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Von Schleicher o «maquiavélico»

4. A ascensão do Partido Nacional-Socialista ao Poder

4.3. Von Schleicher o «maquiavélico»

Evidentemente que, para o Revolução, a nomeação de Von Schleicher como chanceler do Reich não poderia apresentar-se senão como «um parêntesis prejudicial ao ritmo da fase política alemã». O general da Reichswher não seria capaz de solucionar o impasse político no qual havia caído a Alemanha. Aliás, para os nacional-sindicalistas, se a «cruz suástica» não brilhasse em breve «no horizonte germânico», a «Pátria de Goethe» ficaria entregue «aos bárbaros». Entretanto, Pinto de Lemos parecia apostado em querer desfazer todas as «ilusões»189 afirmando que quem realmente mandava na Alemanha seria o presidente Hindenburg e não o Chanceler Von Schleicher. Pouco depois, seria a vez de Dutra Faria reiterar a falta de confiança que o novo chanceler inspirava aos nacional-sindicalistas, afirmando que «os efeitos perniciosos do conservantismo [sic] de Von Schleicher» continuariam «decerto [iguais a]os efeitos do conservantismo de Von Papen...». E quanto à situação de Hitler, Dutra Faria salienta que o presidente ia ainda brincando com o líder nazi «como o gato com o rato», mas, em jeito de aviso, Faria levanta a questão: «não virá um dia porém em que o rato, como na fábula, se transforme em tigre?». É que, para os nacional-sindicalistas, «a velha Alemanha do grande Frederico e de Bismarck, rígida e ríspida», não poderia deixar de vir a «ceder o passo, fatalmente, às falanges revolucionárias e jovens do nacional- socialismo»190. É neste sentido que Dutra Faria, defendendo que «em parte alguma como na Imperial República Alemã, a cegueira dos conservadores» seria «tão obstinada e tão perigosa», aproveita para lançar novo aviso a todos aqueles que, segundo os nacional-sindicalistas, se iam regendo por uma política conservadora. Para Faria seria o receio desses conservadores de ver o «radicalismo social e económico» representado por Hitler chegar ao poder, muito embora, para o articulista nacional-sindicalista esse radicalismo fosse «absolutamente necessário», que os levava a «favorecer um perigo maior». Esse perigo maior seria, obviamente, o comunismo que, para Faria, seria a

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LEMOS, Abílio Pinto de, «Na Alemanha», in Revolução, 3.12.1932, Lisboa, p. 5.

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única força que ganharia com «o desprestígio de Hitler» e a qual acabaria por arrastar «numa onda de anarquia e de sangue todos os conservadores...»191. Não será necessário um exercício de extrapolação demasiado exagerado para se inferir que, apesar de Dutra Faria se referir especificamente à situação política alemã, os nacional-sindicalistas aproveitassem o caso alemão para enviar alguns recados às principais forças políticas que em Portugal se iam continuando a opor ao modelo político que estes defendiam.

De facto, a fraca impressão que Von Schleicher ia causando entre os nacional- sindicalistas portugueses, e muito em particular em Dutra Faria, era por demais evidente. Ao ponto de o articulista afirmar, passados apenas 6 dias desde o momento em que o general alemão tinha assumido a Chancelaria, que Schleicher iria já por essa altura «arrepiando caminho» já que este estaria em vias de nomear um membro do partido nazi para chefiar o Estado prussiano. Mas, ainda assim, Faria chegava a questionar se não procuraria o chanceler com essa nomeação «apenas fragmentar e quebrantar [sic] as forças do partido hitleriano, aceitando-lhe uma colaboração condicionada e extremamente limitada». Mas para o nacional-sindicalista, se fosse essa a intenção de Schleicher, o então chanceler «só perderia», já que, «comprometendo o impulso revolucionário e o demagogismo [sic] dos hitlerianos» ele apenas conseguiria acentuar ainda mais os «progressos do comunismo»192. E numa altura em que começam a circular rumores de uma efetiva cisão dentro do partido nazi, Faria defende que, ou não se trataria «nunca duma cisão», ou se trataria de uma «eliminação da personalidade de Adolfo Hitler e da substituição deste por Strasser, […] ou por Frick» e, de forma bastante surpreendente, Faria afirma que «em qualquer dos casos a doutrina e a força do partido nada perderão»193.

