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Os grandes «Chefes»: entre Mussolini, Hitler e Salazar.

No documento A caminho do Estado Novo e o Terceiro Reich: a (páginas 184-200)

5. Na Hora das Ditaduras: A ditadura salazarista e a ditadura naz

5.3. Os grandes «Chefes»: entre Mussolini, Hitler e Salazar.

Vimos já como no período de 1930-33 se haviam superiorizado as fórmulas autoritárias aos modelos democráticos de organização política das sociedades europeias. Vimos, igualmente, como dentro dessa nova estruturação antiliberal de vários regimes europeus se digladiavam as duas grandes novas ideologias do século XX: comunismo e fascismo. Assim sendo, seria inevitável que dentro desses regimes autoritários se evidenciassem os homens que centralizavam em si toda a autoridade, moralidade e vontade dos Estados e Nações que agora governavam. Como bem notava Paul Lewis, «the Twentieth century has been an age of notable dictators, with powerful figures like Adolf Hitler, Joseph Stalin, and Mao Tse-tung influencing politics on a world-wide scale», mas a verdade é que «while these have attracted the most attention from political scientists, as well as the press, none of them enjoyed such longevity in power as Doctor Antonio de Oliveira Salazar, who ruled Portugal as its Premier from 5 July 1932 to 27 September 1968» (LEWIS, 1978: 623). É nesse sentido que acreditamos ser importante dar a conhecer ao leitor a forma como, os quatro jornais que aqui analisamos, viam aquelas personagens que foram sendo descritos por esses mesmos órgãos da imprensa portuguesa como os grandes «Chefes» do início dos anos 30.

Em setembro de 1930, numa altura em que o nacional-socialismo estava ainda numa fase inicial da sua ascensão, as Novidades, ao dissertarem sobre a personalidade de um ainda pouco conhecido Hitler, sublinhavam que, por essa altura, surgiam aventureiros «em toda a parte». No entanto, defendia o diário católico que, quando esses se arrogavam «destinos históricos, o ridículo e o vazio, que se faz[ia] à sua volta»89 depressa os liquidariam. Ou seja, as Novidades pareciam prever que esse «charlatão, como outro a Terra»90 ainda não teria visto, se viria a eclipsar rapidamente. Mas não

88

«Diário Internacional. A Itália fascista», in Diário da Manhã, 11.10.1933, Lisboa, p. 4.

89

L., «Crónica. Hitler», in Novidades, 22.9.1930, Lisboa, p. 2.

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eram apenas as Novidades que viam Hitler como um aventureiro político sem qualquer futuro. O República, já em março de 1932, sublinhava que Hitler seria «um perigoso aventureiro da política internacional sem a inteligência do ex-anarquista Benito Mussolini»91.

Obviamente que quem não concordava com visão a que os republicanos e católicos portugueses iam mantendo sobre Hitler eram os nacional-sindicalistas. Esses, pelo contrário, desde muito cedo que vinham prevendo a chegada da «hora de Hitler», à qual corresponderia até «uma [nova] hora europeia»92. Aliás, durante 1932 os nacional- sindicalistas pareciam demonstrar simpatia por todos os ditadores que se assumissem como tal. Desde logo, seria o próprio Rolão Preto quem, imediatamente na sequência da nomeação de Salazar como chefe de governo, afirmava desejar que o novo ditador português pudesse vir a, nessa «hora de decisivas resoluções», «encarnar todas as nossas [dos nacional-sindicalistas] esperanças, colocando-se à frente de todas as nossas reivindicações de nacionalistas e de portugueses». E, efetivamente, os nacional- sindicalistas pareciam ainda, por essa altura, acreditar que Salazar pudesse vir a ser um verdadeiro Duce ou Führer português, o que, a concretizar-se, seria «uma atitude digna do nosso entusiasmo [nacional-sindicalista]»93. Aliás, o Nacional-Sindicalismo parecia ainda depositar tantas esperanças na ação política de Salazar que levava a que no

Revolução se afirmasse que «a velha nau do Estado não poderia confiar o leme dos seus

destinos a outras mãos melhores e mais seguras do que as do piloto insigne [Salazar] que, tendo-lhe esvaziado o porão da água que a submergia», não tinha receado «arvorar, galhardamente, no topo do mastro grande, para que todos a vissem e aclamassem, a bandeira do Nacionalismo Integral Português»94.

