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Homens cuidadores: uma opção ou uma ausência de cuidados da mulher?

2.2 Olhares sobre homens e masculinidades nos cuidados: a perspectiva profissional

2.2.4 Homens cuidadores: uma opção ou uma ausência de cuidados da mulher?

Outra tensão observada no campo através das entrevistas com os profissionais é a da relação de cuidados exercida pelos homens estarem diretamente vinculada (ou não) a ausência de cuidados das mulheres. Enquanto algumas profissionais afirmam que, de fato, na maioria dos casos, os homens passam a exercer cuidado pela opção de não cuidado das mulheres, há

79 outras profissionais que acreditam que os cuidados masculinos podem ser sim, uma opção. Segundo a assistente social da creche:

O fato do pai cuidar não necessariamente é devido ao descuidado (sic) da mãe, acho que essa mãe trabalha muito, tem uma jornada de trabalho muito grande e ele assumiu essa função, parece que é um acordo entre eles. Acaba que você não pensa que é uma função de compartilhar responsabilidades e que o pai faz isso e que faz isso bem, por opção. Acho que isso é porque é uma coisa que a gente não está acostumada a ver e se a gente não conhece a família, a gente logo se pergunta: será que tem mãe? Será que a mãe cuida direito? Será que o pai assumiu essa função porque a mãe não cuida direito?Acho que é uma coisa que a gente tem que desconstruir profissionalmente e pessoalmente também (fala da assistente social).

Seguindo esta reflexão, a diretora da escola apresenta outra visão. Para ela, na maioria dos casos quando o pai assume os cuidados, principalmente nos casos de monoparentalidade masculina, ele culpabiliza a mulher pela ausência dela. Inversamente proporcional, o cuidado masculino estaria associado ao descuido da mulher: homens cuidam mais quando mulheres cuidam menos.

Os homens cuidam, fazem, eles gostam de cuidar, mas eles sempre culpabilizam a mulher. Não é um olhar de que eles estão fazendo aquilo por opção, mas “estou fazendo porque a mãe não cuida”. Acho que não chega a ser uma opção. Eles fazem muito bem (cuidam), mas sempre que podem eles “alfinetam” a mulher “não porque a mãe não lê a agenda, porque a mãe não faz isso, não faz aquilo”. E na verdade eles estão fazendo a mesma coisa que a mulher faz quando o homem não participa (fala da diretora).

Eu acho que o cuidado deve ser dividido, mas se eu falar para você que isso é uma coisa universal eu acho que não. Até por causa da cultura, que a mulher que tem que ser a provedora do cuidado, que se ela não cuidar é relaxada, ou se o pai que toma aquilo para ele é porque ela não quer saber, muitas vezes o cuidado não é repassado para o pai da forma como deveria (fala da técnica de enfermagem).

A diretora da escola observa ainda que quando os homens resolvem cuidar eles procuram deixar claro que estão “abrindo mão de alguma coisa”. Isto é, o cuidado se apresenta para eles como um “fardo”, o que não ocorre com frequencia nos discursos das mulheres. Assim, mesmo que os cuidados tenham um peso para as mulheres estas e as profissionais não concebem estas relações como um fardo para elas (mesmo que sejam) no caso como ocorre com os homens.

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Ao mesmo tempo também me chama atenção em relação aos homens é “eu cuido, eu gosto, eu vou ficar aqui, mas eu estou abrindo mão de alguma coisa”, ou de estar trabalhando e eu tenho que ficar aqui, não sei. Mas o cuidar tem um peso e a mulher já está acostumada com aquele peso, ela não reclama muito “ai eu tenho que cuidar da minha filha”. A mulher tem mais facilidade com isso do que o homem. O pai coloca alguma justificativa “ah, eu tenho que fazer não sei o que” já a mulher se anula. (Fala da direção)

De um modo geral, a maioria das profissionais relata que os homens cuidam por própria opção, embora a observação relatada da diretora da escola, de fato, seja muito recorrente. Na fala da técnica de enfermagem, que é responsável pelo acompanhamento de saúde, ela relata que é comum os homens delegarem às mães a responsabilidade dos cuidados de saúde das crianças. Assim, quando alguém se machuca dentro da instituição e a técnica consegue comunicar o ocorrido ao pai, ele procura apontar sempre a mãe para a resolução da questão.