Curioso será certamente ver a análise que as Novidades faziam da nomeação de Von Schleicher como chanceler. Não nos esqueçamos que o jornal católico português tinha, logo desde o momento em que Von Papen passava a ser chanceler, defendido convictamente que quem comandava, dos bastidores, toda a situação política alemã era, justamente, Kurt von Schleicher. Ainda assim, para os católicos das Novidades parecia óbvio que, sendo Schleicher um «oportunista completo», este «preferia continuar a ser o mestre oculto da Alemanha, sem as responsabilidades de chefe do governo». Afinal o general teria consigo a força do exército alemão, força essa que proporcionava a

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FARIA, Dutra, «Política. Momento Internacional – Alemanha», in Revolução, 6.12.1932, Lisboa, p. 5.

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FARIA, Dutra, «Política. Momento Internacional – Alemanha», in Revolução, 8.12.1932, Lisboa, p. 5.

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Schleicher a hipótese de vir a ser «o apaziguador pelo qual a grande maioria dos alemães ansiava», mesmo que, os católicos portugueses defendessem que «um governo que tem simplesmente o apoio das baionetas é um triste remédio, porque só pode ter vida curta e permanentemente ameaçada» e, embora «em horas de crise» se exigissem «governos fortes», esses deveriam sê-lo «pela força militar que os defenda e pela opinião pública que os aplauda». Ou seja, percebe-se claramente que as Novidades defendiam que para ter êxito no poder, Von Schleicher teria de adotar uma ditadura à imagem daquela que os católicos – pelo menos os salazaristas – acreditavam ser a da Ditadura Nacional portuguesa.

Quanto à situação de Hitler, o diário católico português apresentava «o recuo hitleriano» como «um facto reconhecido». A posição do líder nazi seria, por essa altura, realmente precária já que «Hitler se não [se] mostrasse acomodatício com as combinações de von Schleicher, teria de suportar a prova da dissolução do Reichstag com novas eleições que, segundo prognósticos sensatos, lhe arrancariam mais umas quatro dezenas de deputados». A posição política do hitlerismo seria ainda mais fragilizada, uma vez que «os vizinhos receosos da ressurreição do poderio alemão» se resignavam e «até se congratulam por um mal menor» na oposição entre Schleicher e Hitler. E, embora Schleicher fosse «a ressurreição do militarismo», por outro lado ele representaria «a exaltação dum chefe que age com prudência, ao passo que Hitler seria a aventura trágica dum louco [sic]». Ou seja, para as Novidades, o êxito político da experiência governativa de Von Schleicher seria bem-vindo já que o novo chanceler aparecia «no tablado da política alemã para ser evitada a experiência catastrófica de Hitler»194.

As Novidades voltam à análise da constituição do gabinete liderado por Von Schleicher afirmando que a Alemanha poderia «sentir a consolação de ter enfim realizado uma verdadeira obra-prima de política» concretizando, com a constituição do seu novo governo, «um dos mais extraordinários acontecimentos políticos da actualidade». O novo governo alemão era visto pelos católicos das Novidades como um «governo autoritário, […] militarista» mas também, finalmente, como um «governo estável pela simultânea confiança do presidente do Reich e da opinião pública», e a Schleicher era reconhecida a «raríssima habilidade» de ter conseguido «amansar» o

Reichstag. Ou seja, o diário católico português parecia agora ver no novo chanceler –

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que antes havia descrito com adjetivos, no mínimo, pouco simpáticos - a capacidade de liderar «um governo que governará e se imporá ao caos político» no qual tinha mergulhado a Alemanha, conseguindo ainda assim manter-se «dentro das aparências constitucionais»195.