No fundo, aquilo que os nacional-sindicalistas esperavam era que em Portugal, com a nomeação de Salazar, se tivesse descoberto um novo Mussolini ou Hitler. Isto porque, se vimos já como os homens liderados por Rolão Preto simpatizavam, desde havia muito, com a personalidade de Hitler, seria o próprio líder do Movimento quem viria a exaltar as qualidades do Duce italiano. Numa altura em que se assistia ao «desabar trágico e grotesco do velho mundo democrata e liberal» numa Europa na qual tudo seria

91

«Do panorama europeu. O que quer Hitler? – Para onde vai a Alemanha?», in República, 23.3.1932, Lisboa, p. 5.

92

PRETO, Rolão, «A Revolução Nacionalista em marcha! A hora de Hitler», in Revolução, 23.3.1932, Lisboa, p. 4.

93

PRETO, Rolão, «Alea Jacta Est...», in Revolução, 30.6.1932, Lisboa, p. 1.

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«podridão e ruínas», «essa figura de bronze grande e ousada» de Mussolini seria, para os nacional-sindicalistas, uma «consolação» já que o Duce estaria dando, «a toda a hora», «lições de energia e de virilidade» a todo o mundo. Era o próprio Rolão Preto quem o afirmava e que terminava esse seu artigo defendendo que Mussolini era «um que não abdica[va]», o que levava o líder do Nacional-Sindicalismo a concluir: «Eis um

chefe»95.

Em todo o caso, os nacional-sindicalistas acreditavam que a personalidade dos novos «chefes da revolução nacionalista em marcha por essa Europa fora» seria significativamente diferente daquela que tinha caracterizado os grandes chefes do passado. Nesse sentido, Rolão Preto fazia notar que «nem Hitler, nem Mussolini» eram «generais ou sequer bacharéis em Direito» - numa clara referência a Carmona e Salazar -, o que não impedia que atrás deles enfileirassem «todavia soldados e generais, estudantes e catedráticos». Ou seja, para Rolão Preto nem a intelectualidade nem a formação académica seriam sinónimos de uma conduta política superior àquela que aqueles menos instruídos poderiam defender e protagonizar. O recado era claramente enviado na direção de Salazar – Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra – que, por essa altura, tinha já vindo a desiludir os nacional-sindicalistas pela sua moderação. Aliás, para Rolão Preto essa «reforma do sentido de Chefe» teria aberto «novos e largos horizontes à velha Europa», já que o chefe teria deixado de ser «como dantes o Messias vago e imponderável, o manipanço germânico [sic] onde o povo» ia «espetar os pregos da sua fé...»96.

Na sua verdadeira obsessão pela figura do “Chefe”, os nacional-sindicalistas gastavam boa parte do espaço editorial do Revolução na propaganda das características que acreditavam serem indispensáveis ao condutor político do Estado e da Nação. Quem mais se encarregava dessa propaganda era o próprio Rolão Preto – desde cedo considerado pelos nacional-sindicalistas como o verdadeiro modelo de “Chefe” que deveria dirigir os destinos de Portugal – que, desde logo, defendia que «os Brünings» - entre os quais se encontraria já, certamente, o próprio Salazar – seriam «o produto dum pensamento que os duros empirismos da guerra» tinham condenado. Referia-se Rolão Preto ao conservadorismo que tanto haveria de vir a criticar na atitude política de

95

PRETO, Rolão, «Um Chefe. numa entrevista para o “Daily Express”, Mussolini afirma a liquidação da democracia e prevê uma longa série de guerras», in Revolução, 3.7.1932, Lisboa, p. 1. (Itálico no original)

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Salazar. Assim sendo, não admiraria que «os Hitlers», quando surgiam, chamassem «a si todas as aspirações sociais dos povos e todas as reivindicações económicas e nacionais» - coisa que Salazar faria também. De facto, para os nacional-sindicalistas o seu líder Rolão Preto demonstrava ser um dos “Hitlers” enquanto que Salazar ia demonstrando, cada vez mais, ser um dos “Brünings”. Como tal, também Salazar não passaria de um desses «inúteis e miseráveis entraves, que a nação acaba[ria] por varrer», e cujo principal erro estaria no facto de acreditarem ser «possível combater um exército com uma fórmula, um movimento, que chega[ria] até às profundidades da alma nacional com fantasmagorias nascidas dum espírito artificial e vão». E Rolão Preto prosseguia na sua investida contra esses «castelos que o bom senso est[aria] construindo na areia, na esperança de impedir com eles, o avanço do oceano», profetizando que «hoje um, amanhã outro», os Brünings iriam «caindo, quer eles queiram quer não, pois o Nacionalismo» seria quem viria a «escreve[r] a História» que nunca teria sido «obra do meio termo, mas sim [uma] folha dileta da audácia»97. E essa audácia, em Portugal, encontrar-se-ia somente no Nacional-Sindicalismo.