Às vezes eu ligo para dizer que tem uma criança passando mal e o pai na mesma hora fala, então você fala com a mãe, porque ela que resolve, ela que define, você tem o telefone dela então você resolve com ela. Não é tão comum um pai tomar iniciativa nesses casos, mas acontece dele querer vir junto, de querer estar perto, mas sozinho, na área da saúde, eu nunca vi (fala da técnica de enfermagem).

A assistente social também apontou essa delegação de cuidado às mulheres por parte dos homens. Embora ela ressalte que procura se comunicar com os homens, incentivando-os a se informar sobre os cuidados com seus filhos, ela aponta que esta delegação é muito comum.

Quando eu vou fazer uma ligação sobre alguma coisa que aconteceu com a criança eu ligo para o pai, quero que o pai saiba que a criança caiu e abriu o supercílio, que a criança não está se alimentando direito e vai precisar sair mais cedo... Eu peço que ele ligue para a mãe para passar o recado, mas eles “volta e meia” pedem que eu ligue, porque se eles falarem a mãe vai ficar muito preocupada (fala da assistente social).

Falas dos homens do tipo “a mãe não faz, a mãe não viu, a mãe não quer saber” são muito presentes no ambiente escolar. Entretanto, é importante ressaltar que o profissional não atue de maneira a reafirmar esta responsabilização e culpabilização reproduzida nas falas dos homens, mas sim na busca por estratégias profissionais que estimulem o homem à esfera dos cuidados e que, portanto, desconstruam este estigma do cuidado.

De mesmo modo, não se pode desconsiderar profissionalmente a existência de homens que possam, por sua própria vontade, tomarem para a si a responsabilidade do cuidado, afinal essas práticas, como também apontado pelas profissionais, também são existentes e não

81 devem ficar invisíveis. A existência dessa contradição em relação ao homem que cuida, se dá, para Silva e Picinini (2007), na medida em que a paternidade tradicional (do homem provedor) esbarra na visão de um “novo” pai que, contraditoriamente, não corresponde aos discursos que dizem respeito à masculinidade.

Assim, podemos dizer que tanto nos casos dos homens que culpabilizam a mulher pelo não cuidado quanto nos casos de delegação dos cuidados por parte dos mesmos, há uma nítida dificuldade masculina em se assumir enquanto cuidador. Se os homens não se assumirem como tal podem estar contribuindo para uma invisibilidade nas práticas de proteção e, consequentemente, podem também estar se tornando sujeitos “invulneráveis” frente às formulações das políticas sociais, pois eles tendem a não se identificarem como objetos de tais políticas.

Uma questão interessante apontada pelos profissionais é a responsabilidade distinta dada no caso das famílias monoparentais masculinas e monoparentais femininas. Enquanto os homens, como visto, apresentam um discurso de culpabilização da mulher quando se veem sozinhos nos cuidados com os filhos, as mulheres tendem a apresentar postura oposta.

A mulher que é sozinha com a criança ela opta por ficar sozinha com a criança. Durante um bom tempo ela quer ficar com o filho só para ela, quando ela começa a se abrir para outra pessoa afetivamente que ela abre o núcleo familiar. O que é diferente das situações que eu presenciei do homem com a criança que é “eu fico com a criança, eu cuido da criança, mas eu quero que a mãe participe”. Já muitas mulheres optam por não querer que os homens participem (fala da diretora).

Segundo a fala da direção, é comum, no caso das mulheres, que elas assumam para si toda a responsabilidade dos cuidados com o filho, muitas vezes, evitando (o pouco) contato da criança com o pai, seja impedindo que o pai não busque na escola, seja não registrando o nome do pai na certidão de nascimento da criança para que ele não tenha direito sobre a mesma. Os motivos que levam a essa postura por parte de algumas mulheres podem ser vários (violência física, psicológica e emocional sofrida no relacionamento com o pai, abandono paterno, dentre outros) e não cabe apontá-los nessa pesquisa. Entretanto, este é um dado importante de ser ressaltado quando observamos posturas tão diferenciadas e as questões de gênero envolvidas.

Se o homem ainda possui um discurso de culpabilização da mulher pelos cuidados e ao mesmo tempo, em alguns casos, ele opta por assumir o protagonismo dentro dessa esfera, isso sugere que não há um padrão específico que justifique os cuidados masculinos, embora esse padrão de responsabilização feminina ainda esteja fortemente presente nos discursos.

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