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A síndrome da hipermobilidade articular benigna (SHAB) é uma condição generalizada caracterizada por um aumento de elasticidade articular em movimentos passivos e hipermobilidade em movimentos activos, em múltiplas articulações (Beighton, 2012b), mas conjuntamente apresenta outras alterações fenotípicas associadas a outros tecidos conjuntivos (pele, vasos, válvulas cardíacas, etc) (Grahame, 2007). A sua presença na população em geral é comum e a sua prevalência varia entre

6-39% nas mulheres e 2-25% nos homens (Tinkle, 2014), tende a decrescer com a idade, é mais comum nas mulheres que nos homens para a mesma faixa etária e diferenças raciais têm sido identificadas (Remvig et al., 2007).

São vários os sistemas de avaliação do SHAB. Os primeiros sistemas descritos apenas se dirigiam à avaliação da hipermobilidade articular generalizada (HAG). Carter & Wilkinson (1964) descreveram a primeira classificação da HAG e, para os autores, esta estava presente quando três de cinco testes propostos fossem positivos desde que, estes três testes, envolvessem quer os membros superiores quer os inferiores (oposição passiva do polegar à face flexora do antebraço, hiperextensão passiva dos dedos de forma a ficarem paralelos à face extensora do antebraço, habilidade de hiperextensão do cotovelo mais de 10º, habilidade de hiperextensão do joelho mais de 10º, excesso de amplitude de dorsiflexão passiva do tornozelo e eversão do pé) (Carter & Wilkinson, 1964). Este método foi modificado por Beighton et al. (1973) e foi criado um sistema de pontuação cujo índice varia entre 0-9, para o qual um valor igual ou superior a 4 foi considerado indicativo de HAG (Beighton et al., 1973) (Tabela 1).

Tabela 1-Testes de avaliação e respectiva pontuação do Índice de Beighton (Beighton et al., 1973)

Testes de avaliação Índice de Beighton Pontuação

1. Dorsiflexão passiva dos dedos mínimos mais de 90º 2 pontos (direita e esquerda) 2. Aposição passiva dos polegares na face flexora do antebraço 2 pontos (direita e esquerda) 3. Hiperextensão do cotovelo superior a 10º 2 pontos (direita e esquerda) 4. Hiperextensão do joelho superior a 10º 2 pontos (direita e esquerda) 5. Colocação total das palmas das mãos no chão sem flexão dos joelhos 1 ponto

TOTAL 9 pontos

No entanto, durante muitos anos, os sistemas de avaliação da SHAB estiveram restringidos à avaliação das articulações (HAG), apesar de, na prática clínica, se verificar a afecção de outras estruturas (Grahame, 1999). Em 1999, um grupo de trabalho da British Society of Rheumatology, desenvolveu os Critérios de Brighton (Beighton, 2012a). Estes critérios incluíram o Índice de Beighton nos critérios major (≥ a 4), bem como, a presença de artralgia por mais de 3 meses, em 4 ou mais articulações. Nos critérios minor foram incluídos vários sintomas a afectar outros sistemas, além das afecções ao sistema músculo-esquelético. A SHAB é considerada

na presença dos dois critérios major, de um critério major e dois minor ou, ainda, na presença de 4 critérios minor (Grahame et al., 2000) (Tabela 2).

Hakim & Grahame (2003) validaram um questionário de 5 perguntas para ser utilizado na prática médica generalista alertando para a suspeita de SHAB. O questionário mostrou uma sensibilidade de 84% e especificidade 89%, comparado com os critérios de Brighton (Hakim & Grahame, 2003). Este mesmo questionário foi traduzido e validado para o português do Brasil, verificando-se relativamente ao Índice de Beighton, uma sensibilidade de 70,9% e especificidade de 77,4% (Moraes et al., 2011). Nesse mesmo estudo, realizado em estudantes universitários (n=394; dos 17-24 anos) verificou-se que a prevalência de HAG, utilizando os critérios de Beighton, foi de 34,0% (44,3% nas mulheres e 16,0% nos homens).

