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1.5 O cuidado numa dimensão ampliada

1.5.3 Homens e cuidados em outros campos

A relevância dos estudos de homens e masculinidades ganhou destaque nos debates acadêmicos, sobretudo devido à atenção dada à saúde do homem. Este novo olhar da saúde, atravessado pela perspectiva de gênero, auxilia para a compreensão de diversos adoecimentos que englobam o público masculino. Temos aí desde práticas de comportamentos às relações de poder das quais os homens buscam um padrão de masculinidade hegemônica (MACHIN et

al, 2011).

Para Machin et al (2011) no que concerne a área da saúde, uma característica muito comum entre os homens é a negação de dor e/ou sofrimento e de vulnerabilidades, fazendo

49 com que os homens tenham maior dificuldade no que tange o acesso à saúde e à assistência. Assim, como o cuidado foi sendo construído a partir de símbolos e práticas tidas como femininas, os homens tendem a se distanciar dessa prática, na medida em que a construção das masculinidades é concebida num processo em que se objetiva combater os aspectos que os associem às mulheres (WELZER-LANG, 2011). Para Machin et al (2011) há enquanto estrutura de identidade masculina hegemônica, aspectos de invulnerabilidade, força e virilidade como pertencentes à “cultura” do homem, o que dificultaria o reconhecimento deste e de suas necessidades em relação aos cuidados com a própria saúde. Aliado a isso, os ambientes institucionais de cuidados tendem a representar símbolos femininos, o que dificultaria uma identificação dos homens nesses espaços.

Seguindo esta lógica, a organização dos serviços de cuidado se firmou na perspectiva mãe-criança e nas ações políticas voltadas para o corpo feminino. Por trás dessa perspectiva, a igreja contribuiria para a noção da maternidade como algo intrínseco a mulher, assim como o Estado firmaria políticas de saúde voltadas para os cuidados materno-infantil. Enquanto o corpo da mulher era simbolicamente visto como reprodutivo, o masculino restou uma visão “desconhecida” não sendo investidas práticas de conhecimento. Ao contrário da mulher, o homem teve sua natureza sexual isolada da reprodução, sendo inclusive, esta característica estruturada à masculinidade hegemônica (sendo ela heterossexual e, portanto, de dominação) (MACHIN et al, 2011).

Com a entrada da temática da violência contra a mulher no âmbito da saúde, através da mobilização dos movimentos feministas, a inserção do homem neste campo se dá, muitas vezes, numa associação quase que automática de identificação do homem no papel de agressor e, consequentemente, na visão da violência como característica da masculinidade (MACHIN et al, 2011).

Características como estas apontam para os homens no polo do não cuidado enquanto às mulheres é atribuído o lugar do cuidado. A invisibilidade de homens como sujeitos de cuidados e como potenciais cuidadores reforça a mulher na posição de cuidadora e isso não se restringirá no que tange aos cuidados materno-infantil, mas elas acabam por atuar também como mediadoras no tocante à saúde do próprio homem (MACHIN et al, 2011).

Para Gibim e Lessa (2011) no que tange o cuidado profissional com crianças pequenas, cuja função implica também no cuidar do corpo e da higiene, os profissionais masculinos tendem a causar nas famílias sentimentos de medo e insegurança. Na divisão sexual entre os profissionais de educação infantil é possível perceber que há uma divisão de

50 tarefas; enquanto às professoras mulheres ficam atribuídas tarefas como o cuidado e o corpo, aos professores homens estaria destinado o trabalho educativo como os de coordenação e/ou de administração. Para além disso, o profissional homem de educação infantil deve ganhar a confiança moral das demais profissionais. A presença de homens na educação infantil contribui para a desconstrução de uma norma de gênero, na medida em que a educação e o cuidado infantil deixam de ser terreno exclusivamente feminino (GIBIM & LESSA, 2011).