Em dezembro de 1932, ou seja, a menos de dois meses da definitiva ascensão de Hitler ao poder, parecia cimentar-se entre a imprensa portuguesa – em linha com a restante imprensa internacional e, particularmente, com a imprensa francesa – a ideia de que o nacional-socialismo estaria, de facto, numa fase de decadência que acabaria por levar à sua extinção. Era exatamente nesse sentido que seguia a análise das Novidades quando, logo a 23 de dezembro de 1932, estas decretam «a crise do hitlerismo». Para o jornal católico não parecia haver quaisquer dúvidas de que as eleições legislativas alemãs realizadas em julho de 1932, deveriam ter marcado «o apogeu do hitlerismo» que, a partir desse momento, assistira a uma «regressão […] mais vertiginosa ainda que a [sua] ascensão». A razão para esse declínio do nazismo era, para as Novidades, evidente e devia-se ao facto de Hitler não ter sabido «tirar partido do resultado alcançado» já que a este lhe faltaria a «audácia do verdadeiro chefe». Não tendo conseguido cumprir as suas promessas, o Führer assistiria agora a uma verdadeira «grande debandada dos desiludidos» daqueles que haviam deixado «de crer nos milagres do anunciado “Terceiro Reich”». Assim sendo, o diário católico português dava razão à ação política defendida por Strasser, que defende não ser «um primário como Hitler», descrevendo o dirigente nazi, que por essa altura ia entrando em rutura aberta com o líder do partido, como «a única entre as grandes figuras do hitlerismo, que tinha verdadeira visão política e procurava amoldar-se à realidade», em oposição às «arengas sem senso comum do Führer» nazi. As Novidades concluem que, da «crise grave» pela qual passava o partido nazi, mesmo assim alguma coisa dele haveria de ficar mas que seria «bem provável que a força política» que dele resistisse não viesse a ser «aproveitada […] por Hitler, mas por Strasser» que, no dia em que abandonasse «o repouso» a que se havia recolhido, «momentaneamente»196, haveria de dirigir o que ainda restasse da força política do nacional-socialismo.

O jornal do Episcopado Português volta à carga, no final do ano, sobre o movimento nazi e, especialmente, sobre o seu líder, afirmando que «Hitler está[va] em declínio».

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«O Momento Internacional. O programa oportunista do chanceler von Schleicher», in Novidades, 25.12.1932, Lisboa, p. 10.

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Depois do Führer nazi ter sido «um dos homens mais discutidos» e «mais cegamente seguidos, de todo o mundo», ele via agora «fugir de junto de si, não apenas aquela coesão partidária que o tornava respeitado e temido, mas também, muitos dos seus mais valorosos partidários» que agora debandavam. Mas, antes de mais, o nacional- socialismo afundava-se porque o povo alemão havia perdido «toda a esperança que tinha naquele homem que, dizendo-se revolucionário, comandando hostes aguerridas, esteve tanta vez à beira do triunfo sem que no entanto o conseguisse colher em louros definitivos» e, por isso mesmo, do NSDAP pouco mais ia ficando do «que os ecos das vitórias passadas...»197.

Para o Revolução, continuava a não haver qualquer dúvida de que o nacional- socialismo acabaria por triunfar. Aliás, para Rolão Preto o nazismo continuava a aparecer como uma «onda temerosa» que «galga[va] todos os quebra-mares» e ao qual «a vitória sorri[a] já». Para deixar o país germânico «lavado de norte ao sul» restava ao nacional-socialismo ultrapassar um último obstáculo. Sem se referir diretamente ao então chanceler Von Schleicher, Rolão Preto afirma a sua convicção de que esse «obstáculo feito da convenção táctica de muitos» não seria, ainda assim intransponível para as forças nazis. O líder do nacional-sindicalismo português reconhecia, no entanto, que essa última barreira seria um «obstáculo poderoso» mas que seria «incapaz de resistir se na verdade fosse atacado com a mesma coragem, com a mesma fé, com que se tinham abordado e vencido os outros», e seria a partir desta última ideia que Rolão Preto viria a demonstrar uma descrença surpreendente nas capacidades do Führer nazi. É que, para atacar os adversários tal como no passado, Hitler teria de demonstrar novamente o seu radicalismo e espírito revolucionário que para os nacional-sindicalistas portugueses sempre tinham marcado a personalidade política do líder do nacional- socialismo. Nesse sentido, Rolão Preto afirma que ninguém poderia «fazer parar a Revolução a não ser os seus...chefes», ou seja, «a não ser...Hitler», e o líder do movimento nacional-sindicalista conclui, em tom de enorme desilusão, que «foi Hitler quem a deteve!». Esta aparente desilusão com Hitler aparecia, de facto, como uma mudança significativa na interpretação que os responsáveis pelo Revolução faziam do momento político alemão. Para Rolão Preto, Hitler era agora um líder que tinha abandonado uma «Doutrina [que] estava certa», que tinha «perdido a fé na Revolução», no espírito do qual triunfariam agora o, tão combatido pelos nacional-sindicalistas,

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«bom senso», «ponderação» e «cálculo» que o levavam «como qualquer burguês» ou «como qualquer conservador», a passar agora a «equacionar o Destino...». Assim sendo, para Rolão Preto, as hesitações de Hitler apareciam agora como atitudes que tudo tinham comprometido para o seu partido. Talvez ainda «não definitivamente» já que as nações «têm em si […] a alma de todos os movimentos que fazem a sua salvação através dos tempos», mas, «ao menos por agora»198, o líder nacional-sindicalista parecia acreditar que toda a força política do nacional-socialismo teria sido desperdiçada pelo seu Führer.