Para os nacional-sindicalistas o momento seria de definitiva sucessão dos «ídolos de barro de há uma dezena de anos» pelos novos «chefes poderosos» que «nos tronos da Europa Forte» se iam consolidando como verdadeiros baluartes da tão desejada Nova

Ordem europeia. Segundo Forjaz Trigueiros, entre esses chefes fortes da Europa

estavam «Mussolini, Hitler, Alexandre da Jugoslávia» e «Staline»98 - é curioso que, mesmo sendo abertamente anticomunistas, os nacional-sindicalistas não deixavam por isso de reconhecer que Staline estaria entre os principais ditadores daquela época. Ainda assim, obviamente que os ditadores de modelos ideológicos fascistas eram vistos pelos nacional-sindicalistas numa perspetiva claramente mais positiva do que todos aqueles que ainda preferissem resistir ao alastrar do fascismo na Europa. Note-se que Dutra Faria afirmava alegremente que Mussolini seria, já por essa altura, «mais do que um simples ditador», o Duce seria já verdadeiramente «um César». E, numa altura na qual «Hitler, não obstante as aparências» - percebia-se já que os nacional-socialistas iriam perder votos nas eleições legislativas de novembro de 1932, tal como viria, de facto, a acontecer – ia «subindo já com passo seguro os primeiros degraus do Poder»99, os

97

PRETO, Rolão, «Brüning. “Já ninguém hoje detêm a marcha vitoriosa do nacionalismo”», in Revolução, 11.7.1932, Lisboa, p. 1.

98

TRIGUEIROS, Luís de Forjaz, «Luzes novas», in Revolução, 20.8.1932, Lisboa, p. 5. (Artigo já citado)

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nacional-sindicalistas, acreditando que a Europa viria a ser varrida pelo avanço do fascismo, viam nos ditadores defensores de formas fascistas de regime o modelo a seguir.

Em outubro de 1932, parecendo inevitável que Hitler viesse a sofrer um revés eleitoral nas legislativas que se aproximavam, os nacional-sindicalistas, não abandonando o seu convicto apoio do Führer nazi, preferiam ir exaltando a qualidades políticas do chefe fascista que tinha já conseguido consolidar-se no poder. Nesse sentido, o próprio Rolão Preto afirmaria, nesse mesmo mês, que Mussolini representava o «chefe no alto e poderoso conceito que esta palavra encerra[va]». Aliás, à medida que esse novo César ia triunfando, ir-se-ia assistindo ao «milagre» de ver «o mundo transforma[r]-se e toma[r] rumo» - e esse rumo, acreditavam os nacional-sindicalistas, seria já claramente traçado por formas fascistas de governação. E, para que se não duvidasse da importância que o chefe tinha dentro de todo o sistema político de um determinado Estado, Rolão Preto terminaria este seu artigo com a conclusão de que «as nações, como grandes famílias» valeriam apenas aquilo que valessem «os seus chefes»100

No fundo, para os nacional-sindicalistas, estaríamos então numa altura na qual «a Europa está[ria] a deixar de crer nos homens de senso» para passar a desejar aqueles que proclamassem abertamente «princípios totalitários, sem transigências, sem limar de arestas»101. Percebe-se claramente que, para os apoiantes do Movimento Nacional- Sindicalista, Salazar estaria entre a primeira categoria de chefes, sendo que na segunda categoria, em Portugal, apenas se poderia encontrar o próprio Rolão Preto. Aliás, os nacional-sindicalistas aproveitavam recorrentemente as suas dissertações sobre o momento político alemão para enviar recados, mais ou menos claros, a Salazar. Depois de os nacional-sindicalistas terem identificado o ditador português com a ação política de Brüning, Abílio Pinto de Lemos viria, em novembro de 1932, a aproveitar a falência da ação governativa de Von Papen na Alemanha – Papen tinha acabado de deixar o cargo de chanceler, em 17 de novembro de 1932 – para englobar a ação política de Salazar em Portugal nesse mesmo «teimoso espírito de conservantismo [sic]»102 que teria levado Von Papen a fracassar no comando dos destinos da Alemanha.

100

PRETO, Rolão, «Um Chefe. Governar é comandar», in Revolução, 28.10.1932, Lisboa, p. 1.