Na educação infantil cerca de 97,9% dos docentes são mulheres enquanto 2,1% são homens. Para além de uma perspectiva de que o homem construiu seu trabalho a partir do espaço público e que as mulheres historicamente desenvolverão sua ocupação sob a perspectiva do espaço privado, devemos pensar que a educação e os cuidados infantis são construídos e definidos socialmente. Assim, para Gibim e Lessa (2011) a ideia de cuidar de crianças pequenas, o que inclui cuidados com a higiene, o corpo, a alimentação, a afetividade, etc, reduz o significado profissional e educativo da educação infantil a um trabalho menos valorizado. Essa polarização entre cuidado e educação nos remete a ideia de que para cuidar não é necessária “grande capacitação” profissional e isso poderá refletir nas ações e políticas que visam à formação de professores na área da educação infantil (GIBIM & LESSA, 2011).

Segundo Taylor (2012) os cuidados de profissionais masculinos em creche são apontados como um dos principais desafios enfrentados pelos homens nesta esfera. Em muitas de suas falas é possível perceber a dificuldade na execução de certas tarefas, como trocar fralda e dar banhos. Além disso, os homens apontam que precisavam ter mais atenção nas brincadeiras com as crianças, pois poderiam levar às interpretações de conotação sexual abusiva por parte das famílias. Outro fator apontado pelos profissionais homens é que eles se sentiam menosprezados, pois os pais demonstravam nítida falta de confiança nos trabalhos exercidos por eles junto às crianças. Este sentimento de inferioridade ocasionado pelo olhar dos familiares de crianças pequenas seria um fator que estaria desestimulando a atuação de profissionais homens no espaço da educação infantil (TAYLOR, 2012).

Para Taylor (2012) o sentimento de isolamento é outra característica apontada pelos profissionais homens no ato de cuidar, pois essa experiência não costuma ser compartilhada com outros homens. Desse modo, não há referências de cuidados profissionais masculinos em que os homens possam se espelhar.

Em espaços de cuidados como as creches, os profissionais homens relatam a necessidade em se buscar estratégias para superarem tensões geradas entre a prática profissional masculina e as famílias. Para Taylor (2012) estes profissionais homens tentam

51 enfatizar os aspectos masculinos em sua atuação profissional fazendo com que o trabalho de cuidar coincida com a sua compreensão de ser homem. Neste sentido, a paternidade foi apontada pelos homens profissionais como uma experiência que facilitou na prática profissional de cuidados. No relato dessas experiências de paternidade estava a tarefa de ensinar o filho “a ser homem” (TAYLOR, 2012).

Segundo Taylor (2012) um dado interessante apontado por esses profissionais foi que quanto mais os homens estavam mergulhados em contextos de cuidados, mais eles tinham uma visão equitativa de gênero. Assim, ao mesmo tempo em que eles apontavam as dificuldades enfrentadas em sua dinâmica profissional devido à rigidez dos papéis de gênero, demonstravam grande satisfação em conseguir superar esse paradigma, estando livres das amarras desencadeadas pelos estereótipos desses papéis (TAYLOR, 2012).

Entretanto, a relação dos homens com as instituições escolares, tradicionalmente acostumadas a trabalhar as problemáticas do aluno através da figura feminina da mãe, estão sendo desafiadas a trabalhar com a figura paterna, fazendo com que se criem mecanismos para acompanhar estas novas configurações familiares. Para Carvalho (2004), a presença da paternidade na escola é sempre surpreendente, pois os profissionais da educação sempre reportam à predominância das mulheres. Segundo a autora, no campo da educação, a obrigação de acompanhar o dever de casa, de estimular os estudos e dar afeto ao filho ainda parece ser predominantemente da mãe.

Pouco se pergunta aos homens sobre questões relacionadas ao desejo, participação e responsabilidade de reprodução. No contexto do cuidado infantil se espera da mulher que ela desempenhe seu papel de mãe de maneira maravilhosa enquanto que em relação aos homens este cuidado resume-se ao plano financeiro, estando eles, muitas vezes, isentos pela sociedade dos cuidados de crianças (MEDRADO, et al, 2005).

