• Nenhum resultado encontrado

homem de cerca de 30 anos, resume a sua posição face ao lobolo da seguinte maneira:

Relações entre famílias

E, homem de cerca de 30 anos, resume a sua posição face ao lobolo da seguinte maneira:

O lobolo é uma tradição da família importante, fiquei muito triste por não fazer. Gostava de fazer, porque é tradição, só por isso. É obrigado a fazer. Se não faz lobolo, às vezes acontecem problemas, as coisas não andam bem. Tinha de fazer, a obrigação de fazer. Eles [a família da mulher] não querem saber e põem o lobolo muito caro. Tudo eles é que decidem. A família dela não fez problemas em ela ir para Inhambane sem lobolo, como a vida aqui não consigo…

O aumento (relativo)103 do custo desta prestação matrimonial reflecte, simultaneamente,

a crise social e económica e as contradições internas das estratégias de reprodução social.

102 Segundo a mãe de J (80 anos), as regras do lobolo eram as seguintes: ―Primeiro havia a

apresentação, o moço vai para casa dos pais da moça com algum dinheiro, como forma de agradecer ela ter nascido; depois a família da moça faz uma carta e pede tudo, a seguir a família [do noivo] responde, mas pode dizer que não tem aquele dinheiro todo, e a família dela pode não exigir mais do que aquilo que eles têm […]. O anelamento é nome que se dá agora, dantes era lobolo. E é quando o noivo e a família dele levam as coisas para a família dela. Quando termina a cerimónia, a família dele volta e o noivo fica em casa da noiva. Fica uns dias, uma semana, depois há um grupo de moças, em casa da noiva, que acompanham os noivos para casa da família dele e ela fica lá e prontos! […] Depende da pessoa, se a pessoa tiver condições pode fazer tudo no mesmo ano, não tem um tempo. […] o meu marido seguiu todas as regras e o senhor J fez tudo isto com a G [primeira mulher] mas só que não foi ele que fez, porque ele estava em Maputo, quem fez foi um primo no lugar dele. As [segunda e terceira mulheres de J] foi à maneira que se costuma usar agora, mudou um bocado.‖

103 É difícil fazer uma análise ―objectiva‖ da evolução do ―custo‖ do lobolo. Primeiro, porque se

trata de uma prestação matrimonial que envolve um sistema de trocas complexo onde a ―lógica da dádiva‖ se articula com a ―lógica de mercado‖. Coexistem, por conseguinte, valores simbólicos

Aparentemente, o aumento do custo do lobolo não é do interesse de nenhuma das partes: os rapazes querem cumprir a obrigação e não têm meios suficientes; as raparigas sentem que se se ―juntarem‖ sem lobolo não estão casadas; a família destas sabe que, se exigir muito dinheiro, o noivo (e a família deste) não o pode pagar e que arrisca, por isso, a que este e a sua filha vivam maritalmente, podendo esta ser aban- donada com mais facilidade do que aconteceria se fosse lobolada; a família do noivo, por sua vez, se o preço for excessivo, não tem os meios para o ajudar a cumprir com esta obrigação. Mas ―a vida está cara‖, e muitos dos actores sociais disseram que o valor monetário do lobolo era calculado em função das despesas que haviam tido com a educação da filha. Consideram, também, que o dinheiro que assim vão receber pode contribuir para fazer face a outras despesas essenciais (por exemplo, ajudar um filho a pagar o lobolo que outra família exige). Por isso, correndo o risco, escrevem a carta onde as exigências ficam expressas e esperam que, eventualmente, o rapaz e a família deste façam os sacrifícios necessários para as poder cumprir, se não totalmente, pelo menos parcialmente e, possivelmente, ao longo do tempo.

De qualquer forma, quando questionados sobre as causas do encarecimento do lobolo, alguns membros das famílias responderam que ―não era bem assim‖, que ―dependia da família‖. Quando se perguntou se esse valor era atribuído em função do poder económico das respectivas famílias, ou se, porventura, quando esse valor era elevado, isso seria estratégia dos pais para impedir que a sua filha se casasse com aquele rapaz, obtivemos, entre outras, as seguintes respostas:

Eles não podem pedir dinheiro exagerado por um lobolo para impedir um casamento, pois o rapaz pode mesmo arranjá-lo e se houver divórcio eles têm de devolver e não têm dinheiro para isso. […] Há uns que guardam o dinheiro do lobolo para futuros lobolos, outros não guardam, gastam. […] Cada família pede dinheiro diferente, cada família tem o seu preço (JP).