101

LEMOS, Abílio Pinto de, «Política. 100%», in Revolução, 3.11.1932, Lisboa, p. 5.

102

LEMOS, Abílio Pinto de, «Comentários. Von Papen não tinha razão!», in Revolução, 19.11.1932, Lisboa, p. 5.

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As Novidades tinham uma visão significativamente diferente daquela que no

Revolução se apresentava sobre o perfil que os novos ditadores deveriam ter para que

conseguissem ter sucesso na sua prática política. Sobre esta questão, o jornal católico defendia até que «dentro do hitlerismo a obediência se pratica[va] ao avesso», ou seja, «obedecendo os chefes e mandando as massas... tal qual como nas piores aberrações anarquistas!». Obviamente que o nazismo viria a demonstrar que esta análise das

Novidades estava completamente errada – depois de Hitler subir ao poder, como já

vimos, toda a sociedade alemã viria a ser submetida a um rápido processo de sincronização de todo o tipo de opinião com o programa defendido pelos dirigentes do NSDAP. Em todo o caso, o diário católico defendia que «o que manda» não deveria impor «discricionariamente» mas sim servir, assumindo «as responsabilidades do mando e o respeito da autoridade pelos direitos e dignidade dos súbditos ou inferiores [sic]» - assim mesmo descritos, como se os direitos e dignidade desses seres inferiores lhes fossem outorgados pelos seus superiores -, já que, afinal, os ditadores deteriam a autoridade apenas para «o bem» dos seus súbditos, devendo, por isso mesmo, as ordens do ditador orientar-se no sentido do «bem colectivo» sem terem origem num «qualquer orgulhoso capricho». E nesta rebuscada retórica contra a liberdade, as Novidades chegavam até a advertir para «uma reincarnação pagã dos velhos conceitos de autoridade e de ordem» que teria nos «movimentos hitleristas» - ou seja, sem que o especificassem, para os católicos das Novidades existiriam, já por essa altura, mais do que um único movimento hitlerista – o seu expoente máximo. Chegava-se assim à conclusão de que seria «mister que a consciência católica, consciente da nobreza dos seus pregaminhos» se não deixasse «imbaír [sic]»103 por esses mesmos movimentos.

Cremos que as anteriores declarações feitas nas Novidades poderão ser vistas como uma crítica das elites jornalísticas católicas portuguesas aos nacional-sindicalistas pela sua atitude declaradamente hitlerófila. Não quer isto dizer que essas elites católicas tenham assumido uma posição de coerente denúncia do nazismo alemão, pelo contrário, como cremos ter já ficado demonstrado nos capítulos anteriores deste trabalho, a posição das Novidades relativamente a Hitler e ao seu partido seria sempre revestida de uma ambiguidade que tinha origem na prática católica de se aproximar ou distanciar de um determinado movimento, partido ou ideologia políticos segundo a proximidade que esses estivessem dispostos a assumir relativamente aos interesses da Igreja Católica. De

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qualquer forma, as Novidades não eram o único órgão da imprensa portuguesa do período a criticar a posição que os nacional-sindicalistas veiculavam através do

Revolução, muito particularmente, relativamente ao nacional-socialismo alemão – já

que quando o Nacional-Sindicalismo se dedicava a elogiar Mussolini e a sua forma de fascismo, essa crítica cessava quer nas Novidades quer no DM.

O República, por razões obviamente muito diferentes das das Novidades, criticava também o Nacional-Sindicalismo pela sua apologia de uma ideologia profundamente avessa aos princípios democráticos. Ainda assim, mesmo para quem sempre se tinha assumido crítico quanto ao fascismo italiano, a verdade é que, se Hitler tinha optado por ser «a tradução alemã de Mussolini» e se o Nacional-Sindicalismo tinha surgido, em Portugal, «com gestos e com um programa copiado da Itália», essas cópias não se teriam devido à vontade de o fascismo italiano querer ser imitado no estrangeiro. Mesmo assim, reconhecia-se que «por todo o mundo» iam medrando «sagazes e prometedores os aspirantes a Mussolini». E, quanto à razão que levava a que no Mundo se imitasse o Duce italiano, o diário republicano português reconhecia que essa estaria na «eficácia do processo fascista»104.

