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O trauma, no âmbito das DTMs, é descrito como qualquer força que aplicada ao sistema estomatognático excede a carga funcional normal. O trauma pode ser dividido em 3 tipos: 1) trauma directo, que resulta da aplicação de uma força súbita, e geralmente isolada, sobre as estruturas; 2) trauma indirecto que resulta de um golpe súbito mas sem contacto directo nas estruturas do sistema estomatognático; e 3) microtrauma, que é o resultado de uma força prolongada, de baixa intensidade, aplicada de forma repetida ao longo do tempo (AAOP, 2013a). No âmbito deste trabalho o microtrauma será abordado de forma separada, numa sequência lógica de conceitos.

O trauma directo pode induzir lesões directas na ATM, nomeadamente fracturas e estiramentos ligamentares, que podem alterar, no tempo, a biomecânica articular induzindo o aparecimento de DTMs (doença articular degenerativa, anquilose ou distúrbios ao nível do complexo côndilo-disco articular) (AAPD, 2012). Outro aspecto é que o trauma pode induzir alterações inflamatórias e degeneração da cartilagem articular, que podem contribuir para o aparecimento ou manutenção das DTMs, se não forem adequadamente tratadas (Yun & Kim, 2005). Esta ideia já havia sido colocada

por Plesh et al. (1999) ao verificarem que os indivíduos com história de trauma facial (TF) que não receberam tratamento, apresentavam maior severidade e intensidade de dor articular do que aqueles que haviam recebido tratamento (Plesh et al., 1999). Vários estudos correlacionam os traumatismos com o risco em desenvolver DTMs em adolescentes (Fischer et al., 2006), jovens adultos, incluindo estudantes universitários (Choi et al., 2002; Akhter et al., 2008; Akhter et al., 2011) e em adultos (De Boever & Keersmaekers, 1996). No estudo OPPERA, os indivíduos com DTM referenciaram mais frequentemente história de trauma directo do que os sem DTM (Ohrbach et al., 2011).

Outras formas de trauma, tais como, intubação orofaríngea (Knibbe et al., 1989; Gould & Banes, 1995; Martin et al., 2007), abertura de boca prolongada ou de grande amplitude (Ohrbach et al., 2011; Sahebi et al., 2010), ou extracção de terceiros molares (ETM) (Huang et al., 2008; DeAngelis et al., 2009; Juhl et al., 2009; Huang & Rue, 2006) têm sido também associadas às DTMs.

As disfunções transitórias ou permanentes da ATM, após intubação endotraqueal têm sido descritas na literatura na forma de relatos clínicos (Knibbe et al., 1989; Gould & Banes, 1995; Martin et al., 2007), no entanto, não há estudos de caso controlo ou longitudinais, que verifiquem esta relação.

No estudo de caso controlo OPPERA a queixa de lesão traumática após bocejo ou abertura prolongada, foi significativamente mais elevada em indivíduos com DTM do que em indivíduos saudáveis (Ohrbach et al., 2011). Já Sahebi et al. (2010) realizaram um estudo em indivíduos sujeitos a tratamento endodôntico e verificaram que, consultas prolongadas e realizadas com grandes amplitudes de abertura da boca (tratamento de molares), podem induzir DTM ou agravar DTMs já existentes (Sahebi et al., 2010).

A evidência de que a realização de cirurgia oral (ETM) ou cirurgia ortognática são factores precipitantes de DTM ainda não é consensual (Lindenmeyer et al., 2010).

Threlfall et al. (2005) procuraram estabelecer a relação entre a ETM e a presença de DDCR e verificaram no seu estudo que esta não existiu (Threlfall et al., 2005). Já Akhter et al. (2008) verificaram uma relação entre a presença de ruídos articulares e a ETM, num estudo realizado em estudantes universitários. Huang et al. (2008) verificaram que o risco relativo de aparecimento de sinais e sintomas de DTMs apenas foi maior em indivíduos que realizaram a ETM com menos de 21 anos mas este não foi estatisticamente significativo.

Juhl et al. (2009) realizaram um estudo prospectivo da incidência de sinais e sintomas de DTMs em indivíduos sujeitos a ETM, após 6 meses da cirurgia. Quando os resultados foram comparados com o grupo controlo (sem extracções) os autores verificaram não ter havido diferenças significativas entre os 2 grupos (Juhl et al., 2009). Já o estudo de Macfarlane et al. (2010) procurou relacionar a história de ETM com o auto-relato de dor orofacial. Os autores concluíram que a relação entre ambos era fraca, pelo que a relação entre estes factores necessita de mais evidência através de estudos prospectivos de em larga escala.

Valle-Corroti et al. verificaram não existirem diferenças significativas na prevalência de DTMs nos indivíduos de classe III tratados só com tratamento ortodôntico (TO) ou com tratamento ortodôntico-cirúrgico (Valle-Corotti et al., 2007). Por sua vez, Mladenovic et al., em 2013, num estudo realizado em indivíduos sujeitos a cirurgia ortognática para tratamento de prognatismo mandibular (n=40) versus um grupo controlo (42 indivíduos com prognatismo que não realizaram qualquer tipo de tratamento), verificaram que a prevalência de DTMs segundo os CDP/DTM foi semelhante em ambos os grupos. Os autores concluíram que o tratamento cirúrgico do prognatismo mandibular não influencia a expressão das DTMs (Mladenovic et al., 2013).

No que se refere aos efeitos da cirurgia de reposicionamento mandibular nas DTMs (tratamento cirúrgico das classes II esqueléticas), numa revisão da literatura de 2014, verificou-se que: 1) esta foi incapaz de influenciar o posicionamento do disco articular e a presença de crepitações; 2) o aparecimento/manutenção de estalidos articulares e de artralgia, no pós-cirúrgico não foi previsível, no entanto, a tendência é para que a

cirurgia leve à melhoria destes sintomas; 3) a quantidade de avanço mandibular, de auto-rotação mandibular e a rigidez da técnica de fixação cirúrgica, pareceu influenciar a posição da ATM e a sua saúde; 4) o risco de reabsorção condilar aumentou, especialmente nos casos identificados como tendo alto risco para DTM (Valladares- Neto et al., 2014).

As colisões com veículos motorizados podem provocar trauma directo mas também trauma indirecto resultante do processo de aceleração-desaceleração (golpe de chicote) (Epstein et al., 2010). No entanto, apesar de a controvérsia ainda existir relativamente ao mecanismo que relaciona o trauma indirecto com as DTMs, há alguma evidência que a prevalência (Carroll et al., 2007) e a incidência de dor na ATM (Sale & Isberg, 2007) aumentam após um golpe de chicote (Haggman-Henrikson et al., 2013).

Uma revisão sistemática sobre a prevalência de golpe de chicote em indivíduos com DTM concluiu que esta é maior nos indivíduos com DTM do que nos controlos, bem como, que os indivíduos com DTM e história de golpe de chicote apresentam mais dor e uma disfunção mais severa do que os indivíduos com DTM que não têm história de trauma (Haggman-Henrikson et al., 2014). O resultado desta revisão corrobora a ideia de que o golpe de chicote pode ser um factor precipitante e/ou agravante de DTM, bem como, pode ser considerado uma comorbidade das DTMs.