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1.4 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, FATORES RELACIONADOS COM

1.4.4 A Razão Científica: Seus Conflitos E Sua Influência Sobre O Mundo

A ciência tem uma história relativamente recente. A partir de Copérnico, passando por Galileu e Newton, por exemplo, foram criadas as condições para deixar de lado a pretensão metafísica do conhecimento e guiar-se por um procedimento mais específico e experimental e, principalmente, quantitativo.

Ao deixar de lado as buscas de um conhecimento transcendental, apoiou-se na matematização, abstraindo as características sensíveis da realidade e reduzindo os fenômenos a equações e fórmulas. É fundamentalmente operativa, ou seja, busca o conhecimento para poder intervir na natureza. Portanto, busca o conhecimento de modo sistemático e seguro dos fenômenos do mundo. Para isso, usa o método científico, através do qual os cientistas conduzem suas atividades de pesquisa, por meio de uma estrutura lógica, executada em etapas e que visa à solução de um problema natural.

Observando fenômenos regulares, a ciência procura tirar conclusões gerais que possam ser aplicadas a todos os fenômenos semelhantes ao estudado, formulando as leis científicas. Essas leis, por sua vez, fazem parte de uma teoria científica. A função fundamental das leis científicas e das teorias é explicar e prever os fenômenos.

A partir do fim do século XIX e início do século XX, o avanço da ciência nos levou a uma série de descobertas, que abalaram diversas teorias tidas como certezas absolutas. Como exemplos dessas transformações, podemos citar, no campo da Matemática, os novos modelos de Geometria que abalaram a clássica Geometria Euclidiana, e no campo da Física, as descobertas da Física Quântica e da Teoria da Relatividade, que comprometeram o mecanismo da Física Clássica Newtoniana. Essas descobertas que abalaram antigas certezas fizeram surgir dúvidas e a necessidade de revisão dos critérios de verdade e em relação à validade dos métodos e teorias científicas.

Assim, Karl Popper (apud COTRIM, 2000, p. 248) propôs que a única possibilidade na ciência seria o critério da não-refutabilidade ou da falseabilidade. Com isso, uma teoria seria aceita como verdadeira até o momento em que fosse mostrada sua falsidade e, portanto, refutada. Isso nos levava à transitoriedade em relação à validade das teorias.

Em Thomas Kuhn (2000), temos a visão de ciência não como um processo evolutivo linear, mas que se desenvolve em cima da superação de paradigmas que se chocam entre si.

Para Kuhn (2000, p. 30), o paradigma está ligado “a realizações suficientemente sem

precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de atividades científicas dissimilares”.

Os paradigmas fornecerão as teorias e indicarão os fenômenos a serem investigados, constituindo-se na ciência normal. Colocar em discussão novas espécies de fenômenos não

oferecidos pelo paradigma não chega a ser o objetivo da ciência normal. Para Kuhn (2000, p.45), “a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles fenômenos e

teorias já fornecidos pelo paradigma”.

A resolução dos problemas da pesquisa normal desenvolve-se como a busca de solução para a montagem de um quebra-cabeças, para a qual o cientista é desafiado. Os problemas propostos por esse quebra-cabeças serão os únicos a serem considerados como científicos. O paradigma não é testado desde que a resolução do quebra-cabeças se dê adequadamente. O fracasso na resolução do quebra-cabeças dará origem à crise do paradigma e à procura de outro paradigma que o substitua.

Um cientista, ao deixar de praticar a ciência proposta por um paradigma, abandonando-o, estará propiciando o início das revoluções científicas. Isso não significa um abandono puro do paradigma, mas a perspectiva de atuar em outro, que passará a substituí-lo, e no qual outros cientistas também atuarão. Em outras palavras, significa que o paradigma existente tornou-se insuficiente para dar respostas às questões propostas.

Com isso, teremos dois grupos de cientistas abrigados por paradigmas diferentes, que se confrontarão, e além da discussão de natureza exclusivamente científica, também a persuasão de argumentação será importante para o predomínio de um ou outro.

A mudança de atuação paradigmática trará uma mudança de visão de mundo do cientista. Em relação a isso Kuhn (2000, p.148) afirma:

[...] somos levados a suspeitar de que alguma coisa semelhante a um paradigma é um pré-requisito para a própria percepção. O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver.

A ciência, como vimos até agora, busca tornar o mundo compreensível. Essa visão positiva da ciência de que o homem domina a natureza, compreendendo-a, pode ser contraposta pela possibilidade de controle sobre a mesma, implicando uma relação de poder. Com essa visão negativa de ciência e a necessidade constante de crescimento do conhecimento, propiciou-se um predomínio tecnológico no mundo e com comprometimento dos valores humanos.

