, Artur Zuzarte de, «Política. Fé Nacionalista», in Revolução, 8.2.1933, Lisboa, p. 5.

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subida do seu chefe ao poder». Aliás, para o articulista republicano, Hitler apenas conseguiria ser «alguém num país abatido» e «ferido no seu orgulho próprio» como era o caso da Alemanha. E concluía-se que, apenas por isso, o povo alemão tinha chegado a

No documento A caminho do Estado Novo e o Terceiro Reich: a (páginas 104-131)