Tabela 2-Critérios de Brighton para a SHAB (Grahame et al., 2000) Critérios major

Beighton ≥4

Artralgia ˃3 meses em 4 ou + articulações Critérios minor

Beighton 1,2 ou 3 (+50 anos)

Artralgia ˃3 meses em 1 até 3 articulações ou dores lombares Hx de luxação ou subluxação de uma ou mais articulações

Reumatismo de tecidos moles- 3 episódios no mínimo- bursite, tenossinovite, epicondilite Alteração na pele- estrias, hiperextensibilidade, pele fina, cicatrizes tipo papiro

Veias varicosas ou hérnias ou prolapsos uterinos/rectais Olhos- miopia ou pregas antimongolóide ou pálpebras descaídas

Perfil tipo Marfanóide (altura; magreza; aracnodactilia)

A HAG é apontada como um factor predisponente ao desenvolvimento das DTMs mas a literatura não é consensual quanto à sua importância (Dijkstra et al., 2002). Contudo, os indivíduos com Síndrome de Marfan ou de Ehlers-Danlos, síndromes genéticos em que está presente HAG extrema, mostraram uma prevalência muito mais elevada de DTM (71,4%) que os controlos. Os ruídos articulares e as luxações mandibulares recorrentes foram também um achado frequente nesta população (64,3%) (De Coster et al., 2005). Os autores quiseram demonstrar que as doenças do tecido conjuntivo estão associadas com as DTMs e que, portanto, alterações constitucionais nestes tecidos também o podem estar.

Dos estudos encontrados na literatura que visam relacionar DTMs com a HAG, a grande maioria utiliza os critérios de Beighton, (Adair & Hecht, 1993; Conti et al., 2000; Winocur et al., 2000; Kacheria et al., 2007; Hirsch et al., 2008; Saez-Yuguero et al., 2009; Kalaykova et al., 2011; Pasinato et al., 2011a; Ghanizadeh, 2011; Barrera- Mora et al., 2012; Wang et al., 2012). Apenas o estudo de Ogren et al. (2012) utilizou os critérios de Carter & Wilkinson (1964) para avaliação da HAG.

Alguns autores referem que a HAG apenas está relacionada com uma maior prevalência de sinais clínicos, nomeadamente, os ruídos articulares não dolorosos, (Adair & Hecht, 1993; Hirsch et al., 2008), estalidos recíprocos e bloqueio de boca fechada (Ogren et al., 2012) e com uma maior amplitude de abertura de boca (Hirsch et al., 2008; Pasinato et al., 2011a), que desde que seja mantida em níveis fisiológicos não tem potencial de induzir DTM. No entanto, no estudo de Kavuncu et al. (2006), a HAG associada a subluxação condilar (hipermobilidade condilar) demonstrou ser um factor de risco para as DTMs (Kavuncu et al., 2006). Todavia em jovens adultos, a presença de subluxação condilar (17,7% de 220 estudantes universitários) não demonstrou ser um factor de risco para o deslocamento do disco com redução (Huddleston Slater et al., 2007).

Estudos recentes mostram que a HAG não é considerada um factor de risco para o desenvolvimento de DTMs (Kalaykova et al., 2011; Pasinato et al., 2011a; Wang et al., 2012; Barrera-Mora et al., 2012). No estudo de Sáez-Yugeuero Mdel et al. (2009), em cujos diagnósticos de deslocamento do disco articular foram confirmados por RMs os autores não encontraram qualquer tipo de associação entre DTM intra-articular e a HAG (Saez-Yuguero et al., 2009).

Num estudo realizado em adolescentes a HAG não foi considerado factor de risco para as DTMs articulares mas foi considerado um factor de protecção relativamente às DTMs musculares (Kacheria et al., 2007). No entanto, no estudo de Passinato et al. (2011b), baseado em análise electromiográfica, realizado em indivíduos com DTM, com DTM e HAG e controlos, verificou-se que a actividade eléctrica muscular era superior nos indivíduos com DTM que nos controlos. Verificou-se também que a actividade eléctrica muscular ocorre de forma assimétrica e não específica nos

indivíduos com DTM e HAG. Os autores sugerem como explicação que o aumento de actividade muscular na HAG ocorre para promover a estabilização devido à baixa competência ligamentar e ao possível défice proprioceptivo associado à HAG (Pasinato et al., 2011b).