Mas voltemos, por agora, à análise que os jornais portugueses iam fazendo da posição política do novo chanceler. O então diretor do República não hesitava em afirmar que Von Schleicher à frente do governo alemão representaria a «política da desforra, a política da révanche, consagrada oficialmente, sem qualquer camouflage ou qualquer rebuço [sic]» numa altura em que o Tratado de Versalhes não seria já mais do que «um morto insepulto [sic]»199. E, quanto à posição de Hitler, a apenas poucos dias da sua nomeação como chanceler, Ribeiro de Carvalho assinalava também que o líder nazi ia perdendo cada vez mais terreno graças à sua «falta [de] inteligência política» e ao facto de não ter conseguido «conduzir à vitória os milhões de homens que o rodearam». Mas se para Ribeiro de Carvalho o declínio do nacional-socialismo parecia ser um acontecimento positivo, o que o não era igualmente era o facto de ser Schleicher quem ia aproveitando esse terreno que os nazis iam perdendo. Aliás, para o diretor do

República, Von Schleicher «incarna[va] o mesmo espírito belicoso» de Hitler mas,

sendo o general «mais inteligente, mais político, mais diplomata», todas essas características o tornavam «mais perigoso»200 do que o líder nazi.

Em meados do mês de janeiro de 1933, as notícias que as agências noticiosas iam transmitindo sobre as reuniões entre Hitler e Von Papen, davam, cada vez mais, a clara perceção de que na Alemanha se ia preparando uma reviravolta política. Numa «política das surpresas», na qual os políticos iam agindo «mais em bastidores do que na praça pública», as Novidades surpreendem-se quando percebem que aquele Von Papen que tinham apelidado de «tabuleta política» de Von Schleicher tramava agora a queda deste juntamente com Hitler. Para o jornal católico português, essa aproximação entre Papen e

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PRETO, Rolão, «A doutrina e os homens», in Revolução, 30.12.1932, Lisboa, pp. 1 e 8.

199

CARVALHO, Ribeiro de, «Guerra», in República, 6.1.1933, Lisboa, p. 1.(Itálicos no original).

200

CARVALHO, Ribeiro de, «A ameaça da guerra. Alemanha, Rússia e Itália ou as três alianças que parecem inexplicáveis», in República, 7.1.1933, Lisboa, p. 1.

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os nazis não poderia ter sido prevista, nem mesmo pelo «mais fantasioso prognosticador de sucessos políticos», já que, ainda havia muito pouco tempo nazis e Papen tinham demonstrado ser «intransigentes inimigos», com os nacional-socialistas a lançar contra o estão chanceler uma «campanha de violência inaudita»201. Neste estado de coisas da política alemã, quando as notícias da demissão de Von Schleicher começam a circular entre a imprensa portuguesa, esse acontecimento já não se apresentaria, para os quatro jornais que aqui analisamos, como absolutamente imprevisível. Nesse sentido, o

Revolução, no próprio dia da demissão de Schleicher, continuava a acreditar que na

Alemanha «a maré» continuasse a ser «nacional-socialista...para não ser comunista». Aliás, para os nacional-sindicalistas «o dilema cada vez era mais nítido: ou Hitler ou o

comunismo», não entrando sequer qualquer outra figura política numa possível equação

que fosse capaz de resolver a crise alemã. Ao teimar-se em opor um «dique» ao avanço nacional-socialista não se teriam apercebido os teimosos políticos alemães que «se as manobras do homem do Centro, o cauteloso sr. Brüning» tinham sido «inúteis», agora «as manobras do general politicante [sic]» (Von Schleicher) não o poderiam ter sido menos. Portanto, esse dique não se poderia ter revelado como outra coisa senão como «um muro feito de ilusões» que agora se desmoronava «com estrondo!»202.