Lobolo é importante, é nossa tradição, […] é costume os pais ajudarem os filhos. […] Se der sorte vou receber o lobolo das filhas, senão, olha, paciência. […] Não é igual o que se pede nas famílias, depende da casa, depende do pensar e não da riqueza das famílias. Como eu não penso que dinheiro de lobolo deve ser muito, porque o lobolo é maneira de unir a família com aquela gente. Quando as meninas

e monetários. Segundo, porque no passado envolvia bens de prestígio com valor simbólico (vacas) mas aos quais não era estranho o valor material. Actualmente, muitos dos bens transaccionados (roupa, anel e dinheiro) ainda conservam essa conotação. Finalmente, porque o que importa aferir não é o valor monetário dos bens transaccionados, mas sim as possibilidades (facilidades) que os rapazes e as famílias têm de os adquirir — e estas talvez fossem maiores no passado.

pedem muito dinheiro faz uma cabeça, o que não é bom para o rapaz. Depois faz de qualquer maneira. Aí é que não está nada bem a nossa vida, aí ainda não conseguimos (V, mulher de cerca de 60 anos).

No entanto, existe todo um discurso a propósito do lobolo, da emancipação da mulher e das mudanças ocorridas desde a independência que muitas das mulheres moçam- bicanas politizadas repetem (com maior ou menor convicção). A propósito deste assunto, transcrevemos algumas das palavras da secretária da OMM no Bairro de Hulene B:

Porque a mulher, antes, ela estava muito fechada […] eu caso, vou viver com aquela família definitivamente porque me lobolaram […] e a mulher era como tipo mão-de-obra […] mulher não tinha mesmo palavra para falar nada […] a mulher estava bem fechadinha mesmo, não tinha nada […]. Depois a Frelimo, com a independência, então deu a liberdade à mulher. A mulher começou a explicar, porque a mulher também é uma pessoa como outra. […] A mulher tem direito de falar, tem direito de trabalhar como homem, tem todos os direitos iguais aos do homem. Só que a diferença deve haver porque da mulher nasce bebé […]. Uma mulher pode ser directora, pode ser trabalhadora e assim começámos a mobilizar […]. Agora nas fábricas a mulher consegue ser uma directora de uma empresa, directora de uma escola, dum hospital, a mulher agora tem o direito de ir à escola. Porque naquele tempo a mulher estava limitada. Mas agora mudou muito […], é essa a diferença que vejo de 74 para 99.

Mas qual é a verdadeira situação da mulher moçambicana em meio urbano? Será que o facto de muitas delas realizarem actividades que lhes permitem ter acesso a rendi- mentos monetários significa para elas uma importante mudança face ao papel que desempenhavam no seio das famílias? Significará este facto uma transformação nas relações de género, com acréscimo de autonomia e poder e decréscimo da desigual- dade face aos homens? Será que existe uma valorização no estatuto da mulher urbana face à mulher rural? Ou da mulher de 1999 face à mulher de 1974? Será que a mulher actualmente sente efectivamente uma partilha das responsabilidades domésticas assu- midas pelo homem? Terá mais acesso às esferas ―tradicionalmente‖ dominadas pelos homens? Será que muitas das mulheres da periferia de Maputo se encontram nas situações referidas pela entrevistada, de directoras de escolas, de hospitais, de empre- sas, ou professoras?

Como adiante poderemos verificar, estas mudanças constituem processos multifa- cetados que têm de ser analisados de forma inter-relacionada. O facto de a mulher

desenvolver actividades geradoras de rendimentos não significa por si só uma valo- rização no seu estatuto. Esta valorização só ocorre quando é reconhecida socialmente dentro do contexto em que se efectiva e o papel da mulher em meio urbano africano, e não apenas em África, está muito condicionado por uma sociedade onde predominam actualmente, como no passado, as relações assimétricas de género. Perante esta reali- dade, e perante um contexto complexo onde se articulam uma pluralidade de lógicas e onde os graus e os níveis possíveis de combinação são imensos, importa que a mulher articule e conjugue habilmente as suas estratégias face às possíveis alternativas, de modo a conseguir não ser ainda mais penalizada em todo o processo. No último capítulo retomaremos este tema e analisaremos com alguma profundidade as activi- dades geradoras de rendimentos e produtos realizadas por mulheres em articulação com as relações de género e as suas vidas familiares.

7