Apesar das críticas que eram dirigidas ao Nacional-Sindicalismo, os seus apoiantes não cessariam, por sua vez, nas críticas a um Salazar que cada vez mais se lhes apresentava como um conservador reaccionário. Essa atitude política de Salazar estaria ligada ao facto de este se ter limitado a aceitar «que outros lhe conquistassem o lugar» - e, de facto, tinham sido os militares a entregar o poder a Salazar -, sem que para tal o então ditador português tivesse dado «o seu esforço». Ou seja, para Rolão Preto, «a diferença essencial que h[avia] entre Salazar e os outros Ditadores» seria a de terem estes últimos – e, não se especificando quais eram esses ditadores não será difícil de se perceber que Rolão Preto se referia em particular a Mussolini e, até mesmo a Hitler que por essa altura estava a cerca de um mês de subir definitivamente ao poder na Alemanha – conquistado «eles [mesmos] o poder»105, enquanto Salazar se tinha limitado a esperar que outros fossem percorrendo esse caminho por si. Mas o líder do Movimento Nacional-Sindicalista continuava explicando «as diferenças essenciais a notar entre os Ditadores» que se consideravam «eleitos pela Revolução e que dela» seriam «os seus

104

PAMPULHA, Fernando, «Com vista Ao Nacional-Sindicalismo. A expansão fascista e o Italianismo do seu meio», in República, 17.12.1932, Lisboa, p. 4.

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órgãos naturais, e aqueles que como Salazar» se colocavam «apenas na posição de aceitar a Revolução, procurando servir dentro dela lealmente e serenamente como se fora dela fosse [sic]»106. No fundo, para Rolão Preto, a Salazar faltaria o entusiasmo revolucionário que os nacional-sindicalistas tanto apreciavam no fascismo. Para essa falta de entusiasmo revolucionário do ditador português muito contribuiria o facto de ele ser «um “técnico”», o que faria com que tivesse «um modo de ver muito particular» e «um ponto de vista limitado» que o impediriam até mesmo de «conhecer o interesse geral do país»107 - justamente aquilo de que Salazar sempre se viria a assumir como principal intérprete e defensor.

Tínhamos já entrado no ano de 1933, ou seja, no ano em que o salazarismo apertaria o cerco ao Nacional-Sindicalismo levando à cisão do Movimento, num primeiro momento, e forçando a extinção de tudo o que dele subsistisse fora das estruturas de controlo salazaristas. Como que prevendo a perseguição salazarista, Rolão Preto ia já antes denunciando a falta de audácia política de Salazar. Para o aspirante nacional- sindicalista a ditador português, Salazar seria daqueles homens que, tendo «nas suas mãos as chaves do Destino […] não ousa[va] logo abrir-lhe a porta porque teme[ria] o imprevisto» e teria «medo de se deslumbrar diante da grandeza gloriosa que ela esconde». A alguém que demonstrava essa falta de coragem política, provavelmente, chamar-lhe-iam «prudente os contemporâneos», mas a História reservar-lhe-ia «porém um julgamento implacável»108. Mas a verdade é que era a sentença final do Nacional- Sindicalismo que rapidamente se aproximava, enquanto que o salazarismo viria a impedir qualquer tipo de avaliação do ditador português durante mais de 40 anos.

Com estas declarações de clara rutura entre o salazarismo e o Nacional-Sindicalismo, abria-se então um período de debate em volta da figura de Salazar, com os seus apoiantes de um lado e os apoiantes de Rolão Preto do outro. E enquanto Rolão Preto afirmava abertamente que «Salazar não est[ava] dentro da Revolução, não comunga[ndo] nas suas ideias fundamentais»109, no DM, seria António de Sousa Gomes quem se encarregaria, de imediato, de defender as qualidades políticas de Salazar. Para o então diretor do DM, Salazar seria um daqueles «grandes homens de Estado» que,

106 PRETO, Rolão, «Salazar. Revolução e “experiência”», in Revolução, 2.1.1933, Lisboa, p. 1. 107

PRETO, Rolão, «Salazar. Capacidade política e tecnicidade – João Franco e Salazar – A ingratidão dos povos – Como se conduzem os homens», in Revolução, 3.1.1933, Lisboa, p. 1.

108

PRETO, Rolão, «A doutrina e os homens», in Revolução, 30.12.1932, Lisboa, p. 8. (Itálicos no original)

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«dotados de excepcionais qualidades», seriam «levados a aplicar a sua superior inteligência, a sua vontade, a sua competência» e «as suas qualidades de trabalho à arrumação do meio social»110 em que surgiam. Ora, se tivermos em conta que o próprio Rolão Preto viria a defender que «governar porém em Ditadura» seria «comandar» e «impor discricionariamente a sua vontade ou a vontade dum povo, aos outros homens»,

No documento A caminho do Estado Novo e o Terceiro Reich: a (páginas 184-200)