Isso nos leva a uma reflexão acerca da ciência, suas pretensões, seu sentido e valor para a vida humana e a Educação.

O paradigma industrial, baseado na racionalidade científica, determinou o modo de viver de nossa sociedade. Fundamentou nossa sociedade, caracterizando-a pela crença no progresso material advindo do desenvolvimento de modelos tecnológicos e econômicos.

O predomínio dos valores econômicos tem como um de seus principais objetivos o aumento do consumo, para atender exigências do desenvolvimento tecnológico e industrial, determinado pela contínua produção de bens.

Para Bertrand (1994, p. 89), “num contexto deste tipo, os homens tornam-se elementos

reificados do processo de produção, ou seja, são considerados como um componente dos fatores de produção”.

Sendo os valores econômicos os predominantes e estando o homem inserido no sistema de produção, tudo é medido pela acumulação de bens, conquistados através da competição entre os homens. A acumulação serve para investir no aumento da própria produção, visando otimizar o lucro.

Para que o paradigma possa se concretizar e não ser contestado, deve produzir um saber predeterminado, apresentado pelo técnico como verdade absoluta, não-contestável.

Mostra a ciência e o conhecimento científico como hegemônicos, e seus seguidores também passam a pensar assim, oficializando a sociedade industrial. Isso coloca as pessoas como produtores da economia e consumistas. As decisões são hierarquizadas e uma minoria decide pela maioria.

Sob o prisma desse paradigma, observador e observado ficaram dissociados. Isso leva a uma oposição entre objetividade e subjetividade, valorizando o conhecimento quantificável. Alguns saberes são mais valorizados e o conhecimento é separado em disciplinas.

Conforme Morin (2000a), uma das questões mais desafiadoras da educação do futuro está relacionada com a formação do aluno associada ao repensar do conhecimento. Paradoxalmente, o avanço da ciência direcionou a construção dos saberes para a especialização, ao mesmo tempo que possibilitou vivermos uma realidade cada vez mais global ou polidisciplinar.

Para Morin, a nossa civilização privilegiou a separação e a análise como elementos essenciais na construção do conhecimento, em detrimento da ligação e da síntese. A especialização fragmentou os contextos, as globalidades e as complexidades. Nas ciências disciplinares, os problemas fundamentais e os problemas globais estão ausentes.

Elias (1994, p. 159) assim se expressa a esse respeito:

A divisão das disciplinas acadêmicas, a orientação preponderante da biologia e da ciência médica para o organismo visto em isolamento e para as estruturas orgânicas específicas das espécies têm levado a uma lastimável confusão na tradição lingüística e intelectual. Isto dá a impressão de que o organismo singular funciona como um modelo do que se entende por indivíduo. Isso, o organismo isolado, considera-se como real. A vida comunitária das pessoas, sua sociedade, suas estruturas e processos afiguram-se, em contraste, como não sendo dados pela natureza e, portanto, não sendo efetivamente reais.

O ser humano, fica implícito, seria capaz de se sair perfeitamente bem se vivesse sempre sozinho, sem companhia, como um organismo singular. É assim que a maioria dos biólogos o visualiza, da mesma forma que os paleontólogos em suas descobertas de esqueletos. Deste modo, a especialização acadêmica contribui para construir um arcabouço conceitual inadequado, para postular a natureza e a sociedade como opostas.

É preciso resgatar um modo de pensar a integração do conhecimento, possibilitando a articulação dos saberes compartimentados. Os alunos formados pelas disciplinas perdem a capacidade de contextualizar os saberes, ou seja, de apreender o que é complexo.

Especificamente, Morin (2000a, p. 16) assim se manifesta:

Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida e não atrofiada.

De um lado, a cultura científica tornou-se hegemônica e portadora de todas as soluções para os problemas do homem. No entanto eliminou o próprio homem do contexto global na medida em que o mundo se reduziu somente aos elementos quantificáveis. A complexidade do homem, construída ao longo de seu processo de humanização, manifesta através das inter- relações humanas, de seus sentimentos e da cultura, ficou relegada a um segundo plano.

Para Morin (2000b), uma Educação que acabe com a disjunção entre essas duas culturas contribuirá para responder aos desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial. Para acabar com a separação entre essas duas culturas, é necessária uma reflexão sobre essas culturas que propicie a visão especializada somente a partir de uma visão do contexto global, pois a aptidão para resolver problemas especializados será maior se entendermos o todo.

