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1.4 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, FATORES RELACIONADOS COM

1.5.1 O Homem e a Sociedade

Ao referirmos a palavra sociedade, o termo é facilmente compreendido por quem o escuta. No entanto, o que realmente significa a palavra para nós e um interlocutor?

Nós fazemos parte da sociedade, portanto um conjunto de pessoas reunidas constitui uma sociedade. Entretanto um conjunto de pessoas que vivem no interior do Amazonas constitui um tipo de sociedade diferente da encontrada em Paris. Ou, a sociedade composta pelas pessoas que viviam em nosso estado há cem anos é diferente da encontrada atualmente. Podemos afirmar que esse conjunto diferente de pessoas reunidas, em épocas distintas, constituía e constitui a sociedade, embora as mudanças ocorridas entre esses dois períodos

não possam ser creditadas a um indivíduo ou a uma ação deliberada de um grupo de indivíduos.

Isso nos leva a uma reflexão, como a proposta por Elias (1994, p.13), que questiona sobre “que tipo de formação é essa, a sociedade que compomos em conjunto, que não foi

pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos?”

Muitas pessoas entendem, ao olhar retrospectivamente nossa história, que a mesma foi concebida e criada por um conjunto de pessoas de modo deliberado.

Outro pensamento exclui as pessoas deste processo sócio-histórico, estando a sociedade acima dos indivíduos, sendo sua ascensão e declínio algo inevitável.

Isso nos leva a um impasse: ou consideramos a sociedade o objetivo final e o indivíduo somente um meio; ou então o indivíduo é o objetivo final e a sociedade na qual vivemos é um meio para atingir seu bem-estar. Para superarmos esse impasse, tornam-se necessárias algumas considerações.

O ser humano, ao nascer, para sua sobrevivência, tem de ser criado por outros que o antecederam, criando uma cadeia ininterrupta de pais e filhos, mediadores e mediados, sendo que os últimos se tornarão pais, mediadores, e terão seus próprios filhos, mediados, e assim sucessivamente. Portanto, qualquer indivíduo nasce em um grupo de pessoas que já existia antes dele e vai amadurecendo nesse grupo cultural e social.

Portanto, a criança que surge no mundo vai ser educada por outro ser humano e viver em contato com outras pessoas para se tornar adulto. O modo como esta educação se inicia é assim descrito por Fullat (1995, p. 45):

A relação educacional se inicia entre a natureza – o cérebro do recém-nascido – e a sociedade, formada pelas instituições, as tecnologias e a cultura. Um cérebro individual – e também pequeno – vai moldando-se por obra dos representantes das

instituições – pais, professores, sacerdotes, políticos, jornalistas, artistas... -, segundo os modelos culturais - científicos, ideológicos, utópicos, normativos... – vigentes na sociedade onde se nasce e valendo-se de técnicas adequadas. Educar é, para começar, perder a individualidade em parte para adaptar-se ao meio ambiente sociológico.

A direção que essa criança seguirá para ser adulto e ter uma individualidade, necessariamente, não passa por um único caminho, como o de uma planta que evolui sempre da mesma maneira, a partir da semente, mas com a assimilação de modelos sociais preexistentes, o recém-nascido, que veio dotado de instintos que lhe são próprios e não cópia de outro, muda. A maneira como esses instintos e afetos vão orientá-lo em direção a outras pessoas, como serão correspondidos e satisfeitos pelos outros, dependerá do modo de relacionamento contínuo com as outras pessoas e de como elas se relacionam com o bebê.

Com base nessa troca de relacionamentos, a criança desenvolverá o seu próprio complexo autocontrole psíquico, o qual a diferenciará, como ser humano, de outros seres vivos.

A assimilação dos modelos sociais preexistentes, associada à moldagem das funções psíquicas complexas, tornará esse homem diferente do animal.

Assim, a maneira como as características maleáveis da criança se cristalizam gradativamente para formar o adulto, não depende somente de sua constituição, mas, principalmente, do modo como se dão as relações entre ela e as outras pessoas. Essas relações são indissociáveis da condição humana.

A esse respeito, Elias (1994, p. 23) assim se expressa:

Cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não

menos fortes. E é essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos sociedade.

Essas relações, se observarmos, por exemplo, duas pessoas de um mesmo grupo e suas histórias individuais, nunca serão idênticas, dando margem a uma grande gama de individualidades. Cada uma partirá de uma situação única em sua rede de relações e terá uma história singular, até a sua morte, por mais que, digamos, a sociedade seja ou trate pessoas de forma igual ou o indivíduo seja igual a outro, como o caso de gêmeos.

Essa ação reveladora do novo, através da palavra e do discurso, propiciará revelar nossa única e singular identidade, possibilitando, conforme Bárcena e Mèlich (2000, p. 67), “um cenário de pluralidade, isto é, de igualdade e distinção entre os homens”.

Assim, temos a ação ligada ao novo ou à natalidade, ao discurso e à presença dos outros seres humanos. A esse respeito, em sua obra La Condición Humana, Arendt (1993) faz uma distinção entre a ação e o trabalho. Enquanto o trabalho relaciona-se com o processo de fabricação de objetos que se encerra quando se atinge o objetivo, ou seja, com a conclusão dos mesmos, a ação está relacionada com o surgimento de algo novo, que estavaaquém do previsto. Portanto, a sociedade, além de produzir o semelhante e o típico, também produz o individual e único.Com isso, podemos incluir a historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta, para a compreensão do que é a sociedade.

As diversas funções dentro da sociedade são divididas entre as pessoas, fato esse que ocorre desde as sociedades mais simples até as mais complexas. A existência social dos indivíduos situa-se na realização dessas funções. Isso faz com que em cada sociedade existam limites estabelecidos em relação ao comportamento do indivíduo. O comportamento do indivíduo, em relação aos demais indivíduos e ao meio no qual vive, é regulado por um conjunto de regras, preexistentes a esse novo homem que surge.

Conforme Aranha (1993, p. 274), “a passagem do reino animal ao reino humano, ou

seja, a passagem da natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei”. Portanto, temos

uma moral constituída que norteará o comportamento das pessoas por meio de normas.

O agir fora desses limites levará à desaprovação dos demais membros da sociedade e até a punições. Assim, o indivíduo, ao dirigir seu próprio autocontrole, para este seu agir dentro de um modelo, mostra o quanto é difícil a ele mesmo chegar ao equilíbrio de, ao mesmo tempo, ser como os demais em alguns aspectos, e diferente, singular, em outros.

Essa dificuldade faz com que uma pequena minoria, na luta pelo destaque, consiga conquistar algo excepcional, deixando uma grande maioria, à medida que vai envelhecendo, aquém das aspirações da sua juventude.

A vida harmoniosa das pessoas em sociedade só ocorrerá quando as necessidades e metas socialmente estabelecidas conseguirem chegar a um alto nível de realização. Nas sociedades industrializadas, na prática, não se avança nessa direção, havendo conflitos, renúncias ou fracassos, gerando, seja em nível individual, em grupo ou em nações interdependentes, tensões. São essas tensões que impulsionarão para mudanças estruturais na sociedade.

Portanto, a mudança não tem origem nos indivíduos isolados, mas na estrutura da vida conjunta, com muitos indivíduos. O que se modificou foi o ambiente, que é comum a diversas pessoas, ou seja, a estrutura da sociedade se deslocou para uma direção determinada.

Com isso, podemos superar o impasse antes colocado e entender que as transformações sociais não são sempre fruto isolado da vontade individual de uma pessoa ou de um grupo de pessoas.

A partir desse apanhado teórico, que visou fundamentar o entendimento da relação entre a sociedade e o homem, podemos agora analisar as mudanças estruturais que estão ocorrendo, hoje, em nosso mundo e como elas afetam o ser humano e a Educação em geral.