Para Sorj (2014), a classe social não intervém no comportamento masculino na esfera doméstica. Nesse sentido, a identidade masculina estaria reproduzindo uma preservação da distância da arena dos cuidados, fazendo com que o pouco tempo em que eles se dedicam as atividades domésticas contribui para que o cuidado assuma um claro perfil de gênero. A identidade masculina estaria tão fortemente construída através da distância do espaço privado que a diferença de classes sociais não estaria sendo um fator tão relevante quanto a uma maior inserção do homem no âmbito doméstico. Entretanto, no que se refere aos homens mais jovens Radtke (2005) aponta que há maior equidade quanto à participação dos pais nos cuidados com os filhos e, que, entre eles, haveria uma maior dificuldade em se distinguir as

52 atribuições da mulher e do homem. Isso sugere que o aspecto geracional também é um fator que poderá influenciar relações de gênero e cuidados.

No que se refere às políticas públicas, para além de se desenvolver políticas de equidade entre homens e mulheres, fica nítida a necessidade em se considerar as desigualdades existentes entre os próprios homens, o que inclui questões relacionadas à classe social, raça e etnia, geração, migração, geografia, orientação sexual, dentre outras. A falta de contribuição dos homens às políticas sociais impõe barreiras para que eles possam ser inclusos nestas mesmas políticas, o que inclui até mesmo a falta de conhecimento sobre políticas de igualdade. Entretanto, para os homens ainda há uma maior tendência em abraçar questões de equidade relacionadas ao domínio público, mas isso não permanece na mesma intensidade quando eles transferem estas questões para a vida privada (TAYLOR, 2012).

Na tentativa de aprofundar a reflexão acerca da relação entre os homens e a esfera privada, o próximo capítulo refletirá a respeito da presença masculina nos cuidados a partir da ótica paterna e profissional de uma creche/escola destina às famílias pobres.

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CAPÍTULO II

Homens e masculinidades em foco: um olhar sobre gênero e cuidados na educação

Este capítulo destina-se à apresentação da pesquisa de campo realizada na Associação de Educação Infantil Florescer. Seu objetivo está em analisar a visão das profissionais e dos homens que exercem a paternidade em relação à presença masculina nos cuidados no âmbito dessa creche/escola.

Na primeira parte, este capítulo buscará analisar a relação profissional exercida com os homens desta instituição, as tensões e contradições geradas pela ambiguidade do sentimento profissional e a dificuldade em se trabalhar com questões de gênero no âmbito escolar. O olhar das profissionais da instituição em relação aos homens que cuidam também será apontado neste capítulo e através das análises das entrevistas realizadas com elas apontaremos os dados relevantes encontrados no campo.

A segunda parte está destinada à perspectiva dos homens em relação aos cuidados masculinos e a forma como são exercidos. Para isso, serão abordadas questões relacionadas à visão de compartilhamento e estereótipos de gênero, os traços da masculinidade hegemônica e a tensão gerada entre o provedor e o protetor que desenharão um pouco das características dos homens que cuidam dentro do campo de pesquisa. Assim, os homens das crianças atendidas, a partir do exercício da paternidade, apontarão seus olhares em relação aos cuidados masculinos e as análises partirão de alguns elementos que caracterizam a presença masculina no âmbito dos cuidados nesta instituição.

Iniciaremos fazendo uma breve apresentação do bairro do Rio Comprido, local onde se encontra situada a instituição. Apontaremos um pouco dos caminhos de sua história antiga e a rede construída nos dias atuais.

Conheceremos, assim, os objetivos e as atividades da Florescer, instituição sem fins lucrativos que desde 2001 vem atendendo crianças de baixa renda e moradoras das comunidades do entorno do Rio Comprido em idade de creche e Pré-Escola.

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