Um dos grandes desafios do futuro da Educação na busca da complexidade será o de fazer o sujeito que aprende, além de construir a verdade, ter capacidade de questionar esta mesma verdade. Para Morin (2000b, p. 19), “todo o conhecimento comporta o risco do erro e

da ilusão e a educação do futuro deve enfrentar o problema da dupla face do erro e da ilusão”.

As considerações deste capítulo nos conduzem a um questionamento relacionado com a questão da construção do conhecimento, associado a um determinado tipo de sociedade e de sua relação com o desenvolvimento da pessoa humana, o que nos levará a algumas reflexões, no capítulo seguinte, acerca dainteração entre o homem e a sociedade e suas conseqüências para a Educação.

1.5 REFLEXÕES SOBRE A INTERAÇÃO ENTRE O HOMEM E A SOCIEDADE E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO

A modernidade moldou um tipo de homem e sociedade que teve influência decisiva em todos os setores da vida humana.

Esse estilo de vida, que influenciou a organização de nossa sociedade, a partir da Europa se disseminou pelo mundo, tornando sua influência quase que total no planeta.

Se tomarmos como exemplo o período da Revolução Industrial, este nos mostra o início de uma enorme gama de transformações sociais. As antigas oficinas dos artesãos foram substituídas pelas fábricas e novas máquinas. Novas fontes de energia, como o carvão, a eletricidade e o petróleo passaram a ser utilizadas. Inúmeras inovações tecnológicas incorporaram-se ao cotidiano do homem, como o trem, o telégrafo, o telefone, o rádio, entre outros, influenciando e criando novas formas de relações humanas.

O paradigma industrial determinou o atual modo de viver de nossa sociedade, influenciando nossa forma de pensar, de perceber e até nossos valores morais.

Esse paradigma, conforme Bertrand e Valois (1994, p.85), “caracteriza-se pela

aplicação da racionalidade científica às atividades humanas e pela crença no progresso material”.

A felicidade é vista como resultado do sucesso do empreendimento pessoal e da visão utilitária da natureza. A pessoa é vista como parte da cadeia de produção econômica, devendo se adequar às regras do paradigma dominante.

Uma vez que a concepção de Educação está centrada na transmissão e aquisição de conhecimentos, tende a valorizar a inteligência da pessoa em detrimento de suas capacidades físicas e manuais. Gera, portanto, uma divisão social do trabalho: de um lado, o trabalhador intelectual, e do outro, o trabalhador manual. A Pedagogia é, até então, do tipo mecanicista ou industrial, que pretende dar aos alunos os instrumentos para participarem da sociedade industrial. Surgiu para satisfazer uma exigência educacional que a família, a religião ou a comunidade não podiam dar. A música, a pintura e as demais artes não fazem parte dessa escola, assim como as dimensões da vida relacionadas à afetividade, imaginação, misticismo, solidariedade. O aluno deve aprender para funcionar na sociedade industrial.

A tradição deixa de ter importância decisiva no comportamento das pessoas. A moral, aqui tomada não só no sentido de valores, mas também de hábitos, sofre uma crise, a partir do momento em que não consegue legitimar respostas às perguntas do porquê. Existem respostas, mas não legitimidade nas mesmas. O excesso de soluções leva à angústia e à necessidade de encontrarmos novos critérios morais e novos instrumentos de socialização. O sistema educativo recebe as críticas da sociedade, por não dar uma resposta a essas questões

morais. No entanto, o sistema educativo e o professor estão amarrados ao discurso científico da ciência, que avaliza os conhecimentos transmitidos pela escola.

A esse respeito, Subirats (2000, p. 201) assim se expressa:

[...] até agora, os discursos sobre valores ocupam um espaço relativamente marginal entre as preparações dos professores: O predomínio dos currículos tradicionais e a própria preocupação dos professores, focalizada mais nos conteúdos do que nos valores, tornam muito difícil a introdução de outro tipo de metas que representem uma mudança de 180º em relação à orientação educativa dos últimos cinqüenta anos. As críticas ao sistema baseado no paradigma industrial nos levam a uma crise, prenúncio de novas transformações e desafios, fazendo com que busquemos novas reflexões sobre o homem, a sociedade e a Educação.

Vista por muitos como apocalíptica, esta crise não é um fato inédito de nosso momento histórico. As transformações sociais sempre existiram, e para que possamos compreender melhor a crise atual e sua relação com a Educação, torna-se oportuno, inicialmente, uma reflexão sobre a relação do homem